Filhos em campo neutro
Antes, a indissolubilidade do casamento, união entre homem e mulher, era excetuada apenas pelo desquite, prevista no artigo 315, III do CC de 1916, que rompia a sociedade de fato, mas não o vínculo jurídico do casamento. As mudanças sociais e culturais, marcadas por alterações de comportamentos e de valores, trouxeram a Lei 6.515 de 1977, que introduziu o divórcio no nosso sistema jurídico, possibilitando a ruptura do vínculo jurídico do casamento desde que houvesse a prévia separação do casal. Mais recentemente, a EC 66/2010, afrouxou a condição da prévia separação das partes, para possibilitar aos casais que não mais desejam manter a união o divórcio direto.
Contudo, ao lado do rompimento da vida em comum do casal, mantém-se inalteradas as relações dos divorciados com os filhos comuns do casamento, ou seja, mantém-se intactos os direitos e obrigações dos genitores de criar e educar os filhos da união; de conduzi-los à vida adulta com segurança, de nutrir a relação familiar por toda vida, enfim, de desempenhar essa dificílima tarefa. Nesse passo, as cláusulas judiciais atinentes à pensão e regime de convivência dos genitores com os petizes destinam-se a disciplinar, genericamente, referidos direitos e obrigações.
O valor dos alimentos prende-se ao consagrado binômio da possibilidade dos genitores que os prestam e à necessidade dos filhos que os recebem, conforme parágrafo primeiro do artigo 1694 do CC e a fixação deve ser pautada pelo critério da razoabilidade e proporcionalidade entre os recursos do alimentante, de sorte que as partes sejam igualmente mantidas no mesmo patamar social.
Também a convivência dos genitores com os filhos deve ser ampla e orientada pela corresponsabilidade e pela participação conjunta de ambos – mãe e pai – na vida dos filhos, dividindo-se, equilibradamente, o tempo dos pais com os petizes de forma produtiva e harmônica.
Entretanto, a pedra de toque fundamental atinente aos cuidados dos filhos quando o casal não mais vive junto é o bom senso. Exatamente por isso que os pais responsáveis e comprometidos com o bem-estar da prole devem zelar para manter seus filhos em campo neutro quando discordam de algo em relação a eles, evitando, assim, que sobre eles deságuem os efeitos de suas discordâncias e desencontros. As controvérsias devem ser dirimidas através do diálogo ou da justiça, sem envolver os filhos como corresponsáveis de suas condições de pais.
Não convém tornar os filhos portadores de recados para mudar o final de semana porque lhes interessa ou porque é necessário; nem fazê-los pedir o dinheiro do passeio da escola, do presente do amigo, do lanche ou almoço, não previstos na cláusula alimentar ao outro quando não querem ou não podem bancá-los. Compete aos pais tomarem para si as responsabilidades que lhes são suas através do diálogo ou de ação judicial, a fim de preservarem os filhos para que eles possam se dedicar com exclusividade àquilo que lhes é próprio. Afinal, se é direito se divorciar, é exigível que os genitores zelem com esmero dos cuidados dos filhos.
Irene Moreno Vasconcellos, Promotora de Justiça, Membro do Ministério Público Democrático