Por Roberto Livianu

O Brasil e o mundo vêm acompanhando com perplexidade os desdobramentos da Operação “Lava Jato”, com reveladoras colaborações premiadas, prisões de poderosos, apreensões de carros de luxo, obras de arte e somas de dinheiro de bilhões de dólares desviados da maior empresa pública do país.

Neste grave caso de corrupção, o mais emblemático de todos e histórico pelo vulto dos personagens e valores, é digno de registro o trabalho exemplar, corajoso e dedicado do Ministério Público Federal, Magistratura e Polícia.

O MPF coordena estas investigações criminais, avalia as provas reunidas e promove as responsabilidades movendo as ações penais. É chefiado pelo procurador-geral da República, por sua vez nomeado pela Presidência.

Rodrigo Janot, mais votado em consulta feita pela ANPR, foi indicado pela presidente Dilma, a qual poderia ter escolhido qualquer membro do Ministério Público da União. Apesar de ofensas e ameaças de parlamentares investigados extremamente poderosos, enfrentou a arguição com serenidade, coragem, integridade e maestria, sendo aprovado por 59 a 12 em votação secreta, não obstante a vigência do princípio constitucional da publicidade.

A nível estadual, a situação é menos ruim porque há eleições formais com voto plurinominal e composição de listas tríplices. Mas ao final, o governador escolhe qualquer um da lista, mesmo que hipoteticamente tenha tido apenas o próprio voto. Tendo em vista que, na prática das eleições estaduais dificilmente há mais de três candidatos, a escolha do derrotado, que não é incomum, significa desrespeito total à vontade do promotor eleitor e a escolha de alguém sem a mínima legitimidade interna, o que compromete a eficiência da gestão do procurador-geral de Justiça.

A CF incumbiu o MP em 1988 de concretizar a cidadania, defendendo o patrimônio público, urbanístico, ambiental, cultural, histórico, infância e juventude, idosos, indígenas, pessoas com deficiência entre tantos interesses sociais. Mais do que isso, o MP foi incumbido de defender a ordem jurídica e o regime democrático.

Além disso, apenas cinco estados (MG, MS, RR, SP e TO) não permitem candidaturas de promotores de Justiça ao cargo de PGJ. É tempo de mudar, democratizar, eliminar reservas de poder, bastando instituir tempo mínimo de carreira e idade para garantir maturidade e vivência institucional mínima.

É essencial para proteger a ordem jurídica e o regime democrático ser o MP mais independente e democrático.

A CF, ao querer instituir contrapeso político na escolha dos dirigentes do MP para evitar o corporativismo, acabou concentrando o poder nas mãos do chefe do Executivo, que é fiscalizado a nível estadual pelo PGJ e a nível federal pelo PGR.

Não há fórmula mágica, mas parece mais adequado respeitar efetivamente o voto dos membros dos MPs, tanto da União como dos estados, em eleições formais com voto facultativo e uninominal. O caráter uninominal do voto permitiria aferir com muito maior acuidade e precisão a intenção efetiva do membro do MP eleitor.

A facultatividade é instrumento idôneo para garantir a espontaneidade do sufrágio e evitar o uso abusivo da máquina, que ainda ocorre inclusive nos maiores estados da federação. Um único mandato de três anos sem reeleição seria muito saudável para evitar o enraizamento no poder.

Mas, a transferência do poder final de escolha das mãos de um único indivíduo, do chefe do Executivo para todos os integrantes do Legislativo (Senado a nível federal e Assembleias Legislativas a nível estadual), com voto aberto, seria positiva modificação democrática que diluiria poder.

Esta fórmula permite sabatina pública, na qual o PGR e os PGJs podem expor suas principais metas, serem indagados e esclarecer dúvidas ao grupo de mandatários que representa o povo e ao próprio povo diretamente. Isto dá vida aos ideais de Bobbio, que define a democracia como “o governo do poder público em público”.

Superada a sabatina de Janot, é tempo de aperfeiçoamento do MP para garantir maior grau de democracia e independência, que deve ser feito por modificação constitucional federal e estadual.

Não temamos a luz, pois a riqueza do debate público conferirá transparência ao exercício do poder e será muito melhor para a sociedade que a força de uma única caneta solitária a qual não precisa justificar sua escolha, até porque muitas vezes esta escolha pode até ser injustificável.

Roberto Livianu é Promotor de Justiça em SP, doutor em Direito pela USP e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático