Esta semana, o Movimento do Ministério Público Democrático, o MPD, por sua diretoria, firmou posição em defesa da lista tríplice para o cargo de Procurador-Geral de Justiça, ressaltando a necessidade de preservar a autonomia do Ministério Público, a independência funcional do líder maior da Instituição, e a eficiência do serviço público.

Diz o preâmbulo da Nota: “O Movimento do Ministério Público Democrático – MPD, por sua diretoria, vem se posicionar em favor da lista tríplice para a definição do nome do Procurador-Geral da República, acentuando que esse modelo prestigia e fortalece os princípios republicano e democrático” (www.mpd.org.br).

No entanto, cabe ressaltar que não desconhecemos o fato de que muitos preferem um Procurador-Geral de livre escolha do Presidente da República, alguém mais dócil, que não incomode. Também, sabemos que a Constituição atual prevê a lista tríplice para a escolha dos Procuradores-Gerais nos estados, mas não estabelece a lista para o Ministério Público Federal (art.128 §§1º e 3º, CF).

De forma que a nomeação de um candidato fora da lista é possível, mas representa um enorme desserviço à nação brasileira, como ficou nítido no último episódio do gênero.

As razões que justificam a elaboração e escolha dentro de uma lista tríplice são inúmeras.

Primeiro, o sistema é amplamente adotado nas promoções internas dentro do Poder Judiciário e no Ministério Público faz muito tempo e com bons resultados.

Em segundo, o sistema é compartilhado por todos os estados do país na eleição dos Procuradores-Gerais de Justiça.

Em terceiro, porque o profissional que vai dirigir o Ministério Público precisa representar os membros da instituição que pretende liderar; se não for reconhecido como uma liderança internamente, não governa.

Já vimos o tamanho do problema quando o governante não possui maioria no Congresso Nacional. Criou-se o segundo turno nas eleições para o Poder Executivo porque são nítidas as dificuldades para governar quando não se é reconhecido pelos governados como uma liderança.

Essa mesma questão se apresenta internamente no Ministério Público, o Procurador-Geral que não lidera não leva a instituição a lugar algum, e quem perde com isso é a sociedade que não recebe os serviços que devem e precisam ser prestados pelos membros da instituição.

O procedimento de elaboração da lista tríplice, com eleição interna dentro da carreira, obriga os candidatos a dizerem o que pretendem, quais são seus objetivos, suas propostas, seus interesses. E a imprensa acompanha o processo eleitoral, leva para a sociedade as informações acerca do debate e dos candidatos, garante transparência.

O Ministério Público foi criado para acionar a Justiça, para fazer o Judiciário agir e não para ficar parado vendo as coisas acontecerem.

O que estará em processo de escolha brevemente é o agente político que deve agir em defesa da democracia e do patrimônio público, em defesa do meio ambiente e de muitos outros valores caros a sociedade brasileira.

Vivemos anos difíceis nos últimos tempos exatamente porque embora o MP, em suas instâncias inferiores estivesse realizando suas funções, não vimos a mesma postura na PGR.

O inquérito das Fake News teve sua origem fortemente questionada, pois, a PGR demorou para requerer a instauração de investigação dos atos antidemocráticos.

Vimos passar a boiada na Amazônia porque a defesa das grandes questões ambientais esteve desamparada.

Os membros do Ministério Público não se sentem representados quando a liderança é imposta, quando não há debate interno, pois, não há comunhão de objetivos e valores, tão relevantes para a Constituição.

A nomeação de um Procurador-Geral que não lidere os membros do Ministério Público é um desserviço à instituição, é um desserviço à sociedade brasileira, é um desserviço à democracia e ao Estado de Direito.

O Ministério Público existe para agir, para acionar. Quem diz se a ação procede ou não é o Poder Judiciário, mas MP que não processa, não é MP. Não cumpre sua função.

Está escrito na Constituição Federal:

O MP promoverá o inquérito civil e a ação civil pública, o MP promoverá, privativamente, a ação penal pública (artigos 129, I e III, CF). Essas são as razões de existir da Instituição.

O Ministério Público não existe para ser inerte; se errar o Judiciário que julgue improcedente a ação; afinal, cabe ao Judiciário julgar, mas só poderá fazê-lo se o MP acionar. O sistema de freios e contrapesos somente funciona se cada órgão, se cada instituição cumprir as funções para as quais foi constituída.

Temos mecanismos para coibir e sanar abusos, mas não desenvolvemos muitos mecanismos para suprir omissões; e omissões relevantes podem levar o Estado Democrático de Direito a sucumbir. Chegamos próximo desta vez; não podemos repetir o erro, mesmo que se imagine boas intenções.

É a hora de inscrever na Constituição Federal que a escolha do Procurador-Geral da República deve se dar através de procedimento que assegure a realização de eleição interna, com a elaboração de lista tríplice para preenchimento do cargo.

O Ministério Público possui relevantes serviços prestados à sociedade brasileira. Não foi por suas omissões que adquiriu seu nome, mas por suas ações.

Os membros do Ministério Público são contratados em rigoroso concurso público para defenderem os objetivos nacionais previstos na Constituição:  a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art.127 CF). São pagos para fazer, não para ficarem de braços cruzados enquanto a lenha da Amazônia coloca o país em chamas. Não pode se omitir quando a imprensa e as jornalistas são sistematicamente ofendidas no exercício de suas funções, quando indígenas têm suas terras invadidas e contaminadas por mercúrio, quando a floresta nacional é saqueada, e quando as leis do país são desrespeitadas.

Cabe ao Ministério Público agir para que a Constituição seja respeitada, para que as leis sejam aplicadas, e para que a sociedade receba serviços públicos de qualidade. O Procurador-Geral da República precisa ser escolhido em consonância com os interesses da sociedade brasileira, não para atender interesses pessoais de poucos.

 

RICARDO PRADO PIRES DE CAMPOS é procurador de Justiça aposentado e atualmente preside o MPD – Movimento do Ministério Público Democrático.

Texto publicado no portal JOTA