28 de janeiro de 2019
Por Roberto Livianu
Reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo no último dia 20 revela que as Assembleias Legislativas de 16 das 27 unidades da federação (quase 60% delas, portanto) têm investigações conduzidas pelo Ministério Público tendo por objeto peculato praticado com peculiar modus operandi, que recebeu o apelido de “Rachid”.
A prática não discrimina partidos nem ideologias – “funcionários fantasma” devolvem parte do que recebem ilicitamente dos cofres públicos para o chefe, parlamentar que o contratou, tudo circulando em contas bancárias, documentando a fraude, que pressupõe torpeza bilateral, tanto do lado do Deputado como em relação ao recebedor, já que a contratação, obviamente desnecessária serve para que dinheiro público não seja empregado para o bem comum.
A lei deve ser para todos, e, desta forma, todas estas suspeitas devem ser investigadas, inclusive a que recai sobre parlamentar filho do Presidente da República, para que não paire dúvida em relação aos fatos apontados.
Nos últimos dias, aliás, diversos fatos têm sido apontados em relação a si. O parlamentar em questão nomeou como assessores para seu gabinete a esposa e a mãe de Adriano da Nóbrega, apontado como sendo o chefe do “Escritório do Crime”, uma das principais milícias do Rio de Janeiro, entre outras suspeitas, ligando-o a fatos gravíssimos.
O Coaf detectou 48 depósitos de R$ 2.000,00 em dinheiro realizados em um caixa eletrônico instalado na Alerj, onde existe agência bancária. Este tipo de operação pode sugerir lavagem de dinheiro.
Aponta-se que nos últimos anos, o parlamentar tem feito diversos negócios imobiliários, com expressivo crescimento patrimonial, inclusive apontando-se que a mais recente transação envolveu pagamento em dinheiro vivo, o que não é proibido, mas soa estranho porque normalmente estas operações são feitas por transferências bancárias, rastreáveis.
Além disto, o parlamentar apresenta-se como empresário, mas se recusa a falar sobre faturamento e movimentações financeiras de seus negócios. Mas, com desenvoltura invoca junto ao STF o foro privilegiado, sempre repudiado pelo Presidente, que, aliás deve nos próximos meses receber para sanção a PEC 333, que extingue o foro e já foi aprovada no Senado, faltando um último degrau, que é a aprovação pelo plenário da Câmara.
Sem sombra de dúvida que as responsabilidades sobre os atos são individuais e personalíssimas, mas é claro também que o Presidente e seus filhos parlamentares foram guindados ao poder pelo sopro de renovação política e anseio por integridade detectado claramente nas eleições de 7/10.
É fato notório que os filhos de Bolsonaro influenciam nos destinos do país, tendo poder junto ao Presidente, cuja governabilidade pode ser atingida seriamente se os fatos não forem explicados de forma cabal (o que parece difícil) e se não ficar claro e inquestionável que não usará de seu poder em benefício do filho.
Neste Brasil de hoje não pode caber o silêncio gerador de suspeitas, que degrada a credibilidade do país como um todo, e, assim, o Ministério Público, que teve seu poder de investigação criminal preservado quando foi rechaçada a PEC 37, que propunha o monopólio investigativo para a Polícia, está cumprindo seu papel constitucional e assim deve de fato ocorrer, presidindo os inquéritos civis respectivos, por cujos resultados a sociedade espera ansiosa, além de propulsionar as responsabilizações penais.
Por isto, é fundamental a independência que lhe foi outorgada pelo constituinte de 1988, essencial para que cumpra seu mister de proteção jurídica da sociedade, no plano coletivo.
Este mesmo Fórum Econômico Mundial há cerca de um ano analisou números de 137 países e o Brasil ficou em último lugar em matéria de credibilidade dos políticos. Segundo o Latinobarómetro 2018, apenas 7% deles exercem o poder para o bem comum, sendo imperioso que explicações cabais sejam apresentadas por todos, inclusive pelo parlamentar filho do Presidente, que não é melhor nem pior que ninguém e está sujeito aos princípios constitucionais da publicidade, moralidade e impessoalidade.
Crianças terem medo do escuro, vá lá, como disse Platão. Mas é trágico adultos, especialmente parlamentares, terem medo da luz.
Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático c Comentarista do Jornal da Cultura.
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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