O Procurador de Contas e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), Julio Marcelo, escreveu um artigo para o Congresso em Foco explicando como o orçamento secreto é uma fraude à democracia.
Leia abaixo um trecho do artigo:
“Os últimos dias foram marcados pela divulgação de esquema de gestão oculta de recursos do orçamento federal atribuídos ao Ministério do Desenvolvimento Regional e entidades a ele vinculadas. O esquema consiste na transferência voluntária de recursos a municípios indicados sigilosamente por parlamentares governistas.
O esquema foi apelidado de “tratoraço”, em razão de inúmeros convênios celebrados para a compra de tratores, vários com preços muito acima do mercado, a indicar a possível existência de esquemas de corrupção e formação de caixa dois para financiamento das campanhas políticas do próximo ano, corroborado pelo fato de alguns parlamentares terem indicado recursos para cidades de estados diversos dos seus. O orçamento secreto constitui, pois, um instrumento de fraude à democracia.
É inegável a importância do orçamento para a democracia. Ele é a materialização da vontade política dos representantes do povo no parlamento. Proposto pelo Executivo, é no Legislativo que a alocação dos recursos da nação encontra legitimidade política, por meio do debate parlamentar e das alterações ali aprovadas. Muito pouco pode fazer o Executivo sem uma lei orçamentária aprovada pelo Parlamento.
Em vários países desenvolvidos, a discussão e aprovação do orçamento é objeto de atenta observação, não raro com transmissão pela televisão. Não é para menos, pois nada mais político que a discussão de onde e como se deve dar o gasto público.
Em uma democracia funcional, a relação entre Executivo e Legislativo ocorre de forma republicana, com a formação de apoio parlamentar ao governo em torno de programas e políticas públicas. Em nossa democracia disfuncional, a formação da base de apoio ao governo foi sempre marcada pela barganha de cargos e verbas em troca de apoio e fidelidade.
Nosso histórico de escândalos nesse tema impressiona. Tivemos o esquema dos anões do orçamento, o mensalão, o petrolão e, agora, o tratoraço. Durante décadas, a gestão discricionária pelo Executivo das emendas parlamentares ao orçamento foi o instrumento político utilizado para premiar ou castigar os parlamentares conforme suas posições em votações no Congresso Nacional.
Os parlamentares fiéis tinham suas emendas liberadas com presteza, os da oposição ou os infiéis tinham a execução de suas emendas postergadas ou mesmo canceladas. Isso decorria da natureza meramente autorizativa do orçamento.
As Emendas Constitucionais 86/2015 e 100/2019 atribuíram às emendas parlamentares o caráter impositivo, de tal modo que sua execução passou a ser obrigatória, com tratamento isonômico e transparente do Executivo em relação a todas elas. Problema resolvido? Infelizmente não.”
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