4 de dezembro de 2017
Por Roberto Livianu
Esta semana, fez o primeiro aniversário a histórica sessão noturna de pisoteamento das 10 medidas contra a corrupção na Câmara dos Deputados, num triste dia para o Brasil e para o mundo: chorávamos a morte da equipe da Chape, vítima de tragédia aérea a caminho da final da Copa Sul Americana.
Rivalidades locais foram deixadas de lado e torcidas rivais se uniram pela Chape, realizando diversos atos tocantes em solidariedade aos atletas falecidos. Muitas equipes brasileiras emprestaram jogadores para que a equipe fosse reconstruída e o Atlético Nacional de Medellin da Colômbia, adversário da final, proclamou a Chape campeã num gesto de elevado senso humano e de fair play.
Mas, enquanto isso, na Câmara dos Deputados, o luto não abalou o ânimo dos Deputados. Durante a noite, enquanto os brasileiros repousavam, foram destroçadas impiedosamente as 10 medidas contra a corrupção — projeto de lei de iniciativa popular que chegou ao parlamento assinado por quase 3 milhões de brasileiros e que propunha aumento do controle aos detentores do poder político visando coibir a corrupção.
Criminalizar o caixa 2 eleitoral e o enriquecimento ilícito, eliminar a prescrição retroativa (só existente no Brasil), ampliar o confisco de bens de corruptos, agilizar ações de improbidade e ampliar a transparência da justiça são algumas das medidas importantes ali propostas para melhorar o controle da corrupção. Mas, legislando em causa própria e não querendo ser tragados pela lei criada por eles mesmos, os deputados estraçalharam o projeto, deixando de pé apenas 2 das 10 medidas.
Logo que se encerrou a sessão, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (investigado na “lava jato”), que sucedeu Henrique Alves e Eduardo Cunha (ambos presos pela prática de corrupção) declarou que a sessão havia sido democrática.
Interessante que a mídia falou muito sobre o aniversário da tragédia da Chape e praticamente nada sobre o aniversário do pisoteamento das 10 medidas.
Democracia, nos termos da Constituição, é um sistema político em que o poder é exercido por representantes filiados a partidos políticos, escolhidos em eleições diretas — mecanismos criados para instrumentalizar a alternância no poder em nome do povo, pelo povo e para o povo. Será que é possível considerar que aquela sessão foi realizada em nome do povo, pelo povo, para o povo?
A Lei 12.846 instituiu no Brasil regras para punir empresas pela prática de atos de corrupção. Além disto, criou o marco legal da compliance. Para todas as pessoas jurídicas. Inclusive partidos políticos.
Quase 40 anos após o início de um movimento que se inicia em 1976, quando o escândalo de Watergate retirou do poder o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, o mundo começou a se preocupar seriamente com a questão da corrupção e das fraudes empresariais, entrando em vigor a rigorosa FCPA americana em 1977, referência mundial legal de compliance.
Isto significa que desde 29 de janeiro de 2014, data de entrada em vigor da lei, os partidos políticos estão obrigados a cumprir estas regras de conformidade ética e accountability. Desde a concessão de legenda para candidatos, incluindo a distribuição de tempo no horário eleitoral, divisão dos recursos do fundão de quase R$ 2 bilhões aprovados na reforma política entre outros temas.
Mas o conflito entre os mundos do dever ser e do ser no conceito de Kelsen neste tema é desolador. Isto foi percebido pela Universidade de Vanderbilt, do Tennessee, ao compilar as conclusões da pesquisa LAPOP, realizada há mais de 20 anos na América Latina. Na edição 2017, foram ouvidas 43 mil pessoas e examinados dados de 29 países e verificou-se que os partidos políticos no Brasil apresentaram o menor grau de credibilidade para os brasileiros comparando-se todas as edições da pesquisa.
O Instituto Locomotiva na semana passada apresentou o relatório de sua pesquisa em que foram ouvidos jovens brasileiros e 84% deles não se sentem representados por nenhuma liderança política. Aliás, a pesquisa Ipsos/Estadão, também desta semana, verificou que para 86% dos brasileiros o governo Temer é corrupto. O Forum Econômico Mundial já havia detectado, num universo de 137 países, que os políticos brasileiros são os de menor credibilidade dentre todos.
Recentemente, o Latinobarometro 2017, ouvindo 29 mil pessoas de 18 países verificou que 97% dos brasileiros consideram que os políticos exercem o poder visando seus interesses pessoais, e não, o bem comum.
Estes números todos cruzados explicam nossa crise de representatividade política e sinalizam claramente que vai muito mal a atitude dos políticos e dos partidos no Brasil, o que provavelmente gerará alto grau de renovação nas eleições de 2018. Resta saber se a renovação terá qualidade.
Lamentavelmente, no entanto, a cena da noite de 29 de novembro de 2016 não foi fato isolado. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) há duas semanas o povo foi impedido de ter acesso às galerias (mesmo munido de ordem judicial) para acompanhar sessão em que seriam soltos três deputados estaduais com ordem de prisão do Tribunal Regional Federal. Parecia que o prédio era propriedade dos políticos, e não, um bem público.
Os fatos envolvendo o senador Aécio Neves, em qualquer país com sistema partidário minimamente decente ensejariam sua imediata renúncia. Não houve. E seu partido, o PSDB, não a fez acontecer. Aliás, nesta última semana, Antônio Carlos Rodrigues, presidente do PR também foi preso. Mesmo roteiro. Sem renúncia à presidência do partido, que igualmente não a fez acontecer.
Frei Betto, quando Palocci encaminhou carta à presidência do PT com graves acusações a Lula, veio a público exigir fosse Palocci punido pelo PT por ataques à honra de Lula. Mas não se tem conhecimento de ter ele exigido a punição dos petistas condenados em definitivo pela justiça criminal. Aliás qual partido político puniu seus membros condenados pela Justiça?
O Ministério Público tem pela frente um grande desafio no sentido de fazer valer a Lei 12.846, tornando-a efetiva, coibindo abusos e desvios de poder.
Faz-se necessário também e é chegada a hora de um urgente reposicionamento por parte dos partidos, fazendo valer a lei e cumprindo seus deveres éticos e sociais. Com a palavra, os dirigentes dos partidos políticos brasileiros.
Roberto Livianu, promotor de Justiça e membro do MPD, doutor em Direito pela USP, idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção.
Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em Direito pela USP. É diretor de comunicação do MPD e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
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