26/08/2016
Conjur: Cegueira Social – Especialização do Direito estreita visão de mundo de advogados, promotores e juízes

Por Sérgio Rodas

A superespecialização do Direito faz com que o ensino jurídico se concentre em suas tecnicidades e feche os olhos para questões sociais, econômicas e filosóficas. O mundo dos estudantes das melhores faculdades é ainda mais fechado, já que as turmas são dominadas por estudantes brancos e de classe média alta. Com isso, quem consegue ingressar em um grande escritório ou passar nos concorridos concursos e ingressar no Ministério Público ou na magistratura tem, em regra, escasso conhecimento dos problemas dos brasileiros.
Essa é a análise de especialistas que discutiram nesta quinta-feira (25/8) a formação dos membros do MP no 5º Congresso Nacional do Movimento do Ministério Público Democrático: Ministério Público e sociedade – 25 anos de construções democráticas. O evento, que vai até esta sexta (26/8), ocorre em São Paulo.
Para o professor de Ética Política da Unicamp Roberto Romano, desde a separação das ciências humanas das ciências da natureza, ocorrida no fim do século XIX, teve início um processo de especialização que foi intensificado no Brasil pela redução dos prazos para se concluir mestrados e doutorados. Com isso, os alunos passaram a ter noções de fragmentos, não do todo.
O reflexo dessa guinada no Direito é a aplicação fria da lei quando o operador não tem base para entender as complexidades sociais, apontou Romano, afirmando que isso lhes dá “uma falsa sensação de segurança”.
Além disso, o filósofo ressaltou que a empolada linguagem jurídica é usada por advogados, promotores e juízes como cortina de fumaça para fugir de questionamentos. “Se eu estou discutindo com alguém e essa pessoa questiona a minha sabedoria, eu jogo na sua cabeça todos os termos técnicos de Direito e acabo com a discussão com um ‘leigo’. Os ministros do Supremo Tribunal Federal abusam dessa bobagem. Como você pode dizer que 200 milhões de pessoas não sabem nada de Direito e que só a minha sentença é maravilhosa?”
Uma forma de acabar com “essa especialização altamente emburrecedora e produtora de pedantismo”, segundo o professor da Unicamp, é tirando o foco do ensino jurídico das leis e transferindo-o para a ideia de Justiça. A seu ver, essa mudança forçaria os alunos e profissionais do Direito a refletirem mais, proporcionando-lhes maior conhecimento das complexidades sociais.
Função social

Nessa mesma linha, o promotor do Ministério Público do Paraná Eduardo Diniz Neto defendeu que o ensino jurídico dialogue com Ciências Sociais, Economia e Filosofia. Como o modelo romano-germânico, que é a base do nosso sistema, considera que o Direito é a lei, os profissionais se formam com visões de mundo muito estreitas, analisou.
“Essa crise se realça quando o profissional ingressa no MP. Quando adotamos decisões pautadas em princípios, na equidade, nos costumes, somos muitas vezes tachados de alternativos, de ilegalistas, e sofremos perseguição de nossos órgãos correcionais e internos.”
E Diniz Neto sustentou que promotores e procuradores, por defenderem interesses coletivos, devem estar antenados nas necessidades dos mais diversos estratos sociais. Dessa forma, ele apoia a inclusão de questões sobre disciplinas como direitos humanos e filosofia em concursos e que os integrantes do MP sejam constantemente avaliados por sua compreensão dos problemas populares.
Turmas sem diversidade

A professora de Jornalismo da Unicamp Sabine Righetti declarou ser favorável a que as universidades formem turmas heterogêneas, de maneira a ampliar a visão de mundo dos estudantes. Esse modelo é adotado por faculdades norte-americanas como Harvard, que estabelece percentuais de estrangeiros, mulheres e negros para cada classe. O objetivo não é de inclusão social, como é o das cotas, mas de enriquecer os debates e convivências.
Porém, o cenário dos melhores cursos de Direito do Brasil é bem diferente do dos EUA. De acordo com Sabine, na Faculdade do Largo São Francisco, da USP, 80% dos alunos são brancos, 70% cursaram o ensino médio em escolas particulares e 90% não precisam trabalhar enquanto estudam.
Na Fundação Getulio Vargas de São Paulo, o quadro é ainda mais homogêneo: 30% dos alunos vêm do Colégio Santa Cruz, que possui mensalidade superior a R$ 3 mil. “Que tipo de diversidade conseguimos formar com essa turma?”, perguntou a pesquisadora.
Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.