4 de junho de 2018
Por Andreia Mara de Oliveira e Ivan Carneiro Castanhero
O fenômeno das aglomerações urbanas, regiões metropolitanas e microrregiões tem origem na expansão urbana, constituindo-se em uma realidade fática e sociológica. Essa realidade torna perceptível a imprescindibilidade de planejamento, gestão e execução de políticas públicas de interesses comuns, desenvolvidos de forma integrada e concatenada, pelo Estado e respectivos municípios, o mesmo devendo ocorrer no âmbito do Distrito Federal.
A aglomeração urbana e a região metropolitana mereceram definição legal quando da edição do Estatuto da Metrópole, a Lei 13.089, de 12/01/2015, nos seguintes termos:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:
I – aglomeração urbana: unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas;
…
V – metrópole: espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE;
VII – região metropolitana: aglomeração urbana que configure uma metrópole.
Atualmente, o Brasil possui 63 regiões metropolitanas. A cidade de São Paulo é a nona maior do mundo, uma das maiores populações metropolitanas.[1]
O crescimento acelerado que amplia a urbanização de áreas próximas, interligando núcleos vizinhos, subordinados à administrações autônomas diversas, geram problemas específicos que demandam soluções uniformes, comuns e organização jurídica especial.[2]
Com intuito de sanar estes problemas, foi editado o Estatuto da Metrópole que estabeleceu diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das Funções Públicas de Interesse Comum (FPIC) em microrregiões, regiões metropolitanas e aglomerações urbanas instituídas pelos estados. Como exemplos de FPIC, podem ser citados, no estado de São Paulo, os seguintes campos funcionais: I – planejamento e uso de solo; II – transporte e sistema viário regionais; III – habitação; IV – saneamento básico; V – meio ambiente; VI – desenvolvimento econômico; VII – atendimento social (artigo 7º da LCE 760/94). O artigo 5º, VIII, da LCE 1.178/12, que criou a Aglomeração Urbana de Piracicaba, incluiu o turismo.
Estas atividades de interesse comum e de forma conjunta entre estados e municípios, tem assento no artigo 25, parágrafo 3º, da Carta Magna, o qual preceitua:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
(…)
§ 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Uma das maiores dificuldades no desempenho das regiões metropolitanas, conforme ressalta Joaquim Castro Aguiar, é o conflito, comumente ocorrido, entre interesses de municípios diversos integrantes da região metropolitana ou da aglomeração urbana. Muitas vezes, a solução desejada por um é recusada por outro, de maneira a gerar constrangimentos e embaraços de toda a ordem[3].
Impossível disciplinar as funções de interesse comum da região metropolitana por lei municipal, pois à semelhança de haver autonomia legislativa entre estados, a qual deve ser reciprocamente respeitada, não há como obrigar outro município por meio de uma lei elaborada pelo ente municipal circunvizinho.
O interesse comum não o é apenas aos municípios diretamente envolvidos, mas ao estado e aos municípios do agrupamento urbano formados por regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal[4].
Segundo o Estatuto da Metrópole, o compartilhamento de responsabilidades e ações entre tais entes federativos, em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum deve-se fazer por meio da governança interfederativa de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.
O órgão de governança interfederativa, para seguir aos princípios do artigo 6º, bem como as diretrizes do artigo 7º, ambos do EM, deve ser criado por meio de Lei Complementar Estadual instituidora da região metropolitana, com fulcro no artigo 25, parágrafo 3º, da Constituição. A Lei 13.089/15, como norma geral (artigo 21, XX, da Constituição), deve ser seguida por todos os estados-membros. Conforme anotamos em recente publicação sobre direito urbanístico, a governança interfederativa deverá ser o mecanismo encarregado de tomar decisões, determinar e acompanhar sua execução, bem como realizar a necessária prestação de contas de suas ações.[5] E deverá ser composto por representantes do Poder Executivo, dos entes integrantes e representantes da sociedade civil (artigo 8.º da Lei 13.089/2015).
É importante ressaltar que, dentre as diretrizes específicas para esta governança interfederativa (a ser implantada por estados e municípios – artigo 3º, parágrafo único, do EM), está a participação de representantes da sociedade civil nos processos de planejamento e de tomada de decisão, no acompanhamento da prestação de serviços e na realização de obras afetas às funções públicas de interesse comum (artigo 7º, V, do EM), inclusive por meio de audiências públicas (artigo 12, parágrafo 2º). A Lei 13.089/15, ao“…disciplinar a governança interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas, no artigo 6º, inciso V, foi incisiva em prever a necessidade de observância dos princípios do Estatuto da Cidade na gestão democrática da cidade, devendo obedecer ao disposto nos artigos 43 a 45 da Lei 10.257/00”.[6]
Para a efetivação dos objetivos do EM, nos termos de seu artigo 9º, deverão ser utilizados instrumentos como o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), planos setoriais interfederativos, fundos públicos, operações urbanas consorciadas interfederativa, zonas para aplicação compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, consórcios públicos, convênios de cooperação, contratos de gestão, compensação por serviços ambientais ou outros serviços prestados pelo Município à unidade territorial urbana e parcerias público-privadas interfederativa.
