JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA* 28 SETEMBRO 2023 6min de leitura

Está tramitando no Senado Federal proposta de emenda à Constituição promovendo importante reforma na estrutura tributária do país. Trata-se da PEC 45/19, já aprovada na Câmara dos Deputados e para onde deverá retornar, se houver alterações no Senado. O foco principal da PEC é o imposto sobre o consumo de bens e serviços. Será criado um imposto sobre bens e serviços (IBS), de competência estadual e municipal, substituindo o ICMS e o ISS, e uma contribuição sobre bens e serviços (CBS), de competência federal, substituindo o IPI, o PIS e COFINS. A reforma deverá produzir relevantes impactos no funcionamento da economia do país. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que, se a reforma for finalmente aprovada, nosso PIB deverá crescer cerca de 12% nos próximos quinze anos em razão apenas da substancial redução da ineficiência econômica gerada pelo complexo sistema atual.

Talvez essa seja mesmo a principal vantagem trazida pela reforma tributária: a imensa simplificação para o contribuinte, pois a legislação dos dois novos tributos criados para substituir os anteriores será federal, restando aos estados e municípios apenas a definição de suas alíquotas. Isso eliminará 27 legislações estaduais sobre ICMS e milhares de legislações municipais sobre ISS, com relevante redução de custos para as empresas. Estudo do Banco Mundial mostra que as empresas brasileiras dedicam cerca de 1.500 horas por ano apenas para pagar impostos. Isso é ineficiência, aumento de custos administrativos com alocação de recursos físicos e humanos que não geram valor agregado para os negócios. A simplificação que se espera da reforma tributária favorecerá o ambiente de negócios e empreendedorismo no país, que é o que gera riqueza e emprego para a população, pois será mais fácil e menos custoso abrir e gerir uma empresa, com facilidade para recolher os tributos de forma correta.

A reforma trará ainda o fim da “guerra fiscal”, com tributação sobre o consumo apenas no destino. Como parte do ICMS hoje é devido na origem, estados têm utilizado benefícios fiscais para atrair empresas, o que tem gerado perda de arrecadação e mais ineficiência econômica, com “passeio” de notas fiscais e produtos quase acabados para aproveitamento desses benefícios. Os estados devem disputar empresas com outros mecanismos, especialmente provendo boa infraestrutura e educando e qualificando seu povo. Esses são os principais fatores de atração para empresas, que devem escolher o local de suas fábricas conforme as melhores condições econômicas, sem a distorção provocada pelas renúncias fiscais do ICMS. O fim da cobrança do imposto sobre consumo na origem acaba também com a silenciosa transferência de renda dos estados consumidores aos estados produtores, que já têm a vantagem da presença da produção como fator de dinamização da economia local. A integralidade dos recursos dos contribuintes consumidores ficarão em seus próprios estados e municípios, para a prestação dos serviços públicos que lhes são devidos.

A reforma propiciará ainda transparência da carga tributária no consumo. Atualmente, dificilmente se consegue mensurar com exatidão o valor total dos tributos incluídos no preço final de um produto. Com a não cumulatividade plena e definição de alíquota única no âmbito de cada estado e município, será de fácil conhecimento para o consumidor o total de impostos pagos na aquisição de bens e serviços.

Outra grande vantagem, que implica forte redução de custos será a redução da litigiosidade tributária. Um exemplo claro será o fim de discussões intermináveis sobre se um produto se caracteriza como bem ou como serviço para fins de tributação. Com o IBS, essa natureza será irrelevante, pois a alíquota será a mesma.

Espera-se também redução da sonegação fiscal, pois está em estudo um sistema de recolhimento dos tributos no ato do pagamento dos bens ou serviços. Com isso, só haverá crédito tributário se tiver ocorrido o efetivo pagamento de imposto em etapa anterior. Não haverá possibilidade de créditos fictos. A geração do crédito se dará pelo efetivo pagamento do imposto na etapa anterior e não mais pela simples emissão de nota fiscal pelo fornecedor de bem ou serviço. Será também o fim da criação de empresas apenas para emissão de notas frias destinadas a gerar créditos tributários, com sonegação dos impostos.

Está em discussão também um mecanismo de cashback para produtos destinados à população de baixa renda. Esse mecanismo é mais justo fiscalmente, porque, ao contrário da mera isenção de impostos sobre produtos de primeira necessidade, que beneficia também os cidadãos de média e alta renda, o sistema de cashback favorece apenas os de baixa renda, com a classe média e alta pagando normalmente tributos sobre todos os produtos de uma cesta básica. Além de mais justo, isso favorece a arrecadação e permite que alíquota média seja menor.

Um ponto que merece crítica na PEC é a criação de um Conselho Federativo com a finalidade de arrecadar, repartir e gerir as compensações devidas entre as unidades da federação decorrentes da não cumulatividade. Trata-se de um órgão desnecessário, que nasce de infundada desconfiança dos estados e municípios sobre a União, como se ela fosse se apropriar de recursos, esquecendo que ela já é responsável pela arrecadação e divisão dos impostos que alimentam os fundos de participação dos estados e dos municípios (FPM e FPE), sem que nunca houvesse qualquer queixa dos entes subnacionais quanto à qualidade, eficiência e confiabilidade de seus procedimentos. A criação de um Conselho Federativo é algo ainda confuso quanto à natureza desse órgão, se será uma espécie de consórcio entre os estados, e quanto à fiscalização de sua despesa, se caberá concorrentemente a 27 tribunais de contas estaduais e do Distrito Federal, algo sem viabilidade prática.

Melhor seria que a própria Secretaria da Receita Federal se encarregasse de arrecadar, distribuir o produto da arrecadação e fazer as compensações tributárias devidas entre os estados e municípios decorrentes dos créditos. Questão semelhante foi enfrentada pela Alemanha, país que conta com forte e consolidado federalismo. Não obstante, os estados alemães abriram mão, em favor da racionalidade e simplicidade, da pretensão de gerir a arrecadação do Imposto sobre Valor Agregado, arrecadado e repartido pela máquina federal. Entre a prosperidade que a simplicidade gera de um lado e brados ideológicos sobre o enfraquecimento do federalismo do outro, os alemães optaram pragmaticamente pelo sistema que gera mais riqueza e menos custo para aquele povo. Deveríamos fazer o mesmo.

Outro ponto que poderia ser aprimorado pelo Senado é o da criação de muitos regimes de exceção ou de tratamento diferenciado, com alíquotas reduzidas em relação à alíquota principal. Quanto mais setores houver com tratamento diferenciado, menor a simplificação obtida e maior a alíquota dos setores sem tratamento diferenciado. O custo diferenciado dos tributos de um setor é transferido para o consumidor dos produtos dos outros setores.

Ainda que permaneçam esses defeitos em sua concepção, os benefícios os superam em muito, de modo que sua aprovação e implementação gradual, conforme a transição prevista na própria PEC, será um grande feito, com impacto estrutural e consequências positivas de duração continuada. Que ela possa ser aprovada o quanto antes.

*Júlio Marcelo de Oliveira, procurador de Contas junto ao TCU e membro da diretoria do Movimento do Ministério Público Democrático – MPD

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica