14 de maio de 2018

Por Ricardo Prado Pires de Campos

Muito já se disse que as redes sociais estão formando bolhas de comportamento, onde os iguais se reforçam e os diferentes são excluídos. Expressar um pensamento divergente pode trazer sérias consequências, como ofensas, perseguições, exclusões e até agressões. Definitivamente, a democracia parece não ser algo inato ao ser humano.
Deveria ser. O mundo é formado por forças divergentes que se contrapõem. Mas é exatamente por isso que elas se chocam. Cada uma, individualmente considerada, pretende ser dominante. Como a outra a impossibilita, surge à revolta, a tentativa de dominação e o ódio.
Nesses tempos bicudos da política, ser identificado como de direita num grupo de esquerda pode levar ao apedrejamento. Mas ser identificado como de esquerda num grupo de direita, também, levará ao linchamento.
A intolerância, em certos grupos, virou a palavra de ordem.
Isso não se verifica apenas na política e nas redes sociais, é um comportamento extremamente comum. As rixas entre torcidas de futebol são famosas. Mas não é somente nos grandes grupos que isso acontece, nos pequenos também.
As disputas para escolher a comida de domingo podem gerar grandes discórdias, e a decisão de alocar os recursos da família dá margem a enormes batalhas.
A tentativa de fazer prevalecer as próprias ideias, os próprios interesses, leva o ser humano permanentemente a situações de conflito. E o Direito concentra um grande arsenal de instrumentos que a humanidade criou para solucionar essas questões.
Compreender os motivos que os geram e as formas de solução podem ajudar a resolver esses temas de forma mais civilizada.
A própria civilização é uma conquista da humanidade que busca a solução de conflitos pelo Direito, e não pela força das armas. A força do argumento tentando controlar a força das emoções. Não é uma disputa fácil, e nem sempre a razão sai vencedora.
É extremamente comum, ainda, vivenciarmos situações de grandes tragédias, porque as pessoas foram levadas por momentos de fúria, de ódio, de rancor. O dia a dia dos operadores da Justiça Criminal está recheado desses exemplos.
Se as pessoas aprendessem a compreender o diferente, talvez, conseguissem respeitar. Não é preciso amar o diferente, basta respeitar.
As ideias de igualdade e diferença estão no centro do nosso sistema de conhecimento. O tempo todo estamos classificando coisas, objetos, animais e pessoas. Não há como não fazê-lo: para entender o funcionamento do mundo e da vida precisamos distinguir uns de outros, e criar grupos que apresentem relações homogêneas.
O próprio Direito funciona dessa forma, vamos classificando as normas entre civis e penais, substantivas ou processuais, constitucionais ou ordinárias. E, assim, vamos construindo nosso conhecimento, associando seres ou ideias em grupos, procurando relações de semelhança e de divergência.
Classificamos como igual o que é semelhante, aquilo que conheço. E desigual, o diferente, aquele que não conheço, o esquisito.
Numa relação entre iguais nos sentimos confortáveis, pois sabemos como o regramento funciona. Em nossas casas, nossos ambientes de trabalho, nossas escolas, depois de tempos de convivência, quanto mais padronizado o grupo menor a possibilidade de conflitos. Igualdade representa segurança, e segurança é um vetor importante na vida.
No entanto, o diferente também possui um papel fundamental nessa história. O diferente aguça o conhecimento, se superarmos a desconfiança. O diferente obriga a observar, a estudar para compreender. O diferente dá trabalho para ser classificado. O diferente força a evolução, o desenvolvimento de novas ideias, de novas técnicas, de novas soluções.
A revolução industrial, a produção em série, a criação das redes sociais são instrumentos importantes de padronização. As escolas, também, desempenham esse papel.
O perigo, no entanto, é a intolerância com o diferente, com aquilo que não conhecemos, que nos tira da zona de conforto e, por isso, nos intimida. Reagimos com pedras (ou fuzis) nas mãos porque não sabemos o que nos aguarda, qual será a reação: se amistosa ou de guerra. A precaução é natural. A intolerância pode ser controlada.
Aprender a observar o diferente, com cautela, mas com curiosidade, faz parte do desenvolvimento do conhecimento científico.
O Direito assegura constitucionalmente o direito de ser diferente quando assegura o direito à liberdade. Direito a igualdade é o direito de ser padronizado, despersonalizado, integrado ao grupo, mas sem opção para discordar.
O direito de ser diferente é o direito de ser livre para escolher. Escolher caminhos, escolher entre usar piercing ou não, entre tatuar o corpo ou não, entre ser carnívoro, vegetariano ou vegano, escolher entre opções de gênero, de sexualidade, entre opções de parceiro, de trabalho, de lazer, e por aí vai. Há pessoas que gostam de agradar, algumas preferem chocar, outras querem apenas ser elas próprias.
Ser diferente é ter o direito de ser a si mesmo, independente de rótulos.
As classificações, as padronizações, são necessárias, mas não esgotam a realidade e, por vezes, apresentam falhas e limitações, não resolvem todos os problemas. Ajudam, mas são limitadas. Precisamos ter consciência dessas poderosas forças do universo, que atraem (como a lei da gravidade) e que afastam (como a repulsa, nítida nas explosões solares ou vulcânicas). São dois movimentos contrários e fortíssimos que tentam se impor a todo o custo e a todo o momento: um nos chamando para ser iguais. Outro nos repelindo porque somos diferentes.
Esses movimentos são tão básicos no universo e na história da humanidade que estão consagrados nas normas jurídicas há muito tempo.
O direito à igualdade é o direito de acesso a muitos serviços públicos que são colocados à disposição, mas apenas aos iguais.
O direito à liberdade é o direito de escolher o que estudar, aonde trabalhar, o que fazer da vida, como desfrutar do seu lazer.
Essas duas metades são importantíssimas para uma vida equilibrada. Reconhecer a importância e compreender esses dois movimentos enriquece e nos permite caminhar sem medo das diferenças.
Aceitar pessoas que tenham opções diferentes das nossas; compreender pessoas que defendam ideias exóticas; respeitar as pessoas de outras nacionalidades, expatriados, foragidos de guerras e imigrantes, são atos de civilidade, mas, acima de tudo são atos perseguidos pela sociedade das nações, que conseguem encontrar uma igualdade básica em todos os seres humanos: o princípio da dignidade, independente das diferenças de credo, de nacionalidade, de cor e todas mais.
O mundo será mais rico e tolerante, se aprendermos a compreender o diferente.

Ricardo Prado Pires de Campos é procurador de Justiça no Ministério Público de São Paulo, mestre em Direito e 2º vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.

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