21 de maio de 2018

Por André Luis Alves de Melo

A partir da década de 90 os países da América Latina passaram a adotar, expressamente, a oportunidade da ação penal em seus ordenamentos jurídicos. Geralmente, para delitos de pequeno e médio potencial ofensivo e de insignificante interesse público ou social (funcionalismo penal). Em alguns países prevalece o controle do arquivamento pela chefia do MP e em outros o controle pela via judicial, mas permite-se ao Ministério Público o arquivamento de casos de pouca relevância, como nos delitos de bagatela.
São aproximadamente 20 países e territórios na América Latina, e o único país que não adota a oportunidade da ação penal na legislação é o Brasil, o qual está ainda na fase dogmatismo finalista e nem discute o tema mais debatido atualmente no mundo que é a “oportunidade da ação penal”.
Na América Latina é comum que promotores sejam legalmente chamados de “fiscais” e o Ministério Público também conhecido como “Fiscalia”. E em todos os países da América Latina a titularidade da ação penal é atribuição do Ministério Público.
Diante do exposto, passa-se a uma rápida análise da situação dos países atualmente:
a) Argentina: Tinha um Código de Processo Penal Federal de 1991 (o qual já era bem melhor que o CPP Brasileiro de 1940), mas em dezembro de 2014 adotou novo Código, o qual segue o princípio do contraditório e processo de partes. Na Argentina admite-se Códigos de Processo “Estaduais” (lá chamados de Províncias). O novo CPP da Argentina reconhece expressamente a oportunidade da ação penal, estabelecendo a possibilidade em casos de perdão judicial, fatos irrelevantes e sem interesse público; em casos de pena de multa, ou de livramento condicional e sursis ou de inabilitação; ou a pena carecer de importância ou que puder ser imposta em outro processo. (no artigo 31 da Lei 27.063/14);
b) Chile: O ordenamento jurídico prevê expressamente a oportunidade da ação penal pública, quando o delito não ofender gravemente o interesse público, o qual é presumido quando a pena mínima não for superior a um ano ou se o delito for cometido por servidor público no exercício da função. (artigo 170 do CPP de 2005);
c) Uruguai: Também adota a oportunidade da ação penal, porém mais restritivamente, para delitos culposos, bem como para crimes de pouco interesse público, se transcorrido quatro anos do cometimento do crime e provavelmente não for o caso de aplicação de pena de prisão, e não tiver ocorrido causa de suspensão de prescrição. (artigo 49 do CPP). No dia 1º de fevereiro de 2019 entrará e vigor o novo CPP que reforça ainda mais a oportunidade da ação penal.
d) México: O Ministério Público poderá considerar os critérios para oportunidade da ação penal, com base nos critérios que a lei estabelecer (artigo 21 da Constituição Federal de 2008). Em junho de 2016 entrou em vigor o novo CPP.
e) Paraguai: O Ministério Público poderá prescindir da ação penal quando o delito for irrelevante para o interesse público, bem como dispensar pena (perdão judicial), mas exige a reparação (artigo 19 do CPP de 1998);
f) Venezuela: A Lei processual permite ao Ministério Público prescindir total, ou parcialmente, da ação penal em delitos de pouca relevância e interesse público, exceto quando a pena máxima exceder a três anos ou for delito cometido por servidor público no exercício das funções (artigos 40 e 184 do CPP, de 2001), sempre priorizando também a reparação do dano, bem como a confissão premiada (em audiência judicial preliminar) e a delação premiada;
g) Peru: O Ministério Público poderá deixar de exercitar a ação penal quando o agente não tenha sido afetado gravemente pelas conseqüências do delito e a pena seja inapropriada; delitos que por sua pouca significância ou freqüência não afetem o interesse público; culpabilidade mínima; acordo entre vítima e acusado celebrado em cartório extrajudicial; (artigo 2º do CPP de 1991). O furto simples é ação penal condicionada à representação da vítima;
h) Colômbia: Prevê genericamente a oportunidade da ação penal no artigo 66 do CPP, conforme política criminal do Estado (artigo 250 da Constituição Federal de 2002 e artigos 6º e 66 do CP de 2004);
i) Equador: O Ministério Público, em razão de uma eficiente utilização dos recursos disponíveis para uma investigação, poderá abster-se de investigar e processar quando o delito não comprometer gravemente o interesse público e não tiver pena máxima superior a cinco anos de prisão; delito culposo e for o caso de perdão judicial; ausência de dano físico grave. (suplemento 555, de 24 de março de 2009.);
j) Bolívia: O Ministério Público poderá deixar de ajuizar ação penal quando ocorrer escassa relevância social e baixa ofensividade ao bem jurídico; quando cabível o perdão judicial; quando imputado sofrer as consequências do delito com grave dano físico ou moral; quando a pena já imposta por outro delito, tornar a punição desnecessária (artigo 21 do CPP de 1999);
k) República Dominicana: A ação poderá deixar de ser proposta quando delito for insignificante e a pena máximo do crime não for superior a dois anos, exceto se cometido por servidor público, no exercício de suas funções; quando cabível o perdão judicial; quando imputado sofrer as conseqüências do delito com grave dano físico ou moral; quando a pena já imposta por outro delito, tornar a punição desnecessária. (artigo 34 do CPP de 2002);
