5 de março de 2018

Por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

I – Introdução
Muito se tem discutido a respeito dos limites da manifestação de opinião por juízes, em face dos recentes episódios políticos em nosso país. Há casos de magistrados acusados de “ausência de imparcialidade objetiva”, em razão de manifestações registradas em redes sociais[1].
Outros, contrários ao processo de impeachment, estão sendo processados pelo Conselho Nacional de Justiça[2]. Há, também, relatos de punição, como no Nordeste do país: “A participação em evento político [comício] é incompatível com a função de magistrado”, afirmou o corregedor[3].
Os tribunais de Contas não podem ficar de fora desse debate, pois, como é sabido, aplicam-se aos conselheiros as mesmas vedações suportadas pelos magistrados e, dentre elas, está a proibição de juízes se dedicarem a atividades político-partidárias (artigo 95, parágrafo único, III da CF) [4].
O presente texto pretende abordar, como ponto de partida, a questão das indicações políticas dos membros dos tribunais de Contas, que são os responsáveis pelo julgamento das contas públicas, num ambiente em que pouco se sabe o que fazem essas cortes, o que muito se deve à falta transparência desses órgãos ao longo dos anos.
II – Tribunais de Contas: que são e o que deveriam fazer
Atribui-se a Rui Barbosa a criação dos tribunais de Contas (Decreto 966-A/90), estando, atualmente, contidos na Constituição Federal em vigor (Seção IX, artigos 70 a 75). Realizam essas cortes o chamado controle externo, que consiste na fiscalização contábil, financeira e orçamentária, na Administração Pública.
Atualmente, há 33 tribunais de Contas (TCs) no país, incluídos o da União e do Distrito Federal, além de um em cada capital brasileira. No Pará, na Bahia e em Goiás, há o Tribunal de Contas do Estado e dos Municípios (estaduais) e, no Rio de Janeiro e em São Paulo, há, além dos tribunais de Contas estaduais, o Tribunal de Contas do Município de SP e do RJ, esses municipais.
Referidos tribunais de Contas juntos consomem ao ano mais de R$ 10 bilhões, sendo criticados por não retornarem à sociedade todo o esforço destinado a eles. Além disso, assiste-se a graves episódios, sendo casos emblemáticos os TCs do Amapá, de Roraima, do Rio de Janeiro e de Mato Grosso, com vários dos seus membros afastados por denúncias de corrupção.
Tramitam, por isso, propostas de emenda à Constituição Federal, tendentes a reformular esse modelo, visto que já não atende aos anseios da população no Século XXI.
Uma dessas propostas de mudança é a PEC 329, que quer eliminar os critérios subjetivos da Constituição para a escolha de conselheiros, julgadores das contas públicas, substituindo-os por critérios técnicos, aferidos por concurso público.
Além disso, a proposta quer submeter esses membros ao controle do Conselho Nacional de Justiça, à semelhança de todos os magistrados no Brasil, assim como o Ministério Público que atua junto aos Tribunais de Contas, que ficaria vinculado ao Conselho Nacional do Ministério Público.
III – A forma de indicação dos conselheiros dos tribunais de Contas
Na gênesis de toda discussão está, portanto, a indicação política desses julgadores. No início, quando foram criados os tribunais de Contas, as indicações para os cargos de conselheiros eram feitas integralmente pelo chefe do Executivo.
Com a entrada em vigor da nova Carta, 80% dos conselheiros dos tribunais de Contas continuam sendo indicados por critérios políticos: nos Estados, o Parlamento indica quatro desses membros e o Executivo nomeia três, sendo um de livre indicação, outro, proveniente do MP que atua junto aos TCs e outro, dentre a carreira de conselheiros substitutos. Apenas os dois últimos, portanto, provêm de carreiras técnicas, para as quais se requer a aprovação em concurso público.
É fácil compreender que o sistema, como concebido, não funciona a contento, porque a atividade de julgar contas, sendo técnica, não pode conviver com posicionamentos embasados na formação de vínculos políticos, para o bem ou para o mal.
Além disso, vitalícios, desde a posse, os conselheiros dos tribunais de Contas têm a garantia do foro privilegiado e de somente perderem seus cargos mediante sentença com trânsito em julgado. Ademais, julgam em jurisdição única, o que quer dizer que eventual recurso é decidido por eles mesmos, sendo, por isso, nulas ou pífias as chances de reforma de suas decisões. Para piorar, não são controlados por nenhum órgão, como visto.
IV – Vedação e suspeição de conselheiros: ano eleitoral
Por isso, em ano eleitoral, toda a atenção deve ser redobrada, no ambiente do controle externo. Afora o fato de a maioria dos conselheiros advir da classe política, é muito comum que tenham ascendentes, descendentes, cônjuges, parentes e correligionários concorrendo a pleitos eleitorais.
É de se exigir, portanto, dos membros dos TCS completo distanciamento e rigor ainda mais justificável que quando se mira os integrantes do Judiciário. Isso porque julgarão contas públicas e, em muitos casos, atos e fatos que envolvem, direta ou indiretamente, políticos e candidatos.
Assim, a missão constitucional julgadora, nas cortes de Contas, impede não só a declaração pública elogiosa ou negativa a candidato, como o uso de bens públicos e das funções públicas, a serviço deles ou de partidos, seja para perseguir; seja para auxiliar.
Além do mais, o conselheiro, caso tenha qualquer parente ou cônjuge, concorrendo às eleições, deve afastar-se do julgamento de todo e qualquer processo que envolva interessados ao pleito eleitoral.
Como é sabido, uma candidatura envolve vários níveis e esferas de governo e poder, entrelaçados entre si. Não é possível tratar cada candidatura isoladamente, pois chefes do Executivo apoiam parlamentares, sejam municipais, estaduais ou federais e estes apoiam aqueles, etc.
É óbvio que, se um conselheiro tem parente ou cônjuge concorrendo a um pleito eleitoral, insere-se, inapelavelmente, nesse círculo de disputa. É o caso, por exemplo, de conselheiros julgando contas de prefeitos, apoiadores de seus parentes ou cônjuges, que concorrem à eleição, ou, também, dos que lhes são contrários[5].

