Por Ricardo Prado

E Deus disse: faça-se o mundo e o mundo se fez (Gênesis, capítulo 1•).
Certa vez, me perguntei, em meus 35 anos de serviços prestados à Justiça, qual seria a maior lição apreendida em toda minha carreira. É certo que foram muitas, mas aprender a força da palavra foi provavelmente a maior de todas.
Durante a adolescência, eu era tímido. Não apreciava as conversas em grupo, preferia os colóquios mais restritos. Acreditava que, em grupos, as pessoas não prestam muita atenção e a conversa não ia muito longe. Todavia, a vida se encarregou de mostrar meus erros, ou melhor, me mostrar sua força.

Comecei fazendo pequenas palestras e lendo passagens bíblicas durante a missa. Depois, o tempo das palestras cresceu e dos 15 minutos iniciais passei a falar por muito tempo. Ingressei no
Ministério Público e vieram as audiências quase que diárias. Depois, o tribunal do Júri. Fazer sustentações no tribunal popular é um grande desafio, não são todos os profissionais que ousam fazê-lo, afinal, a sessão é pública e você está sob a pressão e a fiscalização das pessoas presentes. O medo de passar vergonha é o que afasta as pessoas de falar em público. Aquelas que não têm muito senso de ridículo falam qualquer bobagem, mas quem possui juízo crítico, muita vez, deixa de se manifestar com receio de estar errado e perde grandes oportunidades.

Falar em público é libertador. Você ganha autoconfiança, autoestima e passa a ter o direito de participar e dar sua opinião. É muito gratificante. Mas não é só isso. Tem muito mais. Um dos grandes problemas das vítimas da violência (física, psicólogica, patrimonial e até sexual) é que elas sofrem em silêncio. Não falam. Se sentem humilhadas, impotentes, e não reagem. Não sabem como reagir, mas a capacidade de reação está nelas, está na palavra, está na denúncia, está na busca de socorro, está na conversa, no diálogo. Se as vítimas de violência soubessem a força que possuem, certamente não se sujeitariam ao desprezo que sofrem. Não é por acaso que as ditaduras tentam calar a oposição e buscam censurar a imprensa. Para dominar é preciso que o outro pare de resistir, e enquanto houver fala, haverá resistência.

Para as pessoas que sofreram ou estão sofrendo algum tipo de violência, recomendo: falem. Por mais doloroso que seja, falem. Se possível, procurem alguém que saiba ouvir, que possa ajudar: um amigo, familiar, colega de escola ou de trabalho, uma professora ou autoridade pública, mas procure alguém que lhe inspire confiança. Nem sempre dará certo com a primeira pessoa (nos enganamos quanto a elas muita vez), não tem problema, insista, procure outra. E mais outra, até encontrar a pessoa correta. Alguém poderá lhe ajudar. Há muitas autoridades públicas que têm essa função e que a cumprem com retidão e zelo. Uma das funções que mais me gratificaram na promotoria era atender ao público e poder ajudar na solução de problemas.

Além do Ministério Público, a Defensoria Pública tem prestado relevantes serviços à população. Pode ser um professor ou professora, um médico, uma psicóloga ou assistente social.

Todos esses são profissionais voltados ao atendimento das pessoas e sabem como ajudar de alguma forma.

O silêncio das vítimas é o paraíso dos agressores. Vale lembrar aqui a célebre “lei do silêncio”, imposta pelas máfias e organizações criminosas. Impedir às vítimas de falarem, assegura o domínio, a servidão e a escravidão. Em sentido contrário, a fala gera reação, a fala agrega pessoas, possibilita obter ajuda, descobrir rotas de fuga, e até confrontar o agressor. É lógico que aqui a situação é mais complexa. Confrontar o agressor exige coragem, exige medir forças, impõe avaliar a situação e preparar salvaguardas para não terminar em tragédia. No entanto, é inegável que até o agressor costuma ficar incomodado se houver obstáculo, muitos desistem da agressão com receio da reação ou de suas consequências. A oposição por palavras tende a causar insegurança no outro agente e,por vezes, impedir que a ação violenta se consume. Um grito:

Fogo; uma palavra: Pare; uma súplica: socorro; podem gerar resultados diferentes do que a situação inicial sugeria.

Aprenda a falar, quanto mais público melhor, maiores suas oportunidades, maior seu poder, mais amizades, maior o alcance.

Não se deixe vencer pela vergonha, pelo receio de errar, pelo medo de não agradar a todos; ninguém agrada. Nem Jesus conseguiu tal proeza. Então, mãos à obra. Pode ir aos poucos, mas aja. Ensaie na frente do espelho se for preciso. Faça aulas de teatro. Apresente trabalhos orais. Aproveite as oportunidades que a vida lhe der, e se não tiver, crie as opções. Na escola, há oportunidades para falar em público; no trabalho, também; até nas Igrejas, elas existem. Aproveite, ouse. Assista outros oradores, treine e execute.

Já tive oportunidades de falar em programas de rádio, televisão, participar de debates, audiências públicas e até em sessão na Câmara dos Deputados, coordenar reuniões e lives em redes sociais. E tudo começou lendo textos da Bíblia na Igreja. O poder da palavra. A palavra liberta dos grilhões da ansiedade, do medo, da violência; a palavra cria a realidade: empregos, relacionamentos, produtos (livros, músicas, peças de teatro, roteiros de cinema e muito mais); a palavra permite programar nosso futuro, organizar nosso presente, desvendar nosso passado e exorcizar nossos medos e angústias.

Palavra é vida, é força, é criação, muda a realidade, permite até liderar um país.

Não se acanhe, use sua fala da melhor maneira possível, mas não se engane, há limites.

A palavra também pode ferir, pode machucar e até matar, pode mentir, pode enganar, pode magoar. Hitler não foi fotografado portando armas, mas diante de microfones, muitos microfones, tudo para amplificar sua voz. As grandes lideranças de hoje nas redes sociais, os influenciadores são pessoas que usam as palavras para ensinar, entreter, ajudar, vender. Se não aprendeu a usar as palavras (faladas ou escritas) em seu favor, faça-o, ainda, dá tempo e verá uma grande mudança em sua vida.

 

Ricardo Prado Pires de Campos é Presidente do Ministério Público Democrático, professor de Direito Penal, foi promotor e procurador de Justiça (aposentado), é coautor nos livros 200 anos de Independência do Brasil (Quartier Latin) e Em defesa da Democracia (Editora Dialética)