3 de setembro de 2018
Por Airton Florentino de Barros
Não se nega a importância da vigente legislação de trânsito, mensageira de uma nova cultura para os condutores de veículos nas vias públicas, deles exigindo conduta prudente, respeito à vida e à ordem pública.
Censurável, todavia, a conduta de agentes públicos incumbidos da política de trânsito que, não cumprindo a sua parte, agem como se a lei só atribuísse deveres aos cidadãos comuns e, com evidente desvio de finalidade, pretendem transformar as regras de trânsito em instrumento de arrecadação fiscal, interesse que, descambando para o abuso, pode desmoralizar o elogiável espírito da lei.
Assegurar aos cidadãos o exercício dos direitos fundamentais é o que justifica a existência do Estado, que deve ser compreendido sob dois prismas distintos. Como comunidade organizada, tem o direito de impor ao indivíduo certos deveres, justamente para evitar que os direitos de toda a sociedade sejam prejudicados pela conduta de um ou de alguns de seus integrantes. Como administração pública, tem a obrigação de fornecer à coletividade e a cada um dos seus componentes os instrumentos necessários para o exercício dos referidos direitos básicos.
Ora, cidadania é o atributo que faz do indivíduo um sujeito de direitos e deveres frente a toda a comunidade, de tal modo a patentear verdadeira reciprocidade entre o interesse coletivo e o particular. Se o cidadão só pode exigir do Estado o reconhecimento de seus direitos quando estiver fazendo a sua parte, também o Estado só pode impor ao cidadão alguma sanção quando não estiver ausente no campo em que praticada eventual infração (CF, artigo 1º, II). É isso que deve ocorrer também na gestão do trânsito.
Como a prioridade sempre é a defesa da vida (CTB, artigo 1º, §5º), deve o Estado, pois, dotar toda a malha viária de recursos materiais e humanos indispensáveis para garantir a segurança dos cidadãos, motoristas ou não, aí compreendendo a instalação de vias projetadas de forma a evitar acidentes, bem sinalizadas e policiadas (artigo 88).
Assim, antes de punir infratores no trânsito, é dever do Estado — até para cumprir sua função educativa (artigos 5º, 6º, I e 74) — promover a necessária orientação, dispensando tratamento digno a todos os administrados (CF, artigo 1º, II e III).
A primeira orientação, aliás, há de ser destinada aos próprios agentes públicos, porque por vezes também infratores, ainda que por omissão.
Orientação não menos relevante deve fazer-se através da sinalização.
A sinalização não deve ser excessiva, para não confundir o motorista, mas há de ser bastante para evitar quebra de fluidez (CTB, artigos 6º, I e 39) e acidentes. Deve caracterizar-se predominantemente por sinais iconográficos internacionais e não por palavras no idioma local, visto que o trânsito sempre conta com condutores de outros países. A exceção deve se restringir a advertências específicas não codificadas e à indicação ou identificação de localidades. Há de ser uniforme (artigo 6º, II, 12, VII, 19, V, 80, 91) e de material que permita a visualização noturna (artigo 80, §1º), devendo ser disposta de maneira a conduzir o motorista ao seu destino com toda a brevidade e proteção.
Quando se referir à velocidade, a sinalização há de ser fixada desde o início da via, repetindo-se o aviso pelo menos a cada acesso existente. A redução da velocidade permitida para a mesma via não pode ser brusca, devendo contar com sinalização que possibilite a desaceleração gradual.
Os pontos onde se localizam os equipamentos de registro eletrônico de flagrante de excesso de velocidade ou transposição de faixas também devem ser sinalizados com antecedência a fim de que, no exato momento em que fotografado seu veículo, possa o motorista, querendo, parar, conferir e anotar os dados de identificação do equipamento, de seu operador e colher outros elementos de prova para o eventual exercício do direito de defesa.
O semáforo há de revelar as cores conhecidas internacionalmente, no seu devido tempo: verde, para seguir; amarelo, para seguir com cuidado e vermelho, para parar. É ilegal, sob o pretexto de advertir, apressar o pedestre com o vermelho piscante.
A dúvida decorrente da falta de clareza na sinalização deve beneficiar o motorista, de quem não se pode exigir na dinâmica do trânsito interpretação idêntica à subjetiva de cada agente público.
É o mínimo que, diante dos princípios adotados pela lei, deve ser exigido do Estado, de tal forma que, comprovada qualquer falha na sinalização, nula de pleno direito será a autuação por infração constatada no trecho correspondente (artigo 90), podendo o cidadão, ainda, exigir a responsabilização do agente público por eventual abuso ou omissão (artigos 1º §3º, 72/73, 90, §1º e Lei 8.429/92, artigo 14).
Airton Florentino de Barros é advogado e professor de Direito Comercial. Foi fundador e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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