16/12/2015

Em lembrança ao Dia Nacional do Ministério Público, a Escola Superior do MP-SP realizou uma série de debates sobre perspectivas de atuação e o perfil da instituição na sociedade contemporânea. O evento ocorreu nesta segunda, 14 de dezembro, data que marca a primeira Lei Orgânica do MP brasileiro, em São Paulo. Membros do MPD estiveram nas mesas de debate já pela manhã, quando o procurador Maurício Antonio Ribeiro Lopes, discorreu sobre a democratização, inclusão e solidariedade no espaço urbano. À tarde, o 2º vice-presidente do MPD, Márcio Berclaz (MP-PR), expôs seus argumentos sobre o Ministério Público brasileiro na visão dos seus jovens pensadores. Na sequência, os integrantes da associação Gustavo Roberto Costa e Gustavo Senna Miranda discutiram propostas para a reinvenção da Promotoria de Justiça Criminal no contexto do Estado Democrático de Direito.

Confira a matéria abaixo publicada no site da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo

CEAF celebra Dia do MP com debates e homenagens

Evento debateu a cidade de São Paulo e temas institucionais do Ministério Público brasileiro

O Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público de São Paulo celebrou nesta segunda-feira (14) o Dia do Ministério Público com uma programação especial, que trouxe pesquisadores, promotores e procuradores de Justiça de diferentes Estados para debater temas estratégicos da instituição.

O evento também foi marcado pelas homenagens ao diretor do CEAF, Marcelo Pedroso Goulart, que encerra seu mandato nesta semana.

“Se essa gestão teve algum mérito, foi o de abrir essa estrutura da escola para quem realmente quer a evolução do Ministério Público, com pensamento crítico e práticas transformadoras”, afirmou Goulart.

Pela manhã, as exposições trataram principalmente da mobilidade e da “democratização” da cidade de São Paulo.

A professora da Universidade Federal do ABC Silvana Maria Zioni expôs os resultados de uma pesquisa que analisou a avenida Paulista do ponto de vista urbanístico e contextualizou a polêmica decisão da Prefeitura de São Paulo de fechar a via aos domingos para carros e abri-la integralmente a pedestres e ciclistas.

Segundo a professora, a avenida historicamente teve um tratamento diferenciado por parte do poder público, que sempre investiu na sua infraestrutura e procura evitar sua decadência. Ao mesmo tempo, conclui a pesquisadora, a Paulista “espelha a contradição de uma metrópole desigual” e acaba sendo um “espaço de conflito”.

O Procurador de Justiça Mauricio Antonio Ribeiro Lopes afirmou que é indispensável que o Ministério Público faça a inversão do olhar para atuar na área de mobilidade. “Temos de olhar pelo ponto de vista da pessoa e não do carro. Perdemos muita energia defendendo o automóvel em São Paulo”, afirmou.

Lopes disse se surpreender com a resistência de uma parte dos paulistanos ao fechamento da avenida Paulista aos domingos para os carros, porque isso é muito comum em outras cidades. No Rio, a prefeitura fecha 1.211 vias para o lazer aos domingos e o Distrito Federal faz o mesmo com 14 km de seu eixo rodoviário, segundo Lopes. “É preciso olhar para a cidade não como um território a ser defendido, mas como um espaço a ser ocupado, compartilhado, vivenciado por todos.”

Já o juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, da Escola Paulista da Magistratura, defendeu a implementação de mecanismos que ampliem a consulta aos cidadãos no processo decisório e na execução de políticas públicas. Segundo ele, mesmo que as medidas sejam positivas para a maioria dos moradores da cidade, as pessoas que são diretamente atingidas pelas ações da prefeitura devem ser ouvidas, para que eventualmente contribuam na redução de danos.

Ao fim das exposições, Integrantes de movimentos sociais participaram do debate e trouxeram sugestões à atuação do MP na área de mobilidade.

