26 de fevereiro de 2018
Por Airton Florentino de Barros
Nos últimos 25 anos, agentes do Executivo e do Legislativo venderam, para o enriquecimento próprio e de terceiros, atos administrativos, cargos, obras, serviços públicos, verbas orçamentárias, votos e até decretos, medidas provisórias e leis a organizações criminosas constituídas por lobistas, bandidos e mesmo empresários acima de qualquer suspeita.
E cada ato preparatório ou de execução desses imperdoáveis crimes contra o sacrificado povo brasileiro, causadores de um século de retrocesso educacional, cultural e científico, econômico e social, foi antecedido de solene e dissimulado discurso governamental, sempre fundado na ética e na austeridade no controle das contas públicas.
Agora, a falsa justificativa para essa reforma da previdência é a busca de um sistema mais justo e igualitário, que não aumente o déficit público.
O mesmo modus operandi. Parafraseando o poeta paulista João Rubinato, “confome o ditado inglês, quem faz uma, faz duas, faz três”.
Há, pois, claras indicações de que agentes do governo e do parlamento venderam, receberam o preço e agora estão desesperados para entregar aos banqueiros a anunciada reforma da previdência. Dedução lógica da sucessão de iniquidades e mentiras oficiais, apontando para a fraude, o crime e um novo mensalão.
Primeiro, a falsa afirmação de que a previdência é a causadora do déficit público. Sabe-se que a União gasta muito mais pagando juros aos banqueiros, destinando quase 50% do orçamento a esse tão duvidoso quanto imoral chamado serviço da dívida pública. Aliás, mesmo com o propalado déficit, o Executivo distribuiu vultosas verbas em troca de votos para a reforma.
Segundo, o mentiroso o discurso de que a previdência, só a partir da reforma, passaria a observar cálculos atuariais. Sabe-se que, desde a divulgação da Tabela de Domicio Ulpiano (200 anos D.C), o mundo inteiro adota as regras atuariais para considerar a relação entre idade, risco, tempo e valor de contribuição e benefício, capitalização e escala, para o cálculo de seguro e previdência.
Terceiro, a bem dos ladrões, nunca se falou do destino dado às contribuições arrecadadas dos trabalhadores e seus patrões, desde a criação do INSS, que ultrapassariam R$ 5 trilhões, sem incluir a capitalização.
Quarto, o antiético estabelecimento da idade mínima de 65 anos para aposentadoria, sem considerar o início da atividade do trabalhador, iniquidade que faz com que o pobre, obrigado a começar a trabalhar aos 16 anos de idade, deva contribuir 15 anos a mais do que aquele que, privilegiado, pode iniciar a atividade laborativa aos 30 anos. Isto sob o falso discurso da busca de maior isonomia entre segurados.
Quinto, o mais do que ilícito toma-lá-dá-cá de verbas orçamentárias e cargos públicos do alto escalão em troca de votos no Congresso, sem contar a suspeita e discricionária alteração da composição de comissões parlamentares com o fim de favorecer a votação, verdadeira destruição de todos os princípios republicanos e democráticos.
Sexto, a imoral e onerosa campanha publicitária com o igualmente falso discurso de que sem tal reforma o Estado quebrará e de que quem a questionar estará votando contra o país e não contra o governo, artifício comum em governos ditatoriais.
Sétimo, a omissão do importante informe de que os maiores beneficiários dessa trama são os bancos. E só não são os únicos porque, como dito, há uma verdadeira organização criminosa como intermediária.
De fato, são três os itens da reforma, tidos como fundamentais pelos bancos e pelos leiloeiros oficiais do interesse nacional: a limitação do teto de aposentadorias ao regime geral da previdência; a imposição de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria; e a liberação do aumento da alíquota de contribuição, possivelmente para 14%.
A limitação do teto ao regime geral provoca a chamada privatização da previdência. Todos, da iniciativa privada ou do setor público, que tiverem remuneração superior, terão que complementar sua aposentaria junto aos bancos. E há informações preliminares de que, em uma década, os três cartelizados bancos múltiplos privados nacionais serão depositários de um PIB e meio de recursos da previdência complementar.
De outra parte, a fixação de idade mínima dará maior arrecadação aos bancos a esse título. Tanto que, até a reforma de 1998, os bancos privados ofereciam aposentadoria depois de 25 anos de contribuições mensais de 10% do benefício pretendido, sem idade mínima. Depois dela, passaram a oferecer aposentadoria com 30 anos de contribuições de 10%. E após a reforma de 2003, começaram a prometer aposentadoria com 35 anos de contribuição de igual percentual e, com toda a certeza, se aprovada a reforma projetada pelo governo, os bancos passariam a arrecadar por muito mais tempo. De se imaginar, então, se a alíquota de contribuição for de fato injustamente majorada.
Tão caótica a situação, de corrupção sistêmica e generalizada, que deveria a Polícia Federal colocar seus agentes em campana permanente no rastro de ministros e parlamentares, a fim de garantir o decente funcionamento da administração pública e impedir qualquer nova tentativa de alienação dos bens e interesses públicos a comparsas do crime organizado.
Airton Florentino de Barros é advogado e professor de Direito Empresarial. Foi procurador de Justiça em São Paulo e também fundador e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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