Fabíola Sucasas*
07 Agosto 2018 |
Neste fim de semana, foram divulgadas as imagens em que a advogada Tatiane Spitzner apanha do marido, o biólogo Luis Felipe Manvalier. Feitas por câmeras de segurança, as cenas chocam por tamanha brutalidade antes da morte dela que, aos 29 anos, despencou da sacada de seu apartamento no quarto andar.
Quando crimes como este ganham repercussão nacional, é natural que comecem os questionamentos: por quê, afinal, uma mulher permanece em um relacionamento marcado pela violência? E a não denunciar? Muitos são os motivos mas um que merece a consideração é a dependência econômica. A nota técnica “Violência doméstica e familiar contra a mulher” de 2017 do Senado Federal aponta que 29% das mulheres ouvidas pela pesquisa mostram que a questão financeira é a principal motivação. Deste percentual, 32% já sofreram violência doméstica.
Quando se olha a renda média destas mulheres, o resultado dá bons indicativos: 33% delas não têm renda alguma enquanto 24% recebem até dois salários mínimos. E destas, 30% não exerce trabalho remunerado. Uma simples observação apenas deste indicativo oferece um único pensamento: que a violência doméstica e familiar precisa ser combatida e prevenida em uma longa caminhada que passe pela autonomia financeira. Um destes passos é o empreendedorismo feminino.
A violência no âmbito doméstico e familiar torna-se um grande desafio para a mulher trabalhadora, que tem que faltar para fazer exames como corpo de delito, testemunhar no distrito policial e, muitas vezes, é demitida por conta disso. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, de 1997, demonstrou que 25% dos dias de trabalho perdido por mulheres tem como causa a violência.
Mas vale trazer a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2016, que aponta que 51% dos empreendedores iniciais são mulheres. E de acordo com pesquisa do Sebrae-SP, 35% das empresas chefiadas por mulheres estão nas casas das mesmas. Atenta a estes dados, a cartilha “Prevenção da violência doméstica com a Estratégia de Saúde da Família” traz informações básicas para as mulheres formalizarem seus negócios, como criar uma Microempresa individual (MEI) e uma lista de cursos de capacitação oferecidos pelo Sebrae-SP.
Disponível em quatro línguas (francês, inglês, espanhol e português), a cartilha também é distribuída para as imigrantes em todo município de São Paulo. Coordenada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, tem a parceria da prefeitura, do Sistema Único de Saúde e apoio do Sebrae-SP. São mais de 55 mil exemplares e, somente na região central, 11.400 exemplares que chegam nas unidades básicas de saúde como dos bairros do Bom Retiro, Cambuci e Humaitá.
Desde Fevereiro de 2018, um termo de cooperação entre o MPSP e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania foi assinado, possibilitando que a Coordenação de Políticas para Mulheres apoiasse o projeto “Prevenção da Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família”, idealizado pelo MPSP em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e com a colaboração da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
Depois de quatro anos trazendo conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e os direitos das mulheres a milhares de mulheres de todo o Estado, por meio da formação de agentes comunitárias de saúde pelo MPSP sobre o enfrentamento à violência contra a mulher, o projeto foi finalista do Prêmio Innovare, o mais prestigiado na área jurídica, em 2016. Desde o começo do ano, a iniciativa virou lei em São Paulo, oficializando um programa do Ministério Público que apresenta resultados bastante consistentes na prevenção à violência doméstica em áreas de maior vulnerabilidade.
Graças a este trabalho que um grupo de mulheres participaram do primeiro curso Super MEI, para potencializar suas veias empreendedoras. Atendidas pela rede protetiva de Saúde e Assistência Social da região central da capital, elas têm entre 25 e 65 anos e aprenderam com consultores do Sebrae-SP conceitos básicos de gestão e administração de empresas.
Tanto o curso como o projeto fazem parte de um entendimento que cabe ao Ministério Público, garantidor constitucional da cidadania, articular políticas públicas com todos os entes federativos. É papel do MP alavancar a comunicação entre os serviços como fiscal da lei para, assim, conseguir prevenir e salvar a vida de mais mulheres.
*Fabíola Sucasas, promotora de justiça e diretora do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). É assessora do Núcleo de Inclusão Social do Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva
Clique aqui e leia o original no Estadão.
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