15/08/2016
Ela Wiecko

“Normatizações não podem ser desculpa para burocratizar Ministério Público”
As normas e resoluções que regem a atuação do Ministério Público não podem ser utilizadas como meio para burocratizar a atuação dos integrantes da instituição. As medidas proferidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), podem até sofrer críticas entre os 16 mil integrantes da instituição no país em função da quantidade, do detalhismo e, muitas vezes, na perseverança na interpretação de pontos de vista; mas jamais quanto ao cumprimento de sua missão de executar a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do MP e de seus membros.A opinião é da conferencista de abertura do 5º Congresso Nacional do MPD, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, de 67 anos dos quais 41 em atuação pelo MP nacional. Para a vice-PGR, diante do desafio de manter a função de controle e de buscar a unidade institucional de todos os ramos do Ministério Público da União e dos Ministérios Públicos dos estados, não há receio de se promover um regramento que põe em xeque a diversidade de condições de trabalho na Federação. Aquilo que em alguns locais será visto como absolutamente normal, infelizmente em outros, pode sim ser interpretado como algo burocrático, uma imposição desnecessária. Este risco, bastante real, precisa ser objeto de atenção de todos nós.
Nesta entrevista à MPD Dialógico, a jurista também aponta o corporativismo interno e a disputas externas de poder entre outras instituições como alguns dos principais obstáculos para que o MP atue integralmente em seu papel constitucional. No Ministério Público Federal desde outubro de 1975, Ela Wiecko foi promovida ao cargo de subprocuradora-geral da República por merecimento em 1992. A jurista, que também faz parte do quadro de associados do MPD, é a primeira e única mulher, até o momento, a presidir a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), na gestão de 1995-1997, e compôs, por diversas vezes, a lista tríplice de indicados para o cargo de PGR. Docente universitária, atua há mais de trinta anos nas questões relacionadas aos direitos humanos, tendo sido Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Corregedora-Geral do MPF, primeira Ouvidora-Geral do MPF e coordenadora de câmaras de coordenação e revisão. A pesquisadora da área de criminologia integrou Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça para a elaboração do projeto de lei de definição de crimes e penas para implantação do Estatuto de Roma, tratado do Tribunal Penal Internacional, bem como Comissão de Reforma do Código Penal, em 1999. Para Ela Wiecko,”só haveremos, como instituição, de contribuir para democracia brasileira sendo internamente uma instituição democrática, ou seja, plural e inclusiva”.
MPD Dialógico – Como a história do Ministério Público brasileiro deve ser realmente avaliado?

Ela Wiecko: Há vários pontos de vista pelos quais podemos avaliar uma instituição. No que concerne ao Ministério Público, penso que um dos mais importantes é o de seu papel no fortalecimento da democracia brasileira, a partir dos princípios e valores incorporados na Constituição de 1988.
MPD Dialógico – Em seu entendimento, quais são os entraves internos e externos para que o Ministério Público do Brasil cumpra integralmente o seu papel?

Ela Wiecko: Vejo o corporativismo e a crença na centralidade do conhecimento jurídico como entraves internos. No plano externo, os entraves vem de outras corporações-instituições que disputam a primazia de definições de poder, como o poder de criminalizar, o poder de assegurar ou de restringir direitos humanos. Ou seja, de conformar a democracia em substância, pelo uso da tecnologia do direito. Diante dos casos emblemáticos recentes de efetivo combate à corrupção, os entraves externos aumentarão, pois a reação do Executivo e do Legislativo é reduzir nossas atribuições e nossos instrumentos, além de criar mecanismos de intimidação.
MPD Dialógico – Logo, no que o Ministério Público precisa se aprimorar?

Ela Wiecko: Acredito que precisa se aprimorar na sua relação com a sociedade, as organizações, os movimentos, grupos, comunidades etc. Sua legitimação deve ser fundamentada pelo corpo social e não apenas na lei. Os caminhos para a manutenção e fortalecimento das atribuições do Ministério Público previstas na Constituição de 1988 são o trabalho persistente, eficiente, eficaz e efetivo, atento aos interesses sociais e individuais indisponíveis. O amadorismo e a carreira solo podem dar mídia, mas não fortalecem uma instituição. Para não frustrar as expectativas da população, o Ministério Público precisa ser firme e coeso. Ter foco nas questões mais importantes.
MPD Dialógico – Qual o papel do CNMP para a consolidação do MP brasileiro? Quais os riscos para a atuação do Conselho e do próprio MP?

