Ricardo Prado Pires de Campos *

A ONU enfrenta, na atualidade, um de seus mais difíceis momentos na busca do objetivo que originou sua fundação: impedir às guerras; ou ao menos, impedir que elas se alastrem e saiam do controle. Se é que guerra tem controle. Sabemos como começam, mas nem sempre podemos prever como terminam.

Um dos problemas é a falta de observância das regras mínimas de humanidade, criadas no âmbito das Nações Unidas através de tratados internacionais, até elas estão sendo questionadas. A utilização da fome como arma de guerra, o descaso com os direitos civis, incluindo a morte generalizada de crianças, e o não respeito aos corredores humanitários visando a retirada da população, são alguns dos exemplos de violação dos direitos humanos.

O pior é que as guerras estão se espalhando, da Rússia contra a Ucrânia, a do Hamas contra Israel ou a de Israel contra os palestinos, a situação vai ficando cada dia mais desafiadora para a humanidade e para a Organização das Nações Unidas.

O poder de veto das grandes potências dentro do Conselho de Segurança e a incapacidade de obter consensos em muitos temas acabam criando obstáculos ao funcionamento do organismo multilateral. A Organização Mundial da Saúde e a Cruz Vermelha, no entanto, continuam buscando minorar o sofrimento das populações que vivem nesses territórios. Os bens (água, remédios, alimentação) e serviços que conseguem oferecer para as vítimas dos conflitos são essenciais.

Além disso, a ONU mantém viva a possibilidade de diálogo, caminho necessário para a paz. Lá sempre haverá espaço para negociações.

O triste é ver o nível de intolerância que existe entre as pessoas e que leva a desejarem a aniquilação do inimigo. Apenas a aniquilação total do inimigo é vista como possibilidade de paz. E isso dificulta enormemente a possibilidade de solução negociada para os conflitos; somente após esgotarem suas capacidades bélicas é que os contendores, talvez, se resignem a negociar.

Isso levará ao caminho de destruição, mortes, tragédias de todo o gênero. Claro, também, haverá prejuízos econômicos, todavia, diante das vidas perdidas os prejuízos monetários poderiam ser considerados irrelevantes, mas não são. Os poderosos que decidem as guerras parecem pouco se preocupar com as vidas, mas muito preocupados com as finanças. Afinal, as guerras sempre têm finalidade econômica.

Visam tomar para si o território e os bens do inimigo. Nenhuma novidade nisso, a humanidade conhece esse procedimento faz muito tempo; mas os governantes de plantão sempre possuem uma versão diferente para contar.

As guerras e as fake news são parte integrante de nossa histórica desde os primórdios; ao menos, desde o princípio dos governos.

Não que os governos sejam ruins, são necessários; apenas não primam pela verdade quando ela colide com seus interesses. E a guerra é o ápice do conflito causado por interesses antagônicos. Pouco espaço sobra para preocupação com a verdade e com as pessoas.

Qual a chance dos conflitos atuais se encerrarem num curto prazo? A julgar pelos objetivos dos grupos envolvidos, a chance é muito pequena. Um lado quer a destruição do outro e vice-versa. E as possibilidades de que isso ocorra rapidamente, também, são diminutas.

Portanto, nesse momento, o primeiro objetivo deve ser diminuir os estragos da guerra, salvar vítimas, conseguir que os corredores humanitários sejam respeitados, enviar ajuda (médica, água, alimentação, remédios), e retirar da área de guerra o maior número de pessoas possível.

Isso gera um segundo problema, onde receber e como alimentar e tratar esse gigantesco contingente de desterrados? Gente do mundo todo precisa colaborar e os governos das áreas de fronteira também, para que seja possível conceder abrigo e o mínimo de condições para a sobrevivência dessas pessoas.

Também, é preciso pressionar os governos envolvidos nessas guerras para que desistam de seus interesses territoriais, de suas ânsias de ampliação de suas fronteiras em detrimento de seus vizinhos, pois, é disso que se trata. Briga de vizinhos, uns querendo o território e os bens dos outros.

