Na sua visão, o MPD nasceu de um sonho acalentado por inúmeros integrantes do Ministério Público brasileiro que, ao longo de décadas, idealizaram uma instituição estatal menos autoritária e burocrática e que almejavam não só democratizar o ambiente interno, mas também as formas de composição de seus órgãos superiores.
Atualmente, ela é promotora de Justiça de Direitos Humanos, já trabalhou na área criminal, cível, falência e concordata, consumidor, prevenção de acidentes de trabalho e Saúde Pública, tendo integrado o GAESP – Grupo de Atuação especial da Saúde Pública, como promotora designada. Em 2018, recebeu o prêmio Zilda Arns pela Defesa e Promoção dos Direitos da Pessoa Idosa. Clique aqui e veja o vídeo da premiação.
Sobre sua nova função, a entrevistada esclarece que “a atribuição do Promotor de Justiça de Direitos Humanos da área de Inclusão Social é residual e, por isso, bastante vasta. Além de atuarmos nos casos de violação ou risco iminente de violação a direitos fundamentais ou direitos sociais, por força de práticas discriminatórias que atinjam interesse público relevante, articulamos e fiscalizamos políticas públicas que garantam o efetivo respeito aos direitos da população LGBTQI+ e da população preta e parda, e todas aquelas relativas à assistência social de pessoas em situação de vulnerabilidade social, em especial aquelas voltadas às pessoas em situação de rua e ao jovem adulto”.
Quanto à igualdade de gênero, dispara: “Só poderemos construir um futuro melhor, se a luta pela igualdade de gênero for travada por todos, homens e mulheres. E cabe a nós, mulheres, seguir em frente a passos largos e subir ao topo, ocupando cada vez mais cargos de liderança, inclusive por meio de ações afirmativas, se necessário”.
Leia a íntegra da entrevista abaixo:
1 -) MPD — Quando decidiu que queria ser promotora de Justiça e por quê?
Eu tive o privilégio de ser estagiária do Ministério Público, e logo me vi apaixonada por essa instituição que eu achava muito vibrante. Eu estava completamente encantada com a Constituição de 1988 e o novo Ministério Público que surgiu com ela, conformado por suas novas concepções, quase erigindo-o a um quarto Poder, fazendo-o instituição permanente, essencial à prestação jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e do próprio regime democrático, revelando a instituição de um novo Ministério Público que assumia o papel de verdadeiro Advogado do Povo. Assim, mesmo antes de me formar eu já sabia que queria ser Promotora de Justiça, e só prestei concurso para o Ministério Público. Para minha felicidade, logrei êxito em ingressar no segundo concurso que prestei.
2 -) MPD — O que é ser promotora de Direitos Humanos e quais as áreas de atuação?
Com certeza é um desafio diário, principalmente se considerarmos esses tempos de conflitos inusitados que, em torno da validade da democracia, estamos vivendo. Além disso, a atribuição do Promotor de Justiça de Direitos Humanos da área de Inclusão Social é residual e, por isso, bastante vasta. Além de atuarmos nos casos de violação ou risco iminente de violação a direitos fundamentais ou direitos sociais, por força de práticas discriminatórias que atinjam interesse público relevante, articulamos e fiscalizamos políticas públicas que garantam o efetivo respeito aos direitos da população LGBTQI+ e da população preta e parda, e todas aquelas relativas à assistência social de pessoas em situação de vulnerabilidade social, em especial aquelas voltadas às pessoas em situação de rua e ao jovem adulto. Também nos compete zelar pela efetividade das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional e pela efetiva consolidação dos valores e princípios democráticos, a partir da aplicação das normas decorrentes da Justiça de Transição e pela laicidade do Estado.
3 -) MPD — Quais as grandes mudanças que precisam ocorrer para haver igualdade de gênero?
Só poderemos construir um futuro melhor, se a luta pela igualdade de gênero for travada por todos, homens e mulheres. E cabe a nós, mulheres, seguir em frente a passos largos e subir ao topo, ocupando cada vez mais cargos de liderança, inclusive por meio de ações afirmativas, se necessário. As mulheres têm papel determinante no rompimento dessa cultura dominante, que, além de patriarcal, é uma cultura da violência e do medo, que tende cada vez mais a desumanizar as relações. Por isso, é necessário e urgente que elas estejam representadas de forma equilibrada nas ciências, na política, nas empresas, nos órgãos públicos e nos mais diversos espaços de poder, porque somente assim as Mulheres poderão contribuir na formação da sociedade, com sua inteligência intelectual e emocional, da mesma forma como elas sempre contribuíram na construção de suas famílias, o que não se trata de disputa de poder, mas de equilíbrio social. Também é preciso combatermos os estereótipos que nos tolhem, e, principalmente, efetivamente assumirmos o compromisso de mudar as normas sociais para as próximas gerações Caso contrário, teremos grandes chances de retroceder.
Enquanto mulheres não tiverem colegas dando apoio e companheiros que dividam as responsabilidades familiares, elas não terão verdadeiras escolhas. Assim como enquanto os homens não forem plenamente respeitados por ajudar em casa, eles também não terão verdadeiras escolhas. Os homens precisam apoiar as mulheres e as mulheres também precisam apoiar as mulheres. Acredito que assim poderemos criar um mundo melhor.
4 -) MPD — Qual sua opinião sobre as políticas de cotas e no que precisam melhorar?