Debate Institucional

À tarde, o debate se dedicou a questões internas do Ministério Público. Na primeira parte, que reuniu jovens pensadores, o promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo Alexandre de Castro Coura falou sobre a nova concepção de Ministério Público e afirmou que ainda é preciso trabalhar para adaptar a instituição ao Estado democrático de direito, desobstruindo canais de participação popular na tomada de decisões.

Ainda segundo Coura, hoje há uma disputa de paradigmas de Ministério Público. O novo paradigma teria como pressupostos o redimensionamento da noção de acesso à Justiça, relacionado mais à resolução dos conflitos e menos ao acesso formal ao Judiciário, e a participação mais consistente dos cidadãos na construção das decisões que envolvem o MP.

Já o promotor de Justiça no Estado do Paraná, Márcio Soares Berclaz, criticou fortemente a atual estrutura do Ministério Público, principalmente em relação ao segundo grau, que se restringe praticamente à formulação de pareceres e acaba desperdiçando a experiência dos procuradores de Justiça, segundo ele.

Promotorias Criminais

Na sequência, o promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do MPSP, Eduardo Ferreira Valério, e o promotor de Justiça no Espírito Santo Gustavo Senna Miranda trataram da “reinvenção da Promotoria de Justiça Criminal”.

Miranda defende a criação de promotorias de prevenção aos crimes, que teriam atuação mais proativa e antecipatória. “Hoje, as promotorias criminais são ilhas, não especializadas, que atuam instintivamente com base nos inquéritos policiais que vão chegando. É ilusão pensar que o promotor que atua na repressão vai ter tempo de trabalhar de forma proativa, na relação com a sociedade civil”, afirmou Miranda.

As promotorias de prevenção aos crimes teriam múltiplas atribuições, cíveis e criminais, segundo o promotor. Entre suas funções estaria a articulação entre sociedade civil e órgãos de segurança e o diálogo com as vítimas, que hoje são “esquecidas e neutralizadas”, afirmou Miranda.

Valério, por sua vez, falou sobre a missão de fazer o controle externo das polícias, que o MP recebeu da Constituição de 1988. “São polícias da ditadura que estão se adaptando ao regime democrático. Esse controle externo que caberia ao MP é muito difícil de ser feito e nós sabemos que não funciona”, afirmou.

Segundo Valério, é preciso compartilhar esse controle externo com a sociedade e, de forma transparente, analisar conjuntamente planos de atuação das polícias, tipos de armamento que podem ser usados pelas forças de segurança em cada situação, entre outras coisas.

“A sociedade e o MP tem de participar dessas decisões. Quem disse que essa é uma decisão que cabe ao chefe da polícia? São pessoas que têm uma mentalidade militarista e um viés de confronto. Nossa proposta é criar promotorias regionais de controle da atividade policial de tutela coletiva.”

Intolerância Ideológica

À noite, o debate tratou da “intolerância ideológica e da criminalização do pensamento crítico” e teve como expositores o professor do Instituto de Ciência Política da UnB, Luis Felipe Miguel, e o promotor de Justiça do MPSP Arthur Pinto Filho.

Segundo Miguel, há dois movimentos diferentes de patrulha ideológica na atualidade. Um deles está relacionado ao questionamento das hierarquias de gênero, e que é protagonizado pelas bancadas católicas e evangélicas na Câmara dos Deputados. O outro é uma corrente que denuncia a suposta doutrinação exercida pelas escolas públicas com uma “linha de pensamento supostamente tingida de marxismo”.

Segundo o professor, esses movimentos representam um retrocesso e entendem ideologia como “qualquer tipo de discurso que questiona a ideologia dominante”.

Já Arthur Pinto Filho afirmou que a intolerância ideológica deriva da “lógica do pensamento único”, que se estabeleceu na década de 1990.

“Hoje, o pensamento único é o negativo, que se nega a discutir. Não suporta conquistas mínimas das classes populares ou nega qualquer tipo de avanço. Já o pensamento critico é sua antítese. Tudo pode ser questionado. Atualmente, há um embate tremendo no brasil entre o pensamento crítico e o pensamento único”, afirmou o promotor.

Foto: Assessoria de Comnunicação/CEAF-MPSP