RICARDO PRADO PIRES DE CAMPOS* 14 DEZEMBRO 2023 | 7min de leitura

Notícias recentes dão conta de que personalidades conhecidas foram vítimas de roubo nesses dias. Uma jovem parlamentar teve o vidro de seu carro quebrado numa tentativa de subtraírem seu celular. Do evento restou ferimentos em seu rosto pelos estilhaços do vidro. E, também, um médico de renome nacional teria sido assaltado na garagem de seu consultório. Os ladrões levaram o relógio, dinheiro e outros bens. Utilizando motocicleta, desapareceram antes da polícia chegar.

Os dois eventos demonstram a fragilidade da segurança pública em nossos dias.

Obviamente, não são apenas personalidades conhecidas que são vítimas desse tipo de criminalidade, isso atinge à população diariamente e em grande volume.

Todavia, o que os eventos retratados demonstram é que não há mais pessoas que passam ao largo desse problema. Antigamente, a criminalidade patrimonial violenta atingia mais as classes menos abastadas, os ricos, com seus sistemas de segurança privados, acabavam se saindo melhor; mas o problema está atingindo tal dimensão que não há mais excluídos. Estamos todos sujeitos a onda de insegurança pública.

O que leva as pessoas a agirem fora da lei, a quererem tomar os bens dos outros de forma violenta?

A necessidade e a ganância são as mais óbvias; mas há outras como o vício das drogas, alguns problemas psiquiátricos e outras motivações em menor número.

Comecemos, pois, pelas mais óbvias.

O ser humano depende para se manter vivo de alimentação e outros cuidados como moradia, transporte, acesso às informações, cuidados com a saúde, inúmeros outros bens e serviços; e para obter isso no mundo contemporâneo, o método mais eficiente é ter dinheiro. Não é à toa que ficar rico virou a obsessão de muita gente. O capitalismo estimula as pessoas a adquirirem bens e serviços. A forma de obter dinheiro é mais variada, mas muitos buscam obter pelo caminho mais curto: tomando dos outros, usualmente dos vizinhos. Entenda por vizinhos todas as pessoas que estão nas proximidades do agente, todos aqueles que cruzam o caminho do assaltante. Todas essas pessoas são potenciais vítimas do agressor.

Não é por acaso que buscamos nos afastar de locais de má fama e de pessoas cuja aparência ou comportamento não soam amigáveis. Não temos sensor totalmente eficiente que nos permita fugir de abordagens perigosas, mas usamos as informações obtidas, o conhecimento adquirido e os instrumentos biológicos que a natureza nos concedeu.

Como resolver essas questões, olhando pelo lado da segurança pública?

Primeiro, saciar as necessidades daqueles que têm fome e não tem o que comer. As igrejas trabalham bastante nessa área, mas o contingente é gigantesco. A mecanização das lavouras, dos bancos e de muitos outros serviços e, agora, a inteligência artificial estão substituindo o trabalho humano e criando exércitos de desempregados.

Pode ser muito bom se as pessoas tiverem recursos de outra forma e puderem se dedicar a formas saudáveis de vida; mas se desviarem para formas ilícitas, será um grande problema. Nossas ruas, em especial as grandes capitais, estão ficando abarrotadas de andarilhos em busca de comida e proteção. Eles estão apenas buscando o básico para sobreviver, mas geram insegurança nos demais.

Suprir a fome e os cuidados básicos dessa legião de desamparados é o primeiro passo para recuperar as ruas de nossas cidades e trazer de volta a sensação de segurança para andar nas ruas.

O segundo grupo, o dos gananciosos, é de solução mais difícil. Esses agentes possuem bens, não precisam roubar, mas o fazem porque acham mais lucrativo roubar do que trabalhar. Isso tem razões históricas, mas ainda presentes na sociedade contemporânea. As guerras com o intuito de se apoderar da riqueza alheia sempre estiveram presentes ao longo da história. Ainda há muitos que preferem lutar e roubar, a trabalhar e produzir. Para esses só o Direito Penal pode desestimular; mas as penas precisam ser duras e certas para serem eficientes. Se a pena for muito leve não desestimula; e se for dura, mas o agente conseguir escapar da punição, também, não funciona.

