Por Bianca Stella Azevedo Barroso*
23/03/2023 | 05h00
Passados 90 anos da conquista do voto feminino e da capacidade eleitoral passiva para mulheres, o que faz com que uma professora universitária, mestre, antropóloga, e referência acadêmica sobre direitos reprodutivos femininos, deixe sua família, seu emprego e seu país para se radicar em um país estrangeiro sozinha? Ou o que faz uma vereadora transsexual, mulher mais votada de uma câmara de vereadores de uma cidade, ser afastada do país por decisão de seu partido por razões de segurança, cujo mandato passou a ser exercido remotamente?
Ainda, o que faz com que uma Deputada Federal brasileira, professora, negra e feminista recorrer às Organizações das Nações Unidas para pedir proteção de sua vida?
Também vale indagar o “porquê” de uma jovem ativista pelo direito à Educação sofra constrangimentos dentro de seu próprio partido, por correligionários, pelo simples fato de ser mulher?
Afinal, por que a vereadora carioca Marielle Franco, em 14 de março de 2018 foi assassinada em via pública no auge do exercício de seu mandato eletivo?
As questões acimas descritas foram e ainda são vividas por mulheres que ampliaram suas vozes políticas e de opinião, e, assim também ampliou a rede de repulsa machista e misógina na política em forma de ameaças, agressões – físicas ou morais – constrangimentos, perseguições, achincalhes, humilhações, que são direcionados para impedir, embaraçar ou de qualquer forma afastar a participação delas na política e ambientes de poder.
Os dados estatísticos do Portal TSE Mulheres informam que nas eleições gerais de 2022 foram eleitas apenas 04 senadoras de um total de 27 eleitos para o Senado Federal, o que corresponde a 15%. Para o cargo de Deputada Federal foram eleitas 91 mulheres, de um universo de 513 candidatos eleitos, o que significa apenas 18% da ocupação destes cargos por elas. Da mesma forma, nas eleições para Deputadas Estaduais, apenas 18% das mulheres foram eleitas nos estados da federação. (TSE, 2023)
A baixa representatividade das mulheres na política ainda é melhor visualizada quando se trata dos cargos do Poder Executivo, em 2022, dos 27 eleitos, apenas 02 mulheres se consagraram governadoras dos seus estados, ambos situados na região nordeste: Pernambuco e no Rio Grande do Norte. (TSE, 2023)
Apesar dos baixos números, é verdade que houve um aumento significativo da participação das mulheres na política, notadamente após o processo de redemocratização. Antes disso, entre 1932 a 1965 só houve 02 mulheres ocupantes de cadeiras na Câmara dos Deputados.
Vale rememorar que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica) introduzida no ordenamento jurídico interno através do Decreto nº 678/1992, balizada por instituições democráticas e fundamentada na liberdade pessoal e justiça social, garante os Direitos Políticos de todos os cidadãos a ter acesso às funções públicas em condições de igualdade. (BRASIL, 1992)
Seguindo neste propósito, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, em 1994, reconheceu como direitos protegidos a vida livre de violência tanto na esfera pública quanto na privada, e destacou a igualdade de acesso às funções públicas e a participação nos assuntos públicos e de tomada de decisão.
Adiante, criado o Mecanismo de Seguimento da Convenção – MESECBI para acompanhar o cumprimento da Convenção de Belém do Pará, identificou que, em paralelo ao crescimento da participação das mulheres em espaços políticos houve uma grande preocupação dos Estados em combater a violência perpetradas nestes ambientes, necessitando de medidas para responder a essa violência, pelo que em 2015 foi aprovada a “Declaración sobre la Violencia y el Acoso Político contra las mujeres” (OEA/MESEVI-2015), sendo o primeiro na região que trata desse assunto, dando origem a “Ley Modelo Interamericana para Prevenir, Sancionar Y Erracicar la violencia contra las Mujeres en la Vida Política”.
A violência política contra mulher foi definida pela Organização dos Estados Americanos – OEA como “cualquier acción, conducta u omisión, realizada de forma directa o a través de terceros que, basada en su género, cause daño o sufrimiento a una o a varias mujeres, y que tenga por objeto o por resultado menoscabar o anular el reconocimiento, goce o ejercicio de sus derechos políticos. La violencia contra las mujeres en la vida política puede incluir, entre otras, violencia física, sexual, psicológica, moral, económica o simbólica.” (Ley Modelo Interamericana – Art.3º)
Antes, entretanto, a Bolívia aprovou a primeira lei de combate a Violência Política, a Lei 243, de 28.05.2012, da qual destaco o artigo 6, quando trata dos “princípios e valores” da lei e estabelece a “Despatriarcalización”, estabelecendo que “El Estado implementará um conjunto de acciones, políticas y estratégias necessárias para desestructurar el sistema patriarcal basada em la subordinación, desvalorización y exclusión sustentadas em las relaciones de poder, que excluyen y oprimen a las mujeres em lo social, económico, político y cultural.”
Com efeito, o referido país latino americano foi premido a dar uma resposta de alto nível de enfrentamento ao caso grave de violação de Direitos Humanos consistente no assassinato da vereadora JUANA QUISPE, ocorrido em março de 2012, quando já era de conhecimento público que a mesma era vítima de assédio, ameaças e violações praticados em razão de sua atuação no mandato político.
No Brasil, a Lei nº 14.192/2021 foi sancionada com a finalidade específica de combater a violência política contra a mulher, além de considerar os atos que importem em impedimento, obstáculo ou restrição aos direitos políticos da mulher, ainda reconhece como violência política os atos que constituem em restrição ao exercício de suas “liberdades políticas fundamentais” em virtude do sexo.
Nesta lógica, considerando que a violência política de gênero está relacionada com qualquer turbação ao exercício pleno dos Direitos Políticos, ou seja frustrando a liberdade política, estar-se-á claro que a violência política constitui uma violação de Direito Fundamental, mais evidenciada nos países com democracias consolidadas.
Pois, a liberdade dos Direitos Políticos não há de conviver com ameaças de morte, constrangimentos, humilhações, exposições vexatórias, subjugações por condição de gênero, condições que envolvem risco a integridade física sua e de familiares e, de toda sorte, levam-as a introjetar uma consciência de que a atuação política é um ambiente perigoso e, portanto, dali deve se afastar.
As mulheres com atuação política hoje no Brasil vivem sob tensão de um sistema político hostil que atinge frontalmente sua liberdade de atuação, restringindo seus Direitos Políticos e assim violando os Direitos Fundamentais a uma cidadania plena.
No entanto, o histórico da crescente participação das mulheres na política nos indica que é acertado o caminho que o Estado brasileiro tem enveredado ao lançar mão de ações afirmativas, consistente em criminalização de condutas, políticas de cotas, direcionamento de recursos de fundos eleitorais, campanhas de conscientização e capacitação dos agentes públicos para que adotem a perspectiva de gêneros nas atuações institucionais a fim de prover igualdade material.
Cada ação afirmativa importa para corrigir a assimetria existente na política brasileira, garantindo liberdade para mulheres através de espaços livres de violência em prol deste grupo vulnerabilizado que, por pura ironia, constitui a maioria da população.
*Bianca Stella Azevedo Barroso, promotora de Justiça do MPPE. Membra Auxiliar do CNMP. Coordenadora da Ouvidoria da Mulher do CNMP. Coordenadora do Núcleo de Apoio à Mulher do MPPE. Coordenadora do GT de Equidade do CNMP. Mestranda em Políticas Públicas – UFPE. Vice Presidenta do MPD
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)
Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica
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