Por Pedro Barbosa Pereira Neto*
20/04/2023 | 03h00
A adoção da lista tríplice para o processo de designação do Procurador-Geral da República sempre teve amplo apoio do campo progressista e foi, por muito tempo, motivo de autocongratulação entre os próprios integrantes do Partido dos Trabalhadores, cujos governos, todos, adotaram-na como marca democrática e republicana de governança, tendo esse costume constitucional prevalecido até mesmo após o golpe contra a presidenta Dilma, durante a presidência de Michel Temer. No curso da última campanha presidencial, o próprio então candidato Lula, não uma vez, mas várias, jactou-se de ter indicado para assumir a PGR sempre o primeiro colocado na lista elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Chama atenção, assim, que a dubiedade demonstrada por Lula, após ser eleito Presidente da República, tenha sido de pronto acompanhada de uma narrativa, do mesmo campo progressista, dizendo que o Chefe do Poder Executivo tem todo direito de escolher como bem entender o integrante do Ministério Público que comandará a Procuradoria-Geral da República, sem estar atrelado à lista tríplice. Bem, vamos ao óbvio: o Presidente da República, nos termos do art. 128, § 1º, da Constituição Federal, escolherá o Procurador-Geral da República, dentre os integrantes da carreira. Ponto. Não há previsão de lista tríplice para o cargo de Procurador-Geral da República.
Portanto, pode o Presidente da República, observado o regramento constitucional, escolher quem bem quiser, dentro dos integrantes da Instituição. Mas não deveria. De saída porque o rompimento com o virtuoso costume constitucional, inaugurado e prestigiado em todos os governos petistas, equiparará o governo eleito em 2022 com aquele eleito em 2018. Afinal, foi o governo Bolsonaro o primeiro a rejeitar a adoção da lista tríplice. Não é de bom agouro. A sociedade brasileira viu-se perplexa diante da falta de independência do Procurador-Geral da República escolhido ao arrepio da lista tríplice. Ah, mas o Lula escolherá um procurador independente!! É sempre bom pôr as barbas de molho na crença bonapartista. A realidade é prenhe de exemplos de que todos erram e as escolhas para o STF em tempos petistas são prova cabal disso.
O certo é que o próprio texto constitucional estabelece um limite muito forte ao Presidente da República, o de que a indicação do PGR tem que ocorrer dentre “integrantes da carreira”. Presidente da República algum pode colocar um jurista de seu agrado na chefia da PGR. E é bom que assim seja. Limite ao poder presidencial é positivo, é da própria natureza do Estado de Direito, dos freios e contrapesos. Assim, não é verdade que a lista tríplice significaria uma imposição de uma associação privada (a dos procuradores da república) e de seus interesses corporativistas, limitando a discricionariedade do poder presidencial. Longe disso.
A organização da lista tríplice por uma entidade de classe se dá unicamente porque a indicação do chefe do Ministério Público da União não foi institucionalizada como ocorre com os demais ramos do Ministério Público brasileiro. Não se trata de imposição ao Chefe do Executivo, mas de apego à democracia, de respeito à institucionalidade, à ideia de impessoalidade e, porque não, de um modo de colaboração para que Sua Excelência, dentre os membros da Instituição, venha a escolher alguém com liderança interna capaz de reunir em torno de si o apoio necessário, inclusive para transformar o Ministério Público em um órgão menos punitivista e mais promotor dos direitos humanos e da democracia, mais próximo portanto de seu desenho constitucional.
Há um enorme desconhecimento do fenômeno corporativista nas carreiras de Estado, em especial das carreiras jurídicas, mas, decididamente, não é o fato de ter eleições para chefia de suas cúpulas que as fazem mais ou menos corporativistas. Basta ver o Poder Judiciário. Certo, lista tríplice alguma se traduz em método infalível de democracia, ela tem seus problemas. Mas é melhor do que a crença bonapartista. Ela permite uma comunhão na escolha do PGR, entre os integrantes da carreira e o magistrado maior do país. Ela viabiliza que a indicação se dê à luz do sol e não sob a opacidade dos gabinetes. O curioso de tudo isso são as narrativas. As de hoje, do chamado campo progressista, que defendem a ampla liberdade de escolha presidencial, são as mesmas da direita do Ministério Público (ah sim, temos também nossos direitistas!), que durante o governo Bolsonaro combatiam a lista tríplice no âmbito do Ministério Público da União, desfilando a mesma argumentação. Tem alguma coisa errada aí!
*Pedro Barbosa Pereira Neto, procurador regional da República e membro da Diretoria do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)
Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica
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