O PDUI[7] é o instrumento que estabelece, com base em processo permanente de planejamento, as diretrizes para o desenvolvimento urbano da região metropolitana ou da aglomeração urbana (artigo 2º, VI, do EM). Quanto ao seu conteúdo mínimo, preceitua o artigo 12, parágrafo 1º, os seguintes pontos, devendo abranger zona rural e zona urbana. São eles:
I – as diretrizes para as funções públicas de interesse comum, incluindo projetos estratégicos e ações prioritárias para investimentos;
II – o macrozoneamento da unidade territorial urbana;
III – as diretrizes quanto à articulação dos Municípios no parcelamento, uso e ocupação no solo urbano;
IV – as diretrizes quanto à articulação intersetorial das políticas públicas afetas à unidade territorial urbana;
V – a delimitação das áreas com restrições à urbanização visando à proteção do patrimônio ambiental ou cultural, bem como das áreas sujeitas a controle especial pelo risco de desastres naturais, se existirem; e
VI – o sistema de acompanhamento e controle de suas disposições.
No processo de elaboração e fiscalização do PDUI deverão ser assegurados: a promoção de audiências públicas, que serão precedidas de ampla divulgação nos Municípios integrantes da unidade territorial urbana, com a participação de representantes da sociedade civil e da população; a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e o acompanhamento pelo Ministério Público. Em tal plano devem haver: diretrizes com projetos estratégicos e ações prioritárias para as FPIC; macrozoneamento; articulação dos municípios no parcelamento, uso e ocupação do solo; mecanismos de articulação intersetorial das políticas públicas; delimitações das áreas com restrições à urbanização, visando proteção ambiental; bem como sistema de acompanhamento e controle do cumprimento das disposições do plano (artigo 12 do EM).[8]
Uma vez fixadas as diretrizes do PDUI, deverão os Municípios adaptarem seus planos diretores municipais ao PDUI (artigo 10, parágrafo 3º, do EM).
Haverá ato de improbidade administrativa, por omissão, caso o governador de estado não adote as providências cabíveis para instituir o PDUI, no prazo de três anos. Tal prazo será contado a partir da instituição dessas regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas (artigo 10, com correspondência com o artigo 21, I, “a” e “b”, da Lei 13.089/2015).[9] A Medida Provisória 818, de 11/01/2018, prorrogou tal prazo para 5 anos, sendo que para as RM e AU atuais o prazo irá até 31 de dezembro de 2021.
O prefeito municipal, caso não adote as providências cabíveis visando compatibilizar o Plano Diretor Municipal ao PDUI, no prazo de três anos, contados a partir da aprovação do PDUI, cometerá ato de improbidade administrativa, na modalidade omissiva (21, I, “c” com correspondência com o artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 13.089/2015).
No artigo 13 da Lei 6.766/79 estão algumas exceções à aprovação de loteamentos e desmembramentos por municípios ou pelo Distrito Federal, como na hipótese de “o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal”. Nesse caso, a aprovação do empreendimento imobiliário caberá à autoridade metropolitana, conforme nos posicionamos na obra já citada.[10] No estado de São Paulo, tal autoridade será o Conselho de Desenvolvimento, atualmente composto paritariamente entre estados e municípios (artigo 13, IV, da Lei Complementar Estadual 714/94), não havendo, em tal norma, previsão de participação da sociedade civil, contrariando o disposto no artigo 7º, V, do EM.
[1] CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de Direito Urbanístico. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 139.
[2] SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 154.
[3] AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da cidade. Rio de Janeiro: Editora renovar, 1.996, p. 223-224.
[4] ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999.
[5] CASTANHEIRO, Ivan Carneiro. Direito urbanístico e direito à moradia, “in” VITORELLI, Edilson (Org.). Manual de Direitos Difusos, p. 718;
[6] CASTANHEIRO, Ivan Carneiro. Direito urbanístico e direito à moradia, “in” VITORELLI, Edilson (Org.). Manual de Direitos Difusos, p. 723.
[7] plano de desenvolvimento urbano integrado: instrumento que estabelece, com base em processo permanente de planejamento, as diretrizes para o desenvolvimento urbano da região metropolitana ou da aglomeração urbana (art. 2º, VI, do EM).
[8] CASTANHEIRO, Ivan Carneiro. Direito urbanístico e direito à moradia, “in” VITORELLI, Edilson (Org.). Manual de Direitos Difusos, p.721.
[9] Op. cit., p. 720.
[10] p. 729.
Andreia Mara de Oliveira é advogada, professora e mestre em Direito pela Unesp de Franca.
Ivan Carneiro Castanhero é promotor de Justiça, professor, mestre pela PUC-SP e membro do MPD.
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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