V – Conclusão
É fundamental, portanto, que os órgãos ministeriais, que têm poder de investigação, e a sociedade estejam sensíveis para a questão. Juntos, podem somar forças para coibir práticas autoritárias ou desviantes.
É que conselheiros podem, até o presente momento, pelo texto constitucional, provir da classe política. Ao vestirem a toga, no entanto, devem deixar para trás toda a atuação política. Já não são mais candidatos em disputa por cargos e eleições; devem ser, apenas, julgadores, a serviço da sociedade.
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[1] http://wp.wboton.com/privado/tag/lula/
[2] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/11/07/Por-que-ju%C3%ADzes-contr%C3%A1rios-ao-impeachment-de-Dilma-est%C3%A3o-sendo-processados
[3] https://vandovalrodrigues.com/cnj-confirma-aposentadoria-do-juiz-que/
[4] O direito de liberdade de expressão a que se refere o artigo 5º, inciso IV da Constituição é garantia democrática. (…) No entanto, a própria Carta Magna estabelece restrições ao seu exercício. (…) Em suma, limites e restrições amoldam-se ao direito constitucional de liberdade de expressão, na medida das peculiaridades do caso concreto. Mas o fato é que nenhuma profissão admite liberdade total e absoluta de agir como se supõe devido. E a magistratura, pelo papel que lhe está reservado na sociedade, tem limitações redobradas, por tudo que dela a sociedade espera e cobra”
(Vladimir Passos de Freitas, “O juiz entre os rigores da profissão e a liberdade de expressão. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-out-29/juiz-entre-rigores-profissao-liberdade-expressao).
[5] Constitui improbidade administrativa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de imparcialidade (artigo 11, caput da Lei 8429/90).

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira é procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas e membro do Ministério Público Democrático (MPD).

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