É canônico o exemplo de que a liberdade de expressão não permite que alguém grite mentirosamente ‘fogo’ num cinema fechado. E por quê? Porque essa fala tem potencial de trazer danos às coisas e às pessoas. A liberdade de expressão encontra limites, como qualquer direito. No Brasil, desde 2018, vem se inculcando mentiras sobre o sistema eleitoral. A coisa é metódica. O presidente da República e seus acólitos, dia sim e outro também, investem com método no falso discurso de que o processo eleitoral brasileiro é viciado, atacando seus integrantes e instituições. E como as palavras importam, especialmente quando partem de um presidente da República, a mentira organizada ganha corpo e espaço junto a enormes setores da sociedade. Nem novidade é. Recorde-se o exemplo estadunidense[1]. Os ataques à imprensa, ao judiciário e ao sistema eleitoral fizeram parte da cartilha de Trump nos EUA, justamente por contribuírem para o objetivo do chamado populismo autoritário, a erosão da democracia.
Como aceitar, num regime democrático, as mentiras sistemáticas e os ataques metódicos do presidente da República ao STF e ao TSE? O silêncio de quem detém o poder legal de fazer cumprir a Constituição incomoda e assusta.
Os órgãos e instituições que deveriam guardar a democracia dão sinais que a contenção das mentiras do poder não será fácil, e talvez nem tentada. A semana que passou foi eloquente. Ministro do STF, sob o argumento de prestigiar a segurança jurídica, suspendeu decisão do TSE para restabelecer mandato eletivo a um deputado estadual, faltando seis meses para seu término, sabedor de que sua decisão prevaleceria alguns dias (especificamente 3 dias úteis), potencializado a própria insegurança jurídica que dizia defender. O deputado cassado, depois “descassado”, e agora cassado novamente, disse dentre outras estultices durante a campanha eleitoral.
Pedro Barbosa Pereira Neto, procurador regional da República em São Paulo e associado do Movimento do Ministério Público Democrático, publicou na coluna MP e Democracia em O Estado de S. Paulo, no dia 16 de junho, o artigo intitulado “A democracia na era da mentira”.
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