Ela Wiecko: É preciso compreender que o CNMP foi concebido a partir da ideia de que todos os órgãos da República precisam de um controle externo. O olhar de fora, porém, não se fez presente na concepção que se constitucionalizou. Sob estas influências, entre outras, o CNMP acaba sendo um órgão de uniformização dos MP, o que, de um lado, consolida um MP nacional, o que é bom. Mas, de outro, arrisca ser visto como um instrumento de normas e resoluções relativos a organização e funcionamento que podem não atender a diversidade da Federação. Em muitas situações damos à norma uma capacidade de tentar resolver situações que talvez exijam um esforço maior. Esforço esse de entender as condições locais em termos de pessoas, recursos e ambiente para o MP ser canal efetivo de acesso à Justiça.
MPD Dialógico – E o que pode dizer sobre o fato de que, ultimamente, somente ex-procuradores-gerais dos estados passam a integrar o CNMP?

Ela Wiecko: Aqui a regra não escrita vale mais do que a escrita. Evidentemente, a experiência como procurador-geral de Justiça qualifica aqueles e aquelas que já exerceram esse cargo, para que contribuam com sua visão administrativa e política na solução das questões levadas ao Conselho Nacional. Mas é preciso ter em conta também a perspectiva de gênero, a experiência advinda do exercício em outros cargos que não o de procurador-geral de Justiça, o comprometimento com os fins do Ministério Público, entre outros requisitos.
MPD Dialógico – O que precisa ser feito para promover e garantir maior autonomia, independência aos MPs de todo o país?

Ela Wiecko: A questão orçamentária e a escolha de procuradores gerais vinculam o MP de alguma forma ao Executivo, o que não pode ser instrumento que afete a independência dos MP. Assim ocorrendo, cabe ao CNMP agir. Portanto, o conselho desempenha um papel indispensável no fortalecimento da autonomia e da independência. Por isso, como instituição, buscamos todos os dias contribuir para a democracia brasileira, inclusive, internamente. Tanto, que precisamos reavaliar constantemente o quanto estamos sendo plurais, inclusivos e, mesmo, democráticos.
MPD Dialógico – Como a relação entre o Ministério Público e o Poder Judiciário pode ser analisada? Estas instituições exercem novo protagonismo social?

Ela Wiecko: No passado, o Ministério Público não podia ser pensado sem o Judiciário e sua organização estava muito atrelada a deste. Hoje o MP brasileiro tem pautas próprias. Esse protagonismo é observado desde a década de 90, constituindo o que chamamos de judicialização da política. A Lava Jato é evidentemente uma forma de protagonismo tanto que abalou a estrutura do poder político e econômico. O protagonismo é guiado pelo compromisso em fazer valer a lei com justiça, ao contrário do estrelismo, que é guiado pela vaidade e para fins pessoais.
MPD Dialógico – Portanto, até que ponto este protagonismo é, de fato, benéfico para a sociedade?

Ela Wiecko: O protagonismo é sempre benéfico porque impulsiona e concretiza deveres e direitos pelos quais o MP deve zelar. Por exemplo, a investigação inovadora de crimes ambientais e consumeristas, a interpretação do direitos levando em conta perspectivas de gênero, do antirracismo, da diversidade étnica e cultural, entre outras.
MPD Dialógico – Como a senhora avalia o papel do MP no controle externo da atividade policial? Como aperfeiçoar a atuação ministerial neste caso?

Ela Wiecko: É um papel que só mais recentemente vem sendo assumido e é imprescindível para a redução da violência policial e do sistema punitivo. Choca-se com a pretendida autonomia da Polícia. Os aperfeiçoamentos que foram promovidos no âmbito do Ministério Público Federal, inclusive com a criação de uma câmara revisora própria enfrentam obstáculos fortes da Polícia que se articula no Legislativo e no Judiciário.
MPD Dialógico – O que dizer sobre a atuação do Ministério Público e como aprimorar sua contribuição para o sistema de Justiça?

Ela Wiecko: O MP está atolado de demandas individuais bem como de crimes de menor ou médio potencial ofensivo. Estabelecer uma política de seletividade sobre o que se vai priorizar hoje é o grande desafio para aprimorar a sua contribuição.
MPD Dialógico – Como isto se relaciona com o comportamento e desempenho dos membros do MP brasileiro?

Ela Wiecko: A quantidade de procedimentos extrajudiciais, de processos judiciais e de audiências bem como o controle exercidos pelas Corregedorias, pressionadas pela Corregedoria Nacional, está tornando os membros do MP peças de uma engrenagem burocrática, antes de papel, agora virtual.
MPD Dialógico – Como a aproximação do MP brasileiro com o cidadão pode contribuir para a moralização dos serviços públicos e garantia dos direitos?

Ela Wiecko: Nessa aproximação fatos e práticas são revelados, soluções são construídas. É uma via de mão dupla. O MP precisa afirmar-se como uma instituição que inspira confiança, que preza a igualdade, que aplica critérios de justiça, que é acessível. Talvez, o papel de ombudsman precise ser mais exercitado.
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Imagem: Felipe Sampaio/STF