Por Ricardo Prado

A luta dos movimentos feministas e dos afrodescendentes sofreram um duro golpe com a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para dar anistia aos partidos políticos. Durante décadas, esses movimentos têm trabalhado para aumentar sua representação política e estão conseguindo, embora lentamente. Nessa luta por emancipação e igualdade política, os sistemas de cotas colaboram muito. Não são a solução definitiva, mas, nesse momento da história, conseguem assegurar passos largos no caminho do objetivo.

Todavia, quando os movimentos conseguiam uma importante vitória consistente no direito de verbas partidárias para dar consistência as suas candidaturas sobrevieram um grande balde de água fria.

A proposta configura um grande retrocesso, pois, a PEC concede anistia aos partidos políticos que não cumpriram as cotas. O problema da PEC não é o passado, é o futuro. Essa é a segunda proposta de anistia seguida.

Ou seja, o Parlamento aprova o objetivo, impõe as condições, o TSE colabora exigindo mais empenho e, aí, os partidos não cumprem. E fica por isso mesmo?

Alguma sanção, por menor que fosse, seria necessária; do contrário, o descumprimento vira regra.

Sabemos que as grandes sanções, em verdade, não costumam colaborar muito com o desenvolvimento da sociedade. Elas decorrem do desejo de vingança, e a vingança não constrói, destrói. Todavia, também sabemos que as condutas precisam de estímulos ou sanções para serem alteradas.

O ponto que mais chamou a atenção, no entanto, na votação da PEC, foi o fato das mulheres, as parlamentares do grupo feminino votarem pela anistia dos partidos. Isso foi chocante num primeiro momento.

Todavia, é preciso reconhecer que essas parlamentares precisam dos partidos, vivem dentro dos partidos, e não podem ser excluídas da vida partidária, do contrário, estarão excluídas da política.

Se o que se quer é maior participação política das mulheres e dos afrodescendentes, é preciso reconhecer que eles e elas precisam dos partidos para se candidatarem e, portanto, não podem fazer oposição radical aos líderes partidários mesmo que, em alguns momentos, tenham interesses diversos.

Ou seja, mulheres e negros têm necessidade dos partidos para se candidatarem, não conseguem votar contra os interesses de seus partidos, pois, são minorias nesses ambientes e seriam excluídos da agremiação, mesmo que essa exclusão não fosse oficial.

Todos sabemos que a sociedade possui mecanismos oficiais e não oficiais de punição; e por vezes, é difícil escapar quando se confronta com o grupo dominante.

Nem sempre a luta se define pela força, a força do voto nas democracias. É preciso estratégia, especialmente quando não se está no poder.

Após o choque inicial, quando vi o número de mulheres parlamentares que haviam votado contra os interesses do movimento feminista, meditando melhor sobre a questão, percebi que elas não teriam como se opor aos interesses de seus próprios partidos.

Em verdade, estamos diante de um grande conflito ideológico: os partidos são instrumento necessário em nosso sistema democrático, mas eles próprios estão, nesse ponto, atrapalhando o avanço da democracia. Estão impedindo maior diversidade na política. Suas resistências às cotas para mulheres e negros excluem da vida partidária e política grande contingente de brasileiros que precisam dessas representações.

Creio que os movimentos feministas e antirracistas precisam focar estratégias de participação partidária, enquanto não disputarem espaço de poder internamente nessas agremiações, continuarão enfrentando obstáculos para maior participação política de seus membros.
E a sociedade precisa cobrar dos partidos uma maior democracia interna.

Os partidos não podem ser propriedade de determinadas pessoas, são espaços de poder criados no estado democrático de direito e devem servir a toda a população e não apenas a pequenos grupos. Há focos de absolutismo monárquico que resistem ao ideal republicano de alternância no poder.

A luta pelo poder vem sendo civilizada ao longo dos séculos, já custou muitas vidas no decorrer da história, ainda custa muitas carreiras. No entanto, precisamos continuar caminhando no sentido de promover a igualdade de oportunidades para todos e todas, independente de eventuais diferenças relacionadas a raça, sexo, origem de nascimento e outras mais.

Art.5º da Constituição Federal. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Resta trabalhar para que o comando constitucional se transforme em realidade efetiva.