15/07/2016
A implantação da Lei de Acesso à Informação pode ainda enfrentar resistência de amplos segmentos da administração pública por força da conformação patrimonialista do Estado Brasileiro e sua aversão à transparência. A visão do vice-presidente do MPD, Charles Lima (MP-PE), é abordada em artigo na edição sobre apropriação do bem público da MPD Dialógico – leia abaixo. O procurador da Justiça ressalta que é imprescindível o próprio Ministério Público se adeque e divulgue corretamente seus dados. Na publicação, o leitor ainda tem acesso a duas entrevistas especiais realizadas com renomados juristas brasileiros, Dalmo Dallari e Modesto Carvalhosa, que tratam dos processos que fortalecem a existência da corrupção e do combate às ilegalidades entre agentes públicos e privados – acesse aqui o acervo de revistas.
A transparência como contraponto ao patrimonialismo

Por Charles Hamilton dos Santos Lima
Não é difícil notar que o patrimonialismo quase sempre preponderou sobre as ações do Estado no Brasil, desde o período colonial até a contemporaneidade. Não à toa que é tema de recorrentes estudos, como exemplo, o exposto por Victor Nunes Leal, em “Coronelismo: enxada e voto”. No clássico livro, o autor disseca magistralmente as entranhas da relação que o fenômeno do coronelismo impõe para a vida política, em especial, nas representações políticas regionalizadas. Segundo diz, “o ‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais”. Desta forma, concebe esta prática nefasta como produto de uma superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura sócio-econômica inadequada.
Para o pleno êxito dessa simbiose, a penumbra sempre se mostrou mais propícia. Não por acaso, o Princípio da Publicidade, embora norteador da Administração Pública conforme prescreve o artigo 37 da Constituição Federal, nem sempre foi plenamente empregado.
Não raro, atos governamentais foram realizados sem a devida transparência. Esta ausência de publicidade constitui em um verdadeiro atentado aos direitos fundamentais do cidadão, contribui para o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito e sensivelmente serve de terreno fértil para a corrupção.
Em democracias consolidadas, a transparência da informação constitui a regra a qual se submete o poder Público. Na Suécia, o Freedom of the Press Act foi publicado em 1766 e garantiu o acesso público aos documentos das agências governamentais. No entanto, é salutar o destaque para a Colômbia, país vizinho que, desde 1888, possui uma lei de acesso aos dados do governo – legislação pioneira na América Latina em vigor cem anos antes da atual Constituição Brasileira.
Nos Estados Unidos, a decisão da Suprema Corte no caso New York Times Co. v. United States, 403 U.S. 713 (1971) assegurou a publicação por aquele jornal de dados classificados relativos à Guerra do Vietnã. Na ocasião, o Juiz Hugh Black afirmou que “os Pais Fundadores deram à imprensa livre a proteção que ela deve ter para cumprir seu papel essencial na nossa democracia. A imprensa deve servir aos governados e não aos governantes”.
Já no caso brasileiro, mesmo com certo retardo em relação a outros países, a Lei nº 12.527/11, a Lei de Acesso à Informação, veio em boa hora para reforçar o direito fundamental do cidadão à informação. E por conta disso, a legislação, em sua parte, ajuda a reduzir o ranço patrimonialista que ainda viceja na Administração Pública brasileira.
Ela encontra-se estruturada em seis capítulos: a) Das disposições gerais (arts. 1º a 5º); b) Do acesso a informações e da sua divulgação (arts. 6º a 9º); c) Do procedimento de acesso à informação (arts. 10 a 20); d) Das restrições de acesso à informação (arts. 21 a 21); e) Das responsabilidades (artigos 32 a 34), e f) Disposições Finais e Transitórias (art. 35 a 47).
Por força da conformação patrimonialista do Estado brasileiro e sua aversão à transparência, a implementação da Lei de Acesso à Informação enfrenta resistências de amplos segmentos da Administração Pública que não implantam os seus respectivos portais de transparência ou dificultam o acesso do cidadão à informação. Mais do que dificuldades operacionais, trata-se de um manto sob o qual se desenrolam relações perniciosas ao bem comum.
Infelizmente nem mesmo os Ministérios Públicos resistem à aversão pela transparência. Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 16/05/2013, mostra que 19 unidades não faziam a divulgação dos seus dados nos termos da Lei de Acesso à Informação. Para superar esse quadro é necessário que o compromisso com a transparência e a publicidade na gestão pública seja cobrado prioritária e enfaticamente em todos os níveis pelo Ministério Público. E mais: é imprescindível que a própria instituição se adeque e divulgue corretamente os seus próprios dados. Só assim será possível assegurar ao cidadão o seu direito fundamental de acesso à informação e, pois, minimizar as oportunidades para a realização de atos lesivos ao erário público.
Charles Hamilton dos Santos Lima é vice-presidente do MPD e procurador de Justiça de Caruaru (MP-PE)