TEREZA CRISTINA MALDONADO KATURCHI EXNER 04 MARÇO 2024 | 5min de leitura
Aproxima-se o dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher. Essa data nos lembra a longa trajetória percorrida para assegurar o respeito à igualdade de gênero, com a erradicação de toda e qualquer prática discriminatória contra mulheres no mundo todo e nos aponta a necessidade de darmos prosseguimento a essa luta.
O Brasil possui avanços significativos a celebrar, como a lei Maria da Penha, as mudanças trazidas pelo Novo Código Civil, a reforma Penal e a Lei do Feminicídio. Apesar de toda essa evolução, a violência contra a mulher continua uma realidade diuturna em nossa sociedade. Entre todas as vertentes de enfrentamento, uma se mostra mais urgente, até porque os índices são inaceitavelmente alarmantes: a necessidade de erradicar o abuso sexual de crianças e adolescentes.
O Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública de 2023[1] mostra que a violência em geral e a violência contra a mulher cresceram em 2022.
Os casos de estupro atingiram os mais elevados índices da história: aumentaram 8,2%. 74.930 pessoas, das quais 88,7% do sexo feminino, foram vítimas desses abusos. Houve no período 56.820 estupros de vulneráveis, ou seja, de crianças e adolescentes com menos de 14 anos, perfazendo 61,4% dos casos. 68,3% desses crimes ocorreram no interior das residências das vítimas e entre as vulneráveis os autores eram conhecidos (86,1%), ou mesmo, parentes (64,4%).
No Estado de São Paulo, o número de estupros de vulneráveis também aumentou, dando um salto de 6,1%. Passou de 9.101 casos em 2021 para 9.716 casos em 2022, sendo certo que em cerca de 95% dos casos as vítimas eram do sexo feminino.
Apontam-se como causas prováveis do aumento da violência de gênero o menor investimento em políticas públicas de proteção à mulher, os impactos decorrentes da pandemia de covid-19 e o crescimento de reações contrárias ao debate de gênero e à ruptura do modelo da cultura tradicional, ancorada na manutenção da mulher em um papel secundário na sociedade, decorrente de um cenário ultraconservador que vem se delineando com mais vigor nos últimos tempos.
Indiscutivelmente houve um crescimento inaceitável, em todo o País, da violência sexual, principalmente contra vítimas vulneráveis. Mais espantoso esse cenário, se considerarmos que tais dados mostram apenas a ponta de um “iceberg”, pois levaram em conta somente os crimes notificados e, segundo estudos do IPEA, apenas 8,5% dos estupros são comunicados à polícia.
A falta de notificação de crimes de estupro de vulnerável ocorre muitas vezes em razão de tais abusos serem cometidos por familiares ou conhecidos, como já apontado acima, o que traz enormes entraves para que as vítimas consigam levar o fato ao conhecimento das autoridades. Isso permite que esses comportamentos se perpetuem e permaneçam invisíveis e impunes, com total violação e desrespeito dos direitos à proteção integral, saúde física e mental e dignidade dessas vítimas.
A dependência econômica é outro fator que contribui para que situações abusivas sejam toleradas por anos no ambiente doméstico, sacrificando duramente as vítimas, incapazes de reagir em nome da sobrevivência.
Dados recentes revelam que, durante a pandemia, o fechamento das escolas e o isolamento social expuseram, principalmente crianças, a situações de maior vulnerabilidade no campo sexual.
É um quadro estarrecedor. O Ministério Público deve estar sempre atento a todas os fatos noticiados nessa seara, ainda que inicialmente desacompanhados de provas sólidas, pois, como se sabe, a apuração desse tipo de crime é extremamente difícil, até em razão da sempre presente possibilidade de a vítima e seus responsáveis, indefesos perante pressões externas, temor e insegurança, acabarem optando pela retratação. Daí a importância do afastamento do ofensor e da proibição de seu contato com a vítima e de as oitivas serem feitas de forma protetiva, evitando-se a “revitimização”. Não menos imperioso garantir que a persecução penal transcorra com serenidade e eficiência para a responsabilização dos abusadores
Para dar maior eficácia a tais medidas, na área dos interesses difusos, o Ministério Público deve sempre trabalhar também para a estruturação eficiente da rede de atendimento para acolher as vítimas e prestar-lhes os atendimentos e orientações necessários.
Essas providencias nada mais constituem do que resposta mínima do Estado para abrandar o atroz o sofrimento dessas vítimas.
Para a contenção desse ciclo de violência sexual, importante também o papel das escolas e o acesso à educação em tempo integral. A escola é um espaço protegido de permanência de crianças e adolescentes enquanto seus responsáveis trabalham, também sendo um canal de busca de ajuda, quando a família falha nessa função. Muitas vezes as agressões são reveladas pelas vítimas aos professores ou percebidas por estes, que conseguem identificar sinais da violência e acionar os órgãos encarregados da apuração das violações de direitos. E, mais do que isso, as escolas têm papel imprescindível para a orientação dos jovens na conscientização de seus direitos e na orientação das formas de buscar auxílio em situações de abuso.
É fundamental que o Ministério Público atue na proteção do direito de acesso à educação, sem o que nosso país não conseguirá atingir um patamar mais elevado de desenvolvimento e justiça social.
Essa luta seguramente une a todos nós, dado que proteger a infância, proteger os nossos jovens, é dever imposto não só ao Estado, mas também à família e a toda a sociedade pela nossa Constituição Federal, em seu artigo 227, que disciplina a tutela especial e prioritária da criança e do adolescente.
Que possamos, então, todos juntos, construir tempos melhores, mais seguros e acolhedores para nossas meninas, nossas jovens, as futuras mulheres de nosso Brasil.
[1] https://publicacoes.forumseguranca.org.br/handle/fbsp/57
Tereza Cristina Maldonado Katurchi Exner, procuradora de Justiça em São Paulo e associada do MPD.
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