Por Adriana Barrea e Ivan Carneiro Castanheiro*
11/05/2023 | 05h00

Vivemos o mundo digital na era disruptiva[1], em que as notícias da manhã são modificadas até o final do dia.  Mais do que viver, os humanos devem ser  rápidos, atuais, dinâmicos e conectados.

Como seres sociais, estabelecemos nossas relações pessoais, de trabalho, de consumo, de viagens, de amizade, de sucesso, de fracasso e interagimos, agora mais por intermédio das plataformas do que ao vivo e em  cores.

Nessa ordem de ideias, a riqueza da era disruptiva são os dados disponibilizados e a informação.  Se estiverem em plataformas digitais e nas redes sociais, tanto melhor.

A legislação estrangeira mais abrangente sobre o uso e tratamento de dados  (GDBR) está em vigor desde maio de 2018.

Já no Brasil, contamos com a proteção da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) e com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), os quais tratam dos temas de uso e tratamento dos dados e em plataformas digitais.

Pois bem. Neste caldo interativo social,em meio às relações virtuais, surgem os conflitos que, para serem dirimidos, contam com todo o sistema de justiça que conhecemos, posto à provaa cada movimento da inovação tecnológica.

De um lado, a tecnologia avançando, os dados cada vez mais acessíveis, o Big Data[2] a crescer de forma vertiginosa. De outro, os direitos e garantias fundamentais que custamos séculos para regulamentar.

O Direito ganha novos contornos e desafios, dentre os quais, a busca do meio termo para compatibilizar as tecnologias e a centralidade do homem no contexto das benesses digitais  ( cite-se a a inteligência artificial e a supervisão humana).

No centro da discussão atual, acrescentem-se  as reflexões em torno da transição ecológica, da  saúde, da indústria, da produtividade no trabalho e da governança dos serviços privados e públicos, bem como a crescente necessidade de acolhimento dos novos profissionais lançados semestral ou anualmente no mercado pelas universidades. Como não bastassem as dificuldades de um iniciante, tem, ainda, o seu ingresso  ou permanência no mercado de trabalho ameaçados por essas novas tecnologias digitais, as quais compilam textos e informações relevantes, fazem análises conjunturais etc., permitindo decisões, ações rápidas e estratégicas, cada vez com menos dependência do elemento humano e de forma mais objetiva.

Além de estudos, pesquisas e capacitação,  aos operadores do Direito é posta a necessidade e o desafio de enfrentar e encontrar soluções para as questões relacionadas com esses temas, dentre os quais a flexibilização da legislação vigente e as novas propostas. Ora, se o Direito tem como função primeira atender às demandas que nascem das relações sociais, é correto afirmar que,  em todas as suas divisões – Constitucional, Civil, Penal, Processual Penal, Processual Civil, bem como em suas respectivas subdivisões – há de se buscar a sua adequação à era digital e disruptiva. Tudo em meio à possibilidade de parcial substituição desses mesmos operadores.

Não bastassem todos esses fatores, os efeitos da tecnologia sobre os seres humanos são vividos a cada semana e com velocidade que nos assusta e nos desafia. Qual será o parâmetro e em que ponto da era digital os seres humanos chegarão?

No dizeres de Max Fisher,  em”A máquina do caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo”, observa que:(…) “A tecnologia das redes sociais exerce uma força de atração tão poderosa na nossa psicologia e na nossa identidade, e é tão predominante na nossa vida, que transforma o jeito como pensamos, como nos comportamos e como nos relacionais uns com os outros. O efeito, multiplicado por bilhões de usuários, tem sido a transformação da própria sociedade”.[3]

Fato é que a sociedade deverá considerar a gradação de riscos no uso das tecnologias, em especial a governança, incluída a regulação do uso e produção destas, com mecanismos em que a intervenção humana seja precípua. Como parte importante para solução desses conflitos, o sistema judiciário, como já dito, não pode ficar às margens dessas vertiginosas transformações.

Afinal, o uso de veículos autônomos, de sistemas biométricos, de avaliação de serviços já são realidade posta.

Cite-se, ainda que os fundamentos e princípios éticos vêm sendo construídos pela sociedade, a fim de tornar seguro, possível e concreto o desenvolvimento e a utilização dos sistemas de inteligência artificial. Neste ponto, a normatização, se adequada, garantirá: a não-discriminação em razão de vieses algorítmicos[4], informação e compreensão das decisões tomadas pos estes sistemas, auditabilidade, transparência e intervenção humana para coibir práticas descontroladas do uso destas tecnologias.

Nesse contexto confiram-se as propostas veiculadas por meio do Projeto de Lei 21/2020, de autoria do Deputado Federal Eduardo Bismarck, o qual estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil, ao propor a criação do marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas. Tal proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados, como Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei nº 21, em 29/09/21, estando em análise no Senado Federal, com remessa ao Plenário em 16/02/23 e se encontra aguardando despacho.

Para arrematar, pensamos que, a par da flexibilização da legislação, sempre em sintonia com Tratados e Convenções Internacionais, há de se considerar os princípios éticos  que devem reger este novo mundo tecnológico, a informação e a educação digital, fundamentais para o desenvolvimento das sociedades, não somente em nível de Brasil, mas em âmbito mundial.