Mas aí existe uma grande dificuldade. Quando eclode uma guerra, a propaganda dos governos consegue envolver as populações. As pessoas se sentem ameaçadas e se unem, o ódio contra o inimigo funciona como catalizador em favor dos governos. Os mais altos índices de popularidade dos governantes, por incrível que pareça, costuma ser nas guerras; ao menos, no começo delas. Com o tempo, com as baixas, com os cadáveres aparecendo, com as famílias perdendo seus filhos, um pouco de juízo crítico começa a brotar e os governos começam a ser questionados por sua população. Os Estados Unidos saíram da guerra do Vietnam apenas quando sua população passou a ir às ruas pressionar o governo. O Czarismo caiu na Rússia em 1917, quando a primeira grande guerra já estava em seu terceiro ano (1914-1918).

O número de líderes que se consagraram em razão das guerras é gigantesco, mas apenas quando venceram obviamente (Franklin Delano Roosevelt, Winston Churchill, Josef Stalin, Charles de Gaulle) e enquanto venceram. Com a derrota vem a desgraça: Hitler, Mussolini, Sadam Hussein e muitos mais.

Se as populações não apoiassem seus governos nas guerras, talvez, eles fossem obrigados a negociar a paz; mas isso não ocorre usualmente. O ódio contra o inimigo comum é insuflado pela mídia governamental, e a mídia independente dificilmente consegue sustentar um discurso contrário. Seria rotulada de inimiga da nação, seria retaliada e poderia perder seu direito de fala. Não, contrariar um governo durante a guerra costuma ser considerado crime. Poucas vozes possuem tal poder de contestação.

Além disso, as pessoas são contagiadas pelo ódio. Nenhum sentimento humano é tão forte. Se algum membro do grupo tiver sido morto, ferido ou vilipendiado, os demais terão motivos suficientes para odiar o inimigo e querer sua destruição.

Todavia, nada do que fizermos será capaz de reparar a vida, daqueles que são vítimas da guerra. As crianças mortas não se transformarão em anjinhos no Céu. Nem Deus estará a favor desse ou daquele povo, por mais vilipendiado que possa ter sido. Invocar Deus, o paraíso e os anjos são algumas das inúmeras fake news que costumam usar para a manipulação das populações.

O que os vivos podem fazer é tentar manter vivas as outras pessoas; ou podem deliberar matar mais gente. Não conseguimos ressuscitar os mortos.

Podemos reparar a saúde de quem está doente, machucado, ferido, mas ainda vivo.

Portanto, podemos ajudar os feridos, levar os vivos para fora da área em conflito, e colocar nossas vozes em favor da paz; ou podemos tomar lado no conflito, apoiar umas das partes e ir à guerra. Ir à guerra longe do território em conflito é mais fácil, duro é colocar a farda e ir para a trincheira. Ir para a trincheira é algo que os líderes também não costumam fazer, o serviço bruto e sujo fica para os subordinados. Para quem não tem opção.

Claro, há ocasiões, em que para proteger a vida, podemos ser levados a lutar, a guerrear e a morrer em defesa de um ideal ou de um direito. Mas guerrear por interesse econômico de terceiros, bem … há quem goste (os mercenários não, lutam pelo próprio soldo). Aliás, há pessoas que adoram uma briga, até provocam. O animal humano é belicoso. E os interesses econômicos sempre falam alto.

Assim, manipular o ódio, a raiva alheia, o desgosto da população contra um inimigo escolhido, têm sido uma das armas usadas para conquistar ou se manter no poder. A ameaça une as pessoas, e o ódio as torna dinâmicas na busca de um objetivo. Apedrejar a outrem fica muito fácil, seja a adúltera, o traidor, ou o inimigo de ocasião.

Antes de apoiar uma guerra, é preciso saber quais são os interesses econômicos subjacentes e quem dela se beneficia.

Esperemos que os demais líderes mundiais possam, com seu poder, interromper ou diminuir a escalada das agressões, e preservar o maior número de vidas, para que, em algum momento, as pessoas possam retornar as suas casas e viverem suas vidas, sem serem vítimas da violência. Venha ela de onde vier.

* Ricardo Prado Pires de Campos é vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) e professor de Direito. Foi promotor e procurador de Justiça.

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