As ações afirmativas, se encaixam no modelo de justiça distributiva que é aquela que visa distribuir o bem comum de forma igualitária entre os membros da sociedade. Assim, a política de cotas sem dúvida alguma representa avanço importante na aceleração do processo de igualdade e na efetivação dos direitos sociais.
Entretanto, ainda são muitos os desafios para conseguirmos efetivamente atingir a igualdade substantiva por parte dos grupos socialmente vulneráveis contemplados, o que ainda não ocorreu. Começamos com o sistema de cotas raciais nas universidades. Depois, houve a ampliação da política para os concursos públicos, e, recentemente, temos assistido algumas ações importantes da iniciativa privada. Mas ainda faltam medidas para ampliar a política, permitindo a inclusão de outras minorias, como por exemplo, as pessoas LGBTQI+. Também, para muitos casos, ainda há falta de regulamentação, e ainda não temos um sistema de acompanhamento e monitoramento adequado que possa avaliar os números e as transformações alcançadas. Garantir o ingresso de pardos, negros e indígenas na universidade, em cargos públicos ou ocupando cargos de liderança nas empresas é um enorme avanço, mas transformador mesmo será garantir que eles permaneçam nesses espaços.
5 -) MPD — O problema da violência tem solução? Por onde começar?
A violência desde sempre foi uma grave ameaça à vida em sociedade e à vida em comum, na medida em que se caracteriza pela possibilidade de destruição do homem e da humanidade, pelo próprio homem. Temos que convir que guerra, mísseis e ogivas nucleares, morte, carnificina, intolerância e violência, nunca saíram de moda. O problema, a meu ver, é que no cenário vigente do Direito Penal do espetáculo, onde se clama direitos humanos apenas para os humanos direitos, os direitos e garantias fundamentais não encontram o espaço necessário, e acabam perdidos entre uma sufocante mídia sensacionalista e uma sociedade eminentemente punitiva. O Brasil segue com a terceira maior população carcerária de todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, e nem por isso nos sentimos mais seguros, o que nos indica que é preciso refletir e repensar.
Por outro lado, sabemos que a eficácia do aparelho estatal é medida pela maior ou menor taxa de insegurança e de garantias de vida. Quando diminui o índice de mortes civis e a vingança não se torna premente nem serve como instrumento de mobilização política, pode-se dizer que o Estado mantém sua legítima governabilidade. E, nesse aspecto, o Ministério Público, sem dúvida algum, tem papel essencial e estratégico na governabilidade, uma vez que é responsável por indicar todos aqueles que violam a lei, e assim, garante para que a massa dos cidadãos não sinta insegurança na aplicação das normas universais do direito. Entretanto, acusar sem preconceitos ou corporativismos todos os cidadãos, governantes ou governados, que desobedeçam a norma universal, sem esquecer que o mundo social é uma policromia de valores e que todas as esferas sociais possuem o direito à diversidade axiológica, ainda é um grande desafio que se coloca.
Por isso, centrarmos nossos esforços para combater a causa e não apenas os efeitos me parece, sem dúvida, o melhor caminho a ser trilhado. Só teremos chances de combater a violência se a luta contra o crime caminhar pari passu à luta pela redução das desigualdades.
6 -) MPD — O MPD completa 30 anos de existência em agosto, qual a importância do movimento e o que a levou a se filiar ao MPD?
O MPD nasceu de um sonho acalentado por inúmeros integrantes do Ministério Público brasileiro que, ao longo de décadas, idealizaram uma instituição estatal menos autoritária e burocrática e que almejavam não só democratizar o ambiente interno, mas também as formas de composição de seus órgãos superiores. Pessoas que queriam muito um Ministério Público comprometido com os anseios do povo, mais transparente e independente em relação aos outros poderes, em especial do Executivo e, especialmente, que queriam que o Ministério Público e a própria Justiça fossem mais acessíveis a todos. Assim, desde a sua origem o MPD tem como compromisso o respeito absoluto e incondicional aos valores político-jurídicos próprios de um Estado Democrático de Direitos, com a promoção dos direitos humanos e com a ampliação das portas do acesso à justiça, com o que sempre me identifiquei, sem falar do compromisso dos seus integrantes com a educação popular de direitos e para a cidadania democrática, que sempre me encantou.
7 -) MPD – Quando e como se deu sua presidência na entidade? Quais eventos destacaria da história do MPD, dos quais tenha participado?
Fui Presidente do MPD de 2005 a 2006 e, na época, me lembro que celebramos um convênio com a Secretaria da Justiça e de Defesa da Cidadania, para elaboração de cursos populares de educação em direito nos CICs, entre outras atividades.
8 -) MPD – Quais os requisitos necessários para ser uma profissional de sucesso em sua área? O que diria a uma jovem em início de carreira ou que almeja ingressar nela?
Se pretende ingressar no Ministério Público estude muito, se dedique ao máximo e não desista. E, ao lograr êxito, nunca perca a paixão e a vontade de trabalhar muito em prol da sociedade e das pessoas, sobretudo as mais carentes. Fique atento às demandas sociais e ao seu papel de relevância constitucional na melhora das condições de vida dos cidadãos e mantenha sempre os olhos e os ouvidos bem abertos, e tenha disposição para, sempre que possível, enxergar aqueles que não são vistos e escutar aqueles que não tem voz.
Deixar um comentário