Quanto mais informações seguras e de qualidade, tanto mais segurança teremos em fazer as melhores escolhas como cidadãos e consumidores dessa nova fonte de riqueza, os dados.

Certamente chegarão demandas ao sistema de Justiça contestando as novas ferramentas digitais ou seu mau uso decorrente de falsas premissas (informações com vício de origem, como em caso de dados incorretos ou mendazes).

O encaminhamento dessas investigações e as respectivas decisões demandarão operadores do Direito cada vez maiscapacitados e preparados para a realidade que se rapidamente se avizinha.

[1] “O termo ‘disruptivo’ é agora amplamente utilizado para descrever novos produtos que transformam os mercados existentes à medida que se mudam para uma posição dominante.” O que são tecnologias (inovação) disruptivas? Disponível em https://www.fm2s.com.br/blog/inovacao-disruptivas?gclid=Cj0KCQjwu-KiBhCsARIsAPztUF0M6Ne8mmR9k9w4b8XfZ0ORc26pcaE6jqL2OKbgA9QtuJORH5AgYAIaAuOwEALw_wcB>. Acesso em 08.maio.2023.

[2] “termo usado para definir um grande volume de dados. Além disso, significa a coleta, o gerenciamento e análise desses dados.”, cujo “soma de dados estruturados e desestruturados de fontes diversas – nuvem, rede de servidores e algoritmos –  que podem ser usados em diferentes aplicações. O Big data serve para  “coletar, armazenar e analisar os dados para fornecer uma visão holística do que está acontecendo em uma determinada área”, orientando a tomada de decisões em planejamentos estratégicos. In “Big data: o que é, como funciona e suas ferramentas”. Disponível em https://news.ifood.com.br/big-data-o-que-e-como-funciona-e-suas-ferramentas/?utm_term=&utm_campaign=%5BDINAMICO%5D+TODO+SITE&utm_source=adwords&utm_medium=ppc&hsa_acc=5987880013&hsa_cam=17215520393&hsa_grp=135731022199&hsa_ad=596951749416&hsa_src=g&hsa_tgt=dsa-19959388920&hsa_kw=&hsa_mt=&hsa_net=adwords&hsa_ver=3&gclid=Cj0KCQjwu-KiBhCsARIsAPztUF0LibUaGi6CZGOgpgeKNvoPa9sM4GVr5910k_Y-Wc973FtLnjPMbw0aAvQvEALw_wcB. Acesso em 08.05.2023.

[3] Disponível em https://books.google.com.br/books?id=akqtEAAAQBAJ&pg=PT16&lpg=PT16&dq=fisher+%22A+tecnologia+das+redes+sociais+exerce+uma+for%C3%A7a+de+atra%C3%A7%C3%A3o+t%C3%A3o+poderosa%22&source=bl&ots=7VIZ4aMr7B&sig=ACfU3U2rcWTYm_XqdmQCJ_XUK3nuPsRVSg&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwiN4Ym65-X-AhUQIbkGHSK4DNYQ6AF6BAgIEAM#v=onepage&q=poderosa&f=false. Acesso 08.mai.2023.

[4] Algoritmo é um conjunto de regras, que “compreende uma sequência finita de ações executáveis (passos) para resolver um problema, ou no caso mais comum em Ciência da Computação, executar uma tarefa. O algoritmo em si não é o programa, mas a sequência de ações e condições que devem ser obedecidas para que o problema seja resolvido”. IN: “O que é algoritmo?. Ronaldo Gogoni. Disponível em https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-algoritmo/#:~:text=O%20algoritmo%20%C3%A9%20o%20conjunto,as%20do%20dia%20a%20dia.>. Acesso em 08.maio.2023.

*Adriana Barrea, juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nas Varas Cíveis de Campinas. Cursando especialização em Direito Digital pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).  Juíza Auxiliar no DIPO – Departamento de Inquéritos Policiais – SP – de julho 2020 até abril 2022. Graduada em Letras pela UNIP. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Paraíba. Formação em Justiça Restaurativa pela Escola Paulista da Magistratura e pela ENFAM. Especialista em Serviço Social, Ética de Direitos Humanos pela Faculdade Unylea. Integrante do Convênio de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher –  UNIARAS e Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo – 2017-2019. Coordenadora do Grupo de Estudos de Justiça Restaurativa  e Implementação do Polo Irradiador na Comarca de Leme – 2018 e 2019

*Ivan Carneiro Castanheiro, promotor de Justiça – MPSP (GAEMA PCJ-Piracicaba). Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Ambiental e Urbanístico na ESMP-SP. Membro da Associação “Movimento do Ministério Público Democrático” (MPD). Professor Direito Ambiental, Administrativo e Constitucional, na UNIP/Limeira. Membro do Conselho Consultivo do Projeto “Conexão Água” (MPF). Coordenador do 17º Núcleo da ESMP (Piracicaba). Diretor de Publicações da ABRAMPA – Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público. Autor de capítulos de livros e artigos jurídicos na área ambiental e urbanística. Membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAM)

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica