Para uns há excesso de punição. Para outros, ausência. Paradoxalmente, é possível que todos tenham razão

Por: Mário de Magalhães Papaterra Limongi

Fatos recentes no Rio Grande do Norte suscitaram a renovação da discussão sobre a situação de nossos presídios com a constatação de que todas as ações criminosas e de vandalismo, que deixaram a população e as autoridades assustadas, foram planejadas dentro dos presídios que, em tese, são controlados pelo Estado.

Mais uma vez, a superlotação carcerária voltou a ser discutida, assim como voltou à baila a discussão antiga sobre a eficiência do nosso sistema repressivo. Infelizmente, com o passar dos dias, a discussão diminui e o assunto é esquecido.

Não há como negar que o sistema de justiça criminal brasileiro apresenta desafios significativos, com prisões superlotadas, violência, corrupção policial, desigualdade econômica e racial e falta de recursos para investigação e julgamento adequados.

Há quem diga que no Brasil se prende mal, assim como há os que dizem que se prende pouco. Para uns há excesso de punição. Para outros, ausência. Todos concordam, no entanto, que a violência só aumenta em razão de falha no sistema de repressão à atividade criminosa. Paradoxalmente, é possível que todos tenham razão.

Quem vê casos como o do ex-governador Sérgio Cabral, condenado a mais de cem anos de reclusão em liberdade, e a falta de punição em casos emblemáticos como a tragédia da Boate Kiss, engrossa a corrente dos que dizem que a impunidade incentiva o aumento da criminalidade. No entanto, quem se der ao trabalho de ver quem está preso, verificará que muitos poderiam estar em liberdade.

A ideia, que parece ser majoritária, de que nossas leis são excessivamente benevolentes, conduz a uma postura mais dura dos nossos julgadores, levando ao que se poderia chamar de cultura de condenação. De outro lado, há uma ideia generalizada de que as penas são insuficientes em face dos benefícios previstos na Lei de Execução Penal. Este pensamento conduz a uma postura mais dura de parte dos juízes criminais no transcorrer do processo.

Apesar da introdução, mais do que benvinda, da audiência de custódia, é frequente que réus permaneçam presos durante o processo e, ao serem condenados, sejam postos em liberdade, o que, claramente, soa contraditório.

Desnecessário dizer que mudanças são necessárias. Neste passo, destaque especial cabe à chamada Lei de Drogas. Ninguém pode ignorar o mal que representa o tráfico, assim como a repulsa que deve causar a figura do traficante. Ainda que se possa considerar o tráfico de drogas uma das principais causas da violência, é preciso repensar a forma de combate.

Duas questões merecem destaque: a) enquanto houver usuário, haverá tráfico; b) a lei não distingue, com a clareza necessária, o gerente do tráfico, merecedor de punição rigorosa, e, em geral, não identificado, do pequeno traficante, o chamado “mula”, em geral jovem e peça de fácil reposição.

Pelo texto atual, uma interpretação mais literal do que dispõe a lei conduz o “mula” ao sistema fechado. Esses pequenos traficantes são facilmente seduzidos pelos líderes das facções criminosas recolhidos às prisões. Assim, a prisão destes pequenos traficantes aumenta a mão de obra do crime organizado. Dessa forma, a falta de um combate eficiente ao tráfico de drogas pode alimentar as facções criminosas.

É fácil constatar que houve aumento de prisões e mesmo de apreensões, mas nem por isso houve aumento de eficiência. Se a ação repressiva estivesse produzindo os resultados alardeados pelos governantes, certamente haveria maior dificuldade para os traficantes com o consequente aumento de preço das drogas, o que, de fato, não ocorreu.

Vivemos o seguinte paradoxo: anualmente recordes de apreensão são batidos sem que o número de usuários diminua, o que evidencia o fracasso da política de repressão e combate ao tráfico de drogas. De outro lado, o aumento de presos não perigosos propiciou o aumento do poder das organizações criminosas nos presídios.

A questão penitenciária tem que ser encarada como um problema. Não se trata de falta de vontade política, mas, na verdade, de ignorar o problema. Nossas cadeias não podem permanecer como depósitos de gente, sem separação de presos e com agentes penitenciários amedrontados e sem treinamento especializado. Na última campanha política, a questão sequer foi debatida.

Nenhum governo (estadual ou federal) investe em presídios seguros e humanos, assim como em treinamento para os agentes penitenciários. Enquanto a questão não for enfrentada, o sistema penitenciário será mais uma causa para o aumento da violência e do poder das facções criminosas.

Já passou da hora para que o problema seja enfrentado!

Mário de Magalhães Papaterra Limongi é procurador de Justiça aposentado e membro do MPD.