Inúmeras demandas são surrupiadas do atual discurso político, a saber: saneamento básico, empregos, saúde primária, ensino fundamental e médio, apoio às pessoas com deficiência, amparo à pessoa idosa, novas políticas penais destinadas à ressocialização do encarcerado, revisão das isenções tributárias, sem olvidar para a imprescindível transparência das contas públicas

Por Maria Fernanda Dias Mergulhão, 11/07/2024 08h20

O fenômeno da polarização não é uma novidade da atual política brasileira porque já presenciado no ápice de grandes pleitos eleitorais em que governantes carismáticos e populistas assim se posicionavam nas eleições diretas, e mesmo nos processos outorgados perante o Conselho que os elegiam. Em diversos países da Europa, como nos Estados Unidos, a polarização política se acentua entre partidos e representantes políticos, dentro da arena democrática, quando propostas políticas de diversas ordens são aguardadas para a melhoria da qualidade de vida dos representados na gestão dos bens públicos. No entanto, quando o discurso de ódio e as denominadas “fake news” alçam maior destaque, tudo passa a ser temerário pelas máculas do nocivo radicalismo que desqualifica os valores plurais inerentes a uma Democracia.

Diante desse quadro em que esquerda e direita se degladiam, agora substituídas por novas nomenclaturas- conservadorismo e liberalismo/progressismo, o que se constata são as pautas identitárias e de gênero reiteradamente presentes em um discurso de centralidade política.

Recentemente os debates acerca do aborto foram inflamados e os postos de embate- esquerda e direita- voltaram à arena das discussões de cunho moral, e sobretudo religioso, em uma temática já discutida por longas décadas e incorporada no Código Penal desde 1940. Como alhures já havíamos mencionado, nem as mais de duas décadas da ditadura militar brasileira levou o tema a um embate político maior, mesmo a contragosto de demandas religiosas existentes naquele período histórico.

As questões de ordem moral e religiosa cada vez mais ganham a centralidade dos debates políticos na contemporaneidade. Discutem-se o uso de banheiro público para incluir pessoas que não se incluam nos gêneros masculino e feminino, o aborto nas hipóteses de crimes sexuais passa a ser rediscutido, as conquistas feministas passam a ser questionadas por uma nostalgia de um suposto tempo de luzes em que as mulheres felizes e plenas se dedicavam exclusivamente à família e, em última análise aponta-se a família brasileira como aquela que se pretende recuperar para o progresso da nação brasileira!

Não se pretende aqui discutir questões identitárias, muito menos tecer críticas ao posicionamento apresentado aqui, ou acolá, na certeza de que muitas outras linhas seriam escritas. Ao revés, pretende-se aqui chamar a atenção para que não voltemos à Idade Média em que Deus era personificado na pessoa de um absolutista, que cometia as maiores atrocidades em nome da divindade, cuja sucessão ocorria pelo casamento ou pela hereditariedade em meio à grande massa populacional desprovida do mínimo existencial, sob todos os aspectos.

A comparação se faz necessária, e não é exagerada, porque analisa-se ao longe do que possa, factivelmente, com o desacerto já constatado na amálgama do discurso político e do discurso religioso presentes na arena democrática.

Inúmeras demandas que são surrupiadas do atual discurso político, a saber: saneamento básico, rede de empregos, atendimento à saúde primária, qualidade de ensino fundamental e médio aos nossos jovens, o implemento de maior rede de apoio às pessoas com deficiência, amparo à pessoa idosa reduzindo vulnerabilidades ínsitas a essa fase da vida humana, implemento de novas políticas penais destinadas à ressocialização do encarcerado, revisão das isenções tributárias, maior discussão acerca dos percentuais inerentes às dotações orçamentárias para fins públicos, sem olvidar para a imprescindível transparência das contas públicas.

Tantos outros temas de grande importância poderiam ser somados a esse restrito elenco apontado, mas se torna desnecessário porque na pauta única, e quase exclusiva, da política brasileira o discurso moral e religioso tomam para si o protagonismo na seara política causando o que nos provoca indignação: toda a sociedade se rende à polarização sob uma discussão política completamente esvaziada de contornos realisticamente democráticos!

E, apesar disso tudo, o Brasil ainda ostenta a marca de um dos países mais ricos do mundo (oscilando entre a oitava e nona colocação do PIB mundial) e também um dos mais desiguais… Que contradição!

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica