15/12/2015
Sancionada em novembro, a Lei do Direito de Resposta pode abrir o caminho para o aumento de processos judiciais relacionados à liberdade de expressão e servir como instrumento de limitação a este direito constitucional. Em debate do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), dois especialistas discorreram que a nova legislação apresenta conceitos ideológicos equivocados e traz para o âmbito judicial determinados excessos que poderiam ser tratados, por exemplo, no campo da ética jornalística. A segunda mesa de discussão MP e Mídia, realizada na manhã de quinta, 10, na capital paulista, reuniu o advogado especialista em Direito Penal, Guilherme Nostre, e o jornalista e historiador, Heródoto Barbeiro. Cerca de 25 pessoas, entre profissionais da Comunicação e do Direito, acompanharam os argumentos dos palestrantes no evento mediado pela presidente do MPD Laila Shukair.
Para Guilherme Nostre, é correto afirmar que a liberdade de expressão se manifesta sempre em conformidade com os valores morais e sociais de uma época. Portanto, defende que este direito não pode ser vulnerabilizado ou restringido mesmo diante a possíveis abusos cometidos. O advogado também reconhece que a violação de alguns direitos fundamentais também foi ampliada pela maior capacidade de exteriorização de pensamentos e ideias que se propagam mais rapidamente com o uso das redes sociais e dos aplicativos de smartphones e tablets. Nessa visão, o doutor em Direito Penal pela USP e pós-doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal) propõe um modelo para a incriminação de condutas contra a liberdade de expressão, hoje desprovida de tutela penal efetiva.
“A minha proposta é buscar essas duas relações: como tutelar os direitos individuais e os bens jurídicos fundamentais em face de hipotéticos abusos de manifestações do pensamento em desacordo com valores sociais e, ao mesmo tempo, tutelar a própria liberdade de expressão.” Segundo afirma, sem este princípio constitucional, não há liberdades individuais, Estado Democrático de Direito e tão pouco uma sociedade que permita a todos a afirmar suas potencialidades e desejos. Para Guilherme Nostre é preciso abrir os olhos para as condutas que fragilizem a liberdade de expressão como informações divulgadas sejam manipuladas ou censuras ao jornalismo. Na mesa, Nostre alertou que a Lei de Direito de Resposta confunde os aspectos legais distintos do direito da retificação e do direito de opinião. Assim, afirma que para haver direito de resposta deve existir, primeiramente, uma ofensa à honra da pessoa ou instituição a qual as opiniões forem direcionadas.
Já o jornalista Heródoto Barbeiro ressaltou a percepção de que o país se depara com uma judicialização excessiva de temas sociais que, conforme diz, não necessitam de legislação específica – a liberdade de expressão está entre elas. Igualmente entende que o mérito da discussão sobre a Lei do Direito de Resposta não deveria ser conduzida em âmbito judicial, mas no campo da ética pelos próprios profissionais da imprensa isto porque diz não ser possível fazer jornalismo sem os pilares da ética e da isenção. “O campo da ética é o onde o jornalismo navega. É óbvio que, quando eu comento uma injúria, calúnia ou difamação, eu já tenho isso estabelecido no Código Penal Brasileiro.”
Em contrapartida, explica que a função social do jornalismo é pautada pelo interesse público e contribuir com o fortalecimento da democracia e, devido a isso, a obediência aos códigos de ética da profissão ocorre a partir da crença de que as virtudes, os bens e o interesse social já estão contemplados. Neste raciocínio, esclarece que há países nos quais as questões sobre o direito de resposta tramitam em Tribunais de Ética e Disciplina responsáveis por julgar supostas violações ao Código de Ética Jornalística local. Barbeiro diz que, quando as alegações são comprovadas, estes órgãos concedem o direito de resposta a quem sofreu a ofensa ética – o que resolve o problema sem necessidade de atuação judicial. Para o jornalista, esta proposta também seria eficiente se aplicada no Brasil de forma semelhante ao modelo já desenvolvido pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) que regula as campanhas publicitárias e pune as campanhas consideradas abusivas.
Compromisso com a liberdade de expressão
Na coordenação da mesa, a presidente do MPD, Laila Shukair, expôs que o tema da liberdade de expressão como um dos eixos de atuação da entidade para o fortalecimento da democracia e da aproximação da justiça com a sociedade. Para a promotora, “os agentes de comunicação, o jornalismo e a Imprensa, são fundamentais, além do trabalho de formação e informação, na apuração dos fatos e no fortalecimento de tudo aquilo que nós acreditamos – os valores éticos, morais e da transformação da sociedade.” A presidente também confirmou o interesse da associação em promover novos encontros com profissionais de jornalismo e comunicação. O objetivo é fortalecer um diálogo cada vez mais claro entre a Justiça e veículos de comunicação por meio da troca de informações e experiências bem como aprimorar o conhecimento sobre conceitos jurídicos e atuação do MP brasileiro. O MP e Mídia foi promovido pelo MPD com apoio institucional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) e da Mega Brasil Comunicação.