Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser*
05 de novembro de 2022 | 05h00

O plano de saúde tem por escopo a disponibilização de serviços para a preservação e recuperação da saúde do seu contratante e, para tanto, deve assegurar durante todo o contrato, especialmente em sua execução, adequada prestação e continuidade da assistência médico-hospitalar e laboratorial contratada pelos consumidores.

Não é demasiado rememorar que, em se tratando de plano de saúde, são aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor.

CLÁUDIA LIMA MARQUES ensina:

“(…) apesar da L. 9656/98, na sua versão atual, nominar os antigos contratos de seguro-saúde como planos privados de assistência à saúde, indiscutível que tanto os antigos contratos de seguro-saúde, os atuais planos de saúde, como os, também comuns, contratos de assistência médica possuem características e sobretudo uma finalidade em comum: o tratamento e a segurança contra os riscos envolvendo a saúde do consumidor e de sua família ou dependentes. Mencione-se, assim, com o eminente Professor e Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que: “Dúvida não pode haver quanto à aplicação do Código do Consumidor sobre os serviços prestados pelas empresas de medicina de grupo, de prestação especializada em seguro-saúde. A forma jurídica que pode revestir esta categoria de serviço ao consumidor, portanto, não desqualifica a incidência do Código do Consumidor. O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previstos no art. 6º do Código (…)”.

Nos termos da Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça, aplicam-se aos contratos de seguro saúde os ditames do Código de Defesa do Consumidor, com exceção daqueles administrados por entidades de autogestão.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, dispõe que “a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios…I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo…”.

O artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, constitui direito básico do consumidor à facilitação de sua defesa e essa garantia visa proteger a parte mais fraca da relação de consumo.

A norma é baseada no princípio da vulnerabilidade que é inerente ao consumidor na relação de consumo, razão pela qual é cabível a inversão do ônus da prova.

É cediço, ainda, que os fornecedores devem promover o direito à informação do consumidor (art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).

Outrossim, cabe destacar que o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor estatui que “a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, extensiva, em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia e prazo de validade de origem, entre outros dados”.

Portanto, o dever de informar é fonte de obrigações civis, com base na responsabilidade contratual e não um simples controle sobre a enganosidade ou abusividade da informação e traz, assim, como elemento de grande importância para que o consumidor esteja habilitado para conhecer a qualidade do bem ofertado pelos seus próprios meios, exercendo a livre escolha do que lhe é assegurado.

Nessa linha, o consumidor deve ter plena ciência do contrato e eventuais alterações promovidas, assegurando-se proteção às legítimas expectativas da contratação original, sendo vedadas as práticas abusivas, de acordo com o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor[1].

As práticas abusivas são condutas que causam um maior desequilíbrio existente entre o fornecedor e consumidor na relação consumerista e não podem, sob hipótese alguma, ser afastadas pela livre vontade das partes.

Para DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES e FLÁVIO TARTUCE[2], as práticas abusivas encerradas pelo artigo 39 são assim conceituadas:

“Deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer conduta ou ato em contradição com o próprio espírito da lei consumerista. Como bem leciona Ezequiel Morais, ‘prática abusiva, em termos gerais, é aquela que destoa dos padrões mercadológicos, dos usos e costumes (incs. II e IV, segunda parte, do art. 39 e art. 113 do CC/2002) e da razoável e boa conduta perante o consumidor’. Lembre-se de que, para a esfera consumerista, servem como parâmetros os conceitos que constam do art. 187 do CC/2002: o fim social e econômico, a boa-fé objetiva e os bons costumes, em diálogo das fontes. Há claro intuito de proibição, pelo que enuncia o caput do preceito do CDC, a saber: ‘É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas’. Na esteira do tópico anterior, a primeira consequência a ser retirada da vedação é a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou prestador de serviços. Além disso, deve-se compreender o art. 39 do CDC como em um diálogo de complementaridade em relação ao art. 51 da mesma norma. Deve haver, assim, um diálogo das fontes entre as normas da própria Lei Consumerista. Nesse contexto de conclusão, se uma das situações descritas pelo art. 51 como cláusulas abusivas ocorrer fora do âmbito contratual, presente estará uma prática abusiva. Por outra via, se uma das hipóteses descritas pelo art. 39 do CDC constituir o conteúdo de um contrato, presente uma cláusula abusiva. Em suma, as práticas abusivas também podem gerar a nulidade absoluta do ato correspondente.

Dessa forma, são práticas abusivas as condutas dos fornecedores que desvirtuem os padrões de boa conduta nas relações de consumo, excedendo os limites da boa-fé.

Ademais, estatui o artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

Nesse diapasão, ocorre a transgressão às disposições basilares estabelecidas no diploma consumerista e na legislação sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, quando a operadora promove o descredenciamento de instituições médico-hospitalares e laboratoriais de atendimento aos consumidores, sem a respectiva reposição equivalente da cadeia de prestadores e/ou adequada informação[3], notadamente àqueles que se encontravam em tratamento, além do descumprimento das garantias anteriormente pactuadas.

Tal prática representa abusividade, que causa prejuízos a elevado número de consumidores, vez que desapossados de acesso aos serviços médico-hospitalares, com a possibilidade de interrupção de tratamentos, com agravamentos de danos e eventuais óbitos, especialmente por envolver a questão direitos básicos como proteção da vida e saúde.

[1] Artigo 39 do CDC: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.

[2] Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 276.

[3] Artigo 17 da Lei nº 9.656/1998: A inclusão de qualquer prestador de serviço de saúde como contratado, referenciado ou credenciado dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei implica compromisso com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos, permitindo-se sua substituição, desde que seja por outro prestador equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência.

*Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, procuradora de Justiça / Ministério Público do Estado de São Paulo e associada do Movimento do Ministério Público Democrático

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