Nossas penas, em geral, são bastante duras, mas o volume de agentes que consegue escapar tem crescido a cada dia. A impunidade passou a ser um dos grandes problemas nacionais. A subtração de patrimônio alheio tem sido um grande negócio no país; aliás, não é só no nosso. Mas aqui conhecemos melhor a sua dimensão.

Ainda nesse ponto, é preciso ressaltar que a pena de prisão não tem dado conta de reprimir as condutas ilegais, seja porque a legislação prevê muitos benefícios, seja porque o ambiente nos presídios é deletério e funciona como escola para a criminalidade, seja, ainda, porque o custo de manutenção de presídios é gigantesco. O gasto por preso, per capita, possui valor maior do que os benefícios que o governo consegue conceder para as pessoas honestas.

Em síntese, ainda, não há um sistema de penas perfeitamente eficiente para desestimular os agentes de subtraírem o patrimônio alheio, inclusive o patrimônio público.

A pena de multa e outras penas patrimoniais começam a ganhar força na legislação e, se corretamente usadas, podem se transformar em eficiente desestímulo à criminalidade. Não há pena única que resolva, são necessários inúmeros instrumentos ou remédios para darem conta do problema. Cada tipo de crime e cada perfil de agressor exigem diagnóstico e solução adequada.

Iluminação pública, sistemas de vigilância e monitoramento em tempo real, com capacidade de reação pelos agentes de segurança, demonstram certo grau de eficiência.

Temos, todavia, na atualidade, terceiro grupo de pessoas que, em razão do vício nas drogas, especialmente os usuários de crack, passaram a constituir parte do problema da insegurança pública. A necessidade de obter dinheiro para a manutenção do vício leva essas pessoas a cometerem atitudes insanas, colocando em risco não só o próprio agente, mas também as pessoas que eles abordam. Alguns ficam completamente transtornados diante de episódios de abstinência, e o resultado pode ser trágico.

É óbvio que essas pessoas precisam de tratamento e de cuidado. Não irão buscar ajuda por conta própria, isso é uma utopia. A política de fechamento de estabelecimentos psiquiátricos, sob o falso argumento de que a família é quem deve cuidar, foi um desastre. A família, em geral, não possui recursos, conhecimento, nem qualificação para solucionar um problema extremamente complexo que a própria ciência, ainda, não conseguiu desvendar por completo. Sem falar que os familiares estão emocionalmente envolvidos no problema e isso causa um desgaste que, muita vez, gera o adoecimento de toda a família.

É preciso que profissionais preparados, capacitados e com os recursos necessários, façam o tratamento que o quadro da doença exija. Óbvio, que isso deve ser feito com todo o cuidado, com respeito à dignidade humana, com respeito ao devido processo legal, e tanto quanto possível com respeito à vontade do agente, mas não dá para largar essa população na rua, sem tratamento, sem cuidado, sem abrir uma esperança de mudança de rumo.

Todos nós prezamos nossa liberdade e nosso direito de escolher nosso próprio destino, mas para isso precisamos cumprir às leis e termos condições (de saúde e financeiras) para arcarmos com nossas escolhas. Se a pessoa estiver descumprindo a legislação, e roubando para se manter no vício, não tenho dúvidas de que o Estado deve assumir a gestão do tratamento (melhor do que mantê-lo em presídio).

Nossas cidades, especialmente as maiores, estão com grande desafio no que toca à segurança pública. É preciso agir, com cuidado, mas com firmeza, separando os diversos agentes causadores dos ilícitos de acordo com sua motivação e a gravidade do quadro. Aportando os recursos necessários e o pessoal técnico qualificado sem o que não teremos solução.

É preciso diagnóstico correto e instrumentos de ação eficientes. Todavia, o que não podemos é ficar parados assistindo o problema aumentar dia após dia. Com a palavra, nossas autoridades.

*Ricardo Prado Pires de Campos é mestre em Direito Processual Penal, professor convidado da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, foi promotor e procurador de Justiça e, atualmente, é vice-presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica