16 de abril de 2018, 9h20

Por Roberto Livianu

Geraldo Alckmin há pouquíssimos dias renunciou ao governo de São Paulo para disputar a Presidência da República pelo PSDB, e o fato imediatamente gerou reações no universo petista, que pediu pronta investigação sem foro privilegiado pelo recebimento do valor de R$ 10,3 milhões para sua campanha por meio de um cunhado.
Não é de hoje que há uma acusação lançada contra a Justiça em geral de seletividade, incluindo a construção de uma versão de que Lula seria um perseguido político e que não haveria prova alguma contra si que justificasse a condenação, muito menos sua injusta prisão.
O caso de Alckmin tramitava pelo Superior Tribunal de Justiça desde novembro e, seguindo precedentes da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que entende que se a violação em tese configura violação eleitoral, decidiu-se, a pedido da Procuradoria-Geral da República, que a competência é da Justiça Eleitoral. E foi exatamente esse o entendimento que se teve em relação à ex-presidente Dilma Rousseff. Nos dois casos, o que se apura é possível crime de caixa dois eleitoral.
Ou seja, não existe seletividade alguma, não existe blindagem alguma, e sim o funcionamento normal do sistema de Justiça dentro da lei e dos precedentes jurisprudenciais normais.
Ocorre, no entanto, que esse crime está previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, e somente é possível responsabilizar a pessoa diretamente incumbida de fazer a contabilidade da campanha eleitoral. Ninguém mais além dela é responsabilizável. E a pena criminal aplicável é risível.
Ou seja, nem Geraldo Alckmin nem Dilma Rousseff serão alcançados nessas investigações. Suas condutas são atípicas do ponto de vista penal. Somente pode ser alcançada a pessoa incumbida de registrar as contribuições de campanha. E nunca é o próprio candidato.
Esse debate foi travado há dois anos quando da apresentação das Dez Medidas Contra a Corrupção, pois a criminalização do caixa dois eleitoral era uma das principais delas. Propunha-se a ampliar o espectro punitivo para que se pudesse alcançar além do contabilista, do escriba, mas todos os envolvidos no processo, além do aumento da pena para que a prática fosse efetivamente coibida.
Não há dúvida de que o Direito Penal é a ultima ratio e jamais pode se transformar em um fim em si mesmo. No entanto, o caldeirão destampado da “lava jato” e muitas outras evidências nos mostram que o caixa dois eleitoral se naturalizou de maneira absurda no Brasil, o que é verdadeiramente inadmissível, vez que sabota a democracia e desequilibra totalmente o jogo numa eleição.
O caixa dois permite infinito abuso de poder econômico, cujo combate é a razão de ser do Direito Eleitoral, além de viabilizar compra de votos e outras fraudes. A questão do financiamento das campanhas políticas é uma das mais sérias e graves e é talvez o principal portão de entrada da corrupção, razão pela qual acertadamente o Supremo Tribunal Federal proibiu contribuições em campanhas por empresas. Passou da hora de o assunto ser tratado com seriedade, a bem da sociedade, a bem do país. O Ministério Público Federal propôs esse debate em 2016, mas todos nós sabemos o que se fez com as Dez Medidas Contra a Corrupção.

Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em Direito pela USP. É presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e ex-presidente do Ministério Público Democrático (MPD). Comentarista do Jornal da Cultura.

Clique aqui e leia o original no Conjur.