l) Costa Rica: A ação penal poderá deixar de ser proposta quando delito for insignificante; quando cabível o perdão judicial; quando imputado sofrer as consequências do delito com grave dano físico ou moral; Quando a pena já imposta por outro delito, tornar a punição desnecessária, bem como nos casos de colaboração do acusado com as investigações. A vítima será informada do critério de oportunidade para recorrer em até dez dias. (artigos 22 e 300 do CPP de 1998);
m) Guatemala: Ministério Público poderá deixar de ajuizar ação penal quando A ação poderá deixar de ser proposta quando delito for insignificante e mínima culpabilidade, e a pena máxima do crime não for superior a dois anos, exceto se cometido por servidor público, no exercício de suas funções; quando cabível o perdão judicial; quando imputado sofrer as conseqüências do delito com grave dano físico ou moral, e o danos for reparado; quando a pena já imposta por outro delito, tornar a punição desnecessária (artigo 25 do CPP de 1992);
n) Honduras: Estabelece que há o cabimento ao Procurador Geral da República definir quais seriam as hipótese de oportunidade de ação penal que podem ser adotadas pelos demais Membros do Ministério Público. Mas, a vítima deve ser informada do arquivamento e se não houver reparação do dano, o arquivamento torna-se sem efeito. (artigo 29 do CPP de 1999);
o) Nicarágua: Também prevê expressamente a oportunidade da ação penal através da mediação, suspensão do processo, acordo e abdicação da ação penal para delitos culposos e patrimoniais cometidos sem violência física ou grave ameaça; quando cabível o perdão judicial; quando imputado sofrer as conseqüências do delito com grave dano físico ou moral; quando a pena já imposta por outro delito, tornar a punição desnecessária, bem como nos casos de colaboração do acusado com as investigações. (artigos 55 e 59 do CPP de 2001);
p) El Salvador: O Promotor pode prescindir, total ou parcialmente, da ação pena e cabe oportunidade da ação penal quando acusado estiver em estado terminal,; carência de importância em relação à pena imposta; tenha sofrido grave dano físico ou moral, notadamente em crimes culposos; mínima culpabilidade ou afetação do bem jurídico, exceto se servidor no exercício das funções; colaboração premiada. Cabe ao Procurador Geral regulamentar a aplicação da oportunidade, (artigos 19 e 23 do CPP de 2009);
q) Cuba: Também adota a oportunidade da ação penal para delitos de baixa ofensividade ao objeto jurídico autorizando o não ajuizamento da ação penal, o que chamam de “oportunidade regrada”. Sendo elogiada a atuação da Fiscalia (Ministério Público) para descongestionar o sistema penal com o poder de disponibilidade e prioridades. Os juízes de carreira inicial são eleitos pelo Poder Legislativo, e os Leigos pelas Assembléias Populares. Quanto ao Ministério Público, a Assembléia Nacional elege o Procurador Geral que nomeia os promotores nas demais instâncias. A base legal para a oportunidade da ação penal advém desde a Lei 87, de 26 de fevereiro de 1999 e foi mantida com o advento do Decreto Lei 310/13, o qual aumentou o número de crimes em que a Fiscalia pode também aplicar multa administrativa (um outro tema de direito penal, e que conhecido como “administrativização do direito penal”, tendo autores como Hassemer que defendem esta via).
É possível citar ainda outros países, os quais embora sejam países e territórios de menor expressão na América Latina, faz-se importante destacá-los: A República Cooperativa da Guiana, como tem origem inglesa, também adota a oportunidade da ação penal. E a República do Suriname como tem origem holandesa também adota a oportunidade da ação penal.
Além disso, os territórios das Ilhas Falklands e Geórgia do Sul, como são de origem Inglesa e subordinados ainda à Inglaterra também adotam a oportunidade da ação penal, o mesmo ocorre em relação ao Território da Guiana Francesa, pois ainda são subordinados à França, onde prevalece amplamente a oportunidade da ação penal.
Esta tendência de oportunidade da ação penal também já ocorre nos países Europeus e tem reduzido o número de processos, prescrições e prisões por delitos menos complexos.
No Brasil, em vez de tentarmos a triagem no início da persecução penal, fazemos na execução penal, ou seja, depois do gasto com processos de menor relevância, e isto acaba atendendo ao lobby de setores jurídicos para receberem mais verba e mais pessoal.
Por fim, constata-se que todos os países da América Latina, menos o Brasil, adotam a oportunidade da ação penal expressamente em suas legislações, a partir da década de 90. Portanto, na América Latina prevalece a obrigatoriedade da ação penal apenas para os delitos mais graves; e a oportunidade da ação penal para os delitos menos graves.

André Luis Alves de Melo é promotor de Justiça de Minas Gerais, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, mestre em Direito Público pela Unifran e membro do Movimento do Ministério Público Democrático.

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