Fabiola Sucasas*
26 Janeiro 2018
Na semana que antecede à data que marca a visibilidade Trans (saiba mais aqui) é importante destacar iniciativa do Ministério Público Federal que inspira futuras ações dos MPs em todo o país e serve de marco para a instituição contribuir para ampliação da aceitação de todos como iguais. O MPF, através da Procuradoria Regional do Rio Grande do Sul, firmou compromisso com o Santander Cultural para realizar duas novas exposições, em proporções similares à Exposição Queer, sobre a temática da diferença e diversidade na ótica dos Direitos Humanos. Segundo o termo de compromisso, as novas exposições abordarão a temática da intolerância nos seguintes eixos: gênero e orientação sexual, étnicas e de raça, liberdade de expressão, e, em especial, formas de empoderamento das mulheres na sociedade contemporânea, bem como diversidade feminina. Aplausos à iniciativa.
O Ministério Público tem o compromisso constitucional da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Nossa República tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e, dentre seus objetivos a construção do bem de todos, sem preconceitos de cor, raça, origem, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza! Esta é uma garantia essencial e estrutural.
Assumir o papel de defensor da sociedade faz do Ministério Público uma instituição que repele e reprime qualquer iniciativa que tenta calar a nossa própria história e cultura. Somos um povo diversificado; não apenas se marginalizou a exposição, mas os grupos que ela representava. E isso é violência.
Ao longo de 2017, o Brasil teve 420 mortes documentadas segundo os dados levantados pelo site homofobiamata.wordpress.com. Relatórios e pesquisas apontam que o Brasil ocupa o primeiro lugar em assassinatos LGBT das Américas, que a probabilidade de um homossexual cometer suicídio é cinco vezes maior do que um jovem heterossexual, além de a expectativa de vida de transexuais ser de 35 anos, metade do que a média nacional.
São esses, dentre outros dados, que lamentavelmente escancaram junto com a violência praticada contra as mulheres e também contra as pessoas negras um Brasil que fomenta o preconceito, a discriminação e o ódio.
Segundo o dicionário Aurélio, preconceito é a ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial; a opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos, o estado de abusão, de cegueira moral.
A partir dos conceitos infundados, discrimina-se. E a discriminação escolhe, no universo do gênero e da orientação sexual, quem manda e quem obedece, o que é certo e o que é errado, qual o comportamento que se reputa por normal e qual se reputa por anormal, quem deve viver ou morrer.
A discriminação caminha com a desigualdade, em nome do exercício do poder, do privilégio, do prestígio, da influência, da superioridade, do ódio.
Entre os assassinatos, os suicídios e a pouca expectativa de vida da população LGBT no Brasil, há um universo cujos olhos devem se voltar àqueles que por tais são responsáveis: as pessoas que matam, que agridem, que fomentam o preconceito.
Se há um Brasil que ocupa tão vergonhosos índices, em breves palavras é possível dizer que resultam das ações de pessoas que nele se encontram e estabelecem as formas de se relacionar com os outros, com o que se define pela concepção do sujeito e o modo como ele deve ser educado e se desenvolver. E elas tem pele, cara, idade, instrução, classe social e religião. Como diz o jargão, “sua religião não é nossa lei”!
O Estado é laico, mas é preciso dizer que ainda que não se separasse “estado” de “religião”, é inconcebível o uso da crença para ignorar e violar a proteção de direitos humanos. Segundo o Ministro Barroso, na ADPF 461, diversidade de identidade de gênero e de orientação sexual são um fato da vida, um dado presente na sociedade. É nossa cultura e nosso povo. Se todos são dignos de igual respeito e consideração, que assim as novas exposições do Santander possam descortinar o mais alto grito da liberdade de expressão, marcando nossas dores e amores, pois “a diferença é o que nos traduz” (Kell Smith em “Coloridos”).
*Fabiola Sucasas, promotora de justiça e diretora do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático
Clique aqui e leia o original do Estadão.
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