Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira é procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, vice-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas e membro do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Nos dois últimos meses, a Procuradoria-Geral da República (PGR) iniciou, no Supremo Tribunal Federal (STF), relevantíssimo debate [1], ao chamar a atenção para a necessária reflexão acerca da eleição nos cargos de direção e sobre o sistema remuneratório, praticados nos Tribunais de Contas (TCs), cuja história, em nosso país, data dos idos de 1826.
Foi, contudo, com a Constituição Federal (CF) de 1988 que se inaugurou uma nova fase, em que os TCs [2], com competências ampliadas [3], mantiveram-se, contudo, com feição “sui generis”, já que são Cortes que não integram o Poder Judiciário, ao tempo em que funcionam no auxílio do Poder Legislativo.
O problema inicia, portanto, diante do questionamento acerca de qual paradigma os TCs devem seguir.
Como se sabe, a Lei Orgânica de Magistratura, no artigo 102, permite que os dirigentes dos Tribunais judiciários sejam eleitos, apenas, para mandato de 02 anos, consoante jurisprudência pacífica do STF (ADI 5310) e STJ (RMS 4689 RS) e, também, decisões do CNJ [4] (Pedido de Providências 0006153-25.2013.2.00.0000).
Diversamente, contudo, há TCs que admitem, a reeleição, na direção dessas Casas (em suas Leis Orgânicas, atos internos e até sem norma específica), contrariando o entendimento de que, diante da prerrogativa de poderem eleger seus dirigentes, haveria o impedimento de reelegê-los [5], consequência direta do artigo 73, caput, parágrafo 3º [6] e artigo 96 [7], ambos da CF.
Noutro giro, em termos de remuneração nos TCs, a PGR salienta, nos casos em que traz à lume, que não houve necessário espelhamento com o Tribunal de Justiça paradigma, havendo o reconhecimento de vantagens diversas ou sob regime contrário ao aplicado para a Magistratura [8].
Com efeito, em nosso Ordenamento Jurídico, as mesmas “prerrogativas”, “vantagens” e “vencimentos” não são outorgadas como um direito pessoal, mas aderem à função desempenhada, o que quer dizer que só se legitimam dentro de um contexto em que o interesse público sirva de baliza a essa concessão. Isso porque, os direitos, na esfera pública, encontram-se ligados ao valor intrínseco das coisas, subjacentes aos princípios constitucionais que regem o poder-dever na Administração Pública.
Por tudo isso, a Constituição Federal estende aos TCs o mesmo grau de dignidade que os membros do Poder Judiciário possuem. Mas, a partir daí, a simetria deve representar, segundo o STF, também, a necessidade de que se assegure aos magistrados um regime de garantias e benefícios funcionais não inferior [9].
É chegado, assim, o momento de reconduzir as questões postas a uma dimensão jurídica, capaz de trazer para o mesmo plano situações simétricas, buscando responder: a que ethos estamos nos referindo, quando cuidamos dos Tribunais de Contas? Àquele em que a autonomia equivale à plena liberdade para dispor sobre qual plexo de direitos deve-se seguir? Ou à ética da igualdade e simetria de ônus e bônus, em face do interesse público? Esperamos que prevaleça este, como importante norte a ser seguido em todo o país, em respeito à responsabilidade fiscal e à boa governança.
[1] ADP 593 e ADI 6126.
[2] Devem ser compostos por 7 Conselheiros: 4 escolhidos pelo Poder Legislativo e 03, pelo Executivo, sendo 01 destes de livre iniciativa e outros 2, pertencentes à Carreira de Conselheiro Substituto e Membro do MP de Contas. Neste caso, Procuradores concursados para a carreira do MP atuam junto aos TCs, contudo, sem autonomia plena, isto é, não dispõem de legitimidade para propositura de lei ou autonomia financeira. Na esfera federal, compõe-se o Tribunal de Contas da União de 9 Ministros.
[3] Vide competências julgadoras, como no artigo 71, item II, ou outras, que delas decorrem: aplicação de sanções (VIII); possibilidade de assinar prazo para adoção de providências (IV); sustação de ato (X) e eficácia de título executivo de suas decisões (parágrafo 3º).
[4] Interessante citar que há precedente do CNJ permitindo a reeleição, desde que o mandato total não ultrapassasse a dois anos (Recurso Administrativo no Pedido de Providências nº 0002282-84.2013.2.00.0000). Posteriormente à decisão, a norma questionada foi revogada e outra, editada, nos moldes da LOMAN.
[5] ADIs 5692 (cf importante Parecer do MPF) e 3566, por exemplo.
[6] Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
(…) § 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
[7] Art. 96. Compete privativamente:
I – aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.
[8] Segundo o STF, “Não há direito adquirido a regime jurídico, não sendo possível a criação de um sistema híbrido, com a junção de vantagens de dois regimes”, RE 587.371 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 24/06/2014.
[9] AO 1773, Relator, Ministro Luiz Fux, do STF.
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