MARIA FERNANDA DIAS MERGULHÃO 31 MAIO 2024 | 4min de leitura

A tragédia provocada pelas torrenciais chuvas na região sul brasileira, principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, deve ocupar as principais pautas de debates políticos e dela serem extraídos planos de ação das três esferas governamentais, não somente para a situação de emergência que desafiará alguns meses naquela região, como também para que outras tragédias climáticas não voltem a acontecer, em nenhum estado da federação, ao menos naquelas proporções.

Analisando o histórico de graves desastres climáticos daquela região, pode ser constatado que em 1941 uma grande tragédia climática acometeu o Rio Grande do Sul com grandes inundações, desastres e mortes. Choveu, naquele ano, por 35 dias consecutivos e foram computados 900 milímetros de chuva, mas as construções e população eram sensivelmente menores comparadas ao momento atual.

De lá para cá presenciamos o surgimento da tecnologia, cada vez mais eficiente e acessível à população, e por outro lado, o crescimento exponencial dessa mesma população, que se concentra em grandes centros urbanos, numa flagrante ocupação desordenada do solo urbano, que se potencializa na ausência do dinamismo de um plano diretor das cidades, principalmente quando o foco é a prevenção de desastres climáticos.

Não se olvide que o meio ambiente seja constantemente vilipendiado de forma difusa, por quase todos os países do mundo, e essa pauta não pode ser desconsiderada nesse texto, que aqui é sublinhada. Entretanto, há outras muito graves, que não podem deixar de serem explicitadas aplicadas a esse caso sob exame, como a quase todas as tragédias climáticas em território brasileiro.

Num primeiro momento, impõe-se observar que ainda permanece presente a polarização na política brasileira, o que dificulta, sobremaneira, avançar pautas de políticas sociais de grande importância ao desenvolvimento de nosso país; impõe-se frisar, também, que muito preocupa o discurso religioso imiscuído às no discurso político, como verdadeira amálgama, que cega e descentraliza o exame do que é realmente importante naquela seara. Preocupa-nos porque episódios como esse remontam à Idade Média, quando o soberano agia sob inspiração do Divino, praticava atrocidades, mantinha a plebeus e camponeses ao jugo da inspiração momentânea do suposto enviado pela ancestralidade, que detinha o poder de vida e morte dos súditos.

A memória social é assunto relegado a plano inferior porque revisitar a história passa a ser menos interessante do que se aventurar a fatos novos, quando a atenta observação dos erros- e desastres climáticas do passado- é ponto forte para evitar a repetição de fatos análogos aos já vividos por outra geração, por outra sociedade.

O investimento em prevenção continua sendo marca do atraso brasileiro porque, apesar do volume pluviométrico em grande densidade naquela região ter provocado a catástrofe humanitária, somaram-se a ele outros fatores importantes que não foram implementados pelo Poder Público, a exemplo da construção de barragens, de canais de escoamento, de florestamento em áreas críticas próximas a rios, o denominado “teto verde”, como forma de minimizar o impacto de fortes chuvas, além da incorporação de tantas experiências de sucesso implementadas em outros países .

As ações populares e a participação do povo nas casas legislativas, além dos tímidos movimentos sociais, e inócuos referendos e plebiscitos no processo legislativo brasileiro, da mesma forma, são absolutamente inexpressivos quando comparado ao número de eleitores de um país de mais de 200 milhões de habitantes. A cidadania brasileira está muito longe de seu esperado amadurecimento. É nesse contexto que se inserem o implemento de políticas públicas e elaboração de leis no Brasil.

De outra feita, as céleres comunicações pelo uso da tecnologia, revelou grandes heróis nessa tragédia, mas também propagou fake news confundindo muitas pessoas. O cenário do povo gaúcho, o mais afetado, se tornou sombrio pela perda de bens materiais, muitos perdendo absolutamente tudo- casa e todos os bens móveis-, crianças órfãs, animais mortos tragicamente, e inúmeras mortes que ainda não é possível contabilizar, vez que as águas ainda não escoaram.

Diante desse quadro desolador, em que a imperiosa ajuda financeira e espiritual se desenvolve por diversos segmentos da sociedade civil em prol do povo gaúcho, além da dotação orçamentária emergencial da União, o que será implementado para que novas tragédias naquela proporção não ocorram?

Há de ser elaborada legislação específica inerente à desastres climáticos prevendo-se dotação orçamentária específica, impassível de ser destinada a outros fins, com a participação público-privada e os incentivos governamentais para essa participação, além do atuar com vistas à prevenção. Só através da racionalidade, transparência do exercício da atividade pública, e sobretudo amor ao próximo, poderemos reescrever o que será o futuro do Brasil nesse tema.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica.