Redução da maioridade penal é “estelionato contra a sociedade”


A redução da maioridade penal foi considerada pelo Movimento do Ministério Público Democrático como um “estelionato” em que se engana a sociedade com o pressuposto de que solucionaria a criminalidade juvenil. A afirmação foi feita pelo presidente da entidade, Roberto Livianu, durante Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo

O Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) considera que a PEC-171 é um verdadeiro “estelionato para a sociedade” em que se vende a ideia de que a redução da maioridade penal é a melhor solução para a violência praticada por menores. Segundo o presidente da entidade, o promotor Roberto Livianu, a proposta deve causar mais mazelas sociais que realmente trazer benefícios. O promotor defende que a sociedade precisa abrir os olhos para o assunto e que é fundamental ao estado a implementação de “políticas públicas claras e responsáveis, pois redução não é a solução”.
No caso da aprovação da Lei, Livianu questiona a possibilidade de ressocialização dos menores visto que haveria um encarceramento massivo de jovens negros e pobres como uma das principais consequências. Nisso, o promotor ressalta que os índices de reincidência dos adolescentes são muito baixos se comparados aos de adultos. Essas afirmações foram feitas durante uma Audiência Pública sobre Maioridade Penal realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) na manhã desta segunda-feira, 05 de maio.
Durante o debate, Roberto Livianu destacou ainda a superlotação das unidades de internação de menores, a exemplo da Fundação Casa no Estado de São Paulo como um problema já presente na atualidade e que viola os direitos fundamentais dos adolescentes. “A questão está na justiça e precisa ser examinada com cuidado. Temos um estatuto que é modelo para o mundo e precisa ser cumprido. Vamos educar esses jovens e não estimular a vingança.” Além disso, reforça o entendimento que a emenda afronta uma das cláusulas pétreas da Constituição, o art. 228, e que “se fosse aprovada, com certeza, o Supremo Tribunal Federal iria reconhecer a inconstitucionalidade desta modificação”.
Presente na Audiência, o promotor da Infância e Juventude de São Paulo e membro do MPD, Tiago de Toledo Rodrigues, relembra que o MPD está decepcionado com as políticas públicas do estado de São Paulo quanto a criminalidade na adolescência. Nisso, ressalta que a Fundação Casa não presta um serviço de qualidade, no qual considera que a instituição “emprega e executa um processo socioeducativo muito deficitário e que não atende as necessidades dos adolescentes”. Rodrigues informa que o resultado desse processo é a sociedade arcando com as consequências de um trabalho insatisfatório, – inclusive financeiras, pois um adolescente infrator custa aos cofres públicos R$ 11 mil mensais – e que os reais benefícios e resultados só serão alcançados com um processo socioeducativo que respeite o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Nesse sentido, acredita a sociedade precisa ser chamada a atenção para o tema e ser esclarecida sobre alguns pontos da maioridade penal. Assim, o debate permeia as consequências e motivos em que o tema está envolvido e serve para mobilizar a população engajada e apoiadora da não redução. “(Eventos como a Audiência) levam informação para a população que não está familiarizada e só contribuem com a discussão do tema.”
Audiência Pública

A psicóloga e deputada Beth Sahão (PT-SP), organizadora da Audiência Pública “Maioridade Penal: punir os efeitos ou prevenir as causas?”, explica que o Brasil tem cerca de 24 milhões de adolescentes, entre 12 e 18 anos e que, apenas, 0.09% estão envolvidos em algum tipo de delinquência. “Desse ínfimo percentual de atingidos pela violência, somente 0.9% tiveram participação em atos contra a vida, como homicídio ou latrocínio.” Também apresentou dados de uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2011, os quais demonstraram que metade dos adolescentes cometeram o primeiro ato infracional entre 15 e 17 anos.
A mesma pesquisa, segundo a psicóloga, apresentou falhas no processo educacional. De acordo com as informações, os menores infratores abandonam a escola por volta dos 14 anos e que 90% dos adolescentes não conseguiram sequer concluir o ensino fundamental. “Quando não se está na escola, não se tem outra alternativa. O adolescente fica vulnerável e sob a influência dos traficantes de drogas”. Beth Sahão ainda mostrou que 40% dos estudantes que entram no ensino fundamental completam o ensino médio. “A escola aqui está falhando, então, quem falha é o estado que não consegue reter essas crianças dentro da sala de aula.”
Aumento das mazelas sociais

O aumento da criminalidade juvenil é uma das principais consequências que pode vir a ocorrer caso a PEC-171 seja aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela presidência da República. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Martim Sampaio, entende que as condições podem agravadas porque crianças e adolescentes serão levados a viver dentro do cárcere. Essa realidade proporcionaria um aumento do potencial de periculosidade do menor.
Sampaio explica que outras mazelas sociais sofreram influência desta Lei. Cita a prostituição praticada a partir dos 18 anos como um malefício que ganharia forma porque “meninos e meninas poderão praticar a prostituição a partir dos 16 anos. A redução da maioridade corresponde à aquisição de outros direitos. (Menores) poderão beber. Essa medida é um retrocesso”.
Propostas Alternativas

A necessidade do cumprimento eficiente do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de políticas públicas eficazes para os brasileiros dessa faixa etária foram outros pontos de comum acordo entre os participantes do debate. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Antonio Carlos Malheiros, declarou que propostas para a questão devem ser pensadas em longo prazo e voltadas para os pobres e para a periferia.
“O estado que se torna ausente, e isso é muito frequente, na vida das pessoas mais pobres, produz exatamente esse tipo de adolescente que nós não queremos.” Malheiros igualmente entende que os menores infratores são vítimas de um estado que não proporciona nenhuma política pública adequada para eles.
Já o advogado e vereador Ari Friedenbach (PROS-SP), cuja trajetória política se iniciou após o assassinato de sua filha, Liana, em 2003, defende outra proposta para a criminalidade juvenil. O projeto visa responsabilizar, dentro das leis do Código Penal, os menores em casos de crimes hediondos. Para Friedenbach, é preciso que se haja uma punição rigorosa para casos de extrema gravidade, mas esclarece que os adolescentes não podem ser postos nas prisões comuns “Caso ele seja condenado no processo, eu entendo que ele não deve cumprir pena no sistema prisional comum e, sim, numa unidade prisional administrada pela Fundação Casa”.
O advogado sugere outras medidas simples, que acredita ajudar na questão, como aumentar em 50% a pena do maior que aliciar menores para cometer crimes. Propõe também que os juízes puxem as fichas do réu no processo para que saiba se já possui passagem na Fundação Casa e, caso tenha, não responda como réu primário. “São mudanças pequenas na legislação que não passam por mudanças constitucionais, muitos simples e com efeitos muito grandes.”