13/09/2016
Folha de São Paulo: Lava Jato deve detonar avalanche de investigações, dizem analistas

POR ANA ESTELA DE SOUSA PINTO, DE SÃO PAULO

Em oito Estados e no Distrito Federal, policiais saíram às ruas no início da semana passada para cumprir 127 mandados judiciais.
Era a operação Greenfield, que investiga fundos de pensão, mas advogados, promotores e analistas reconheceram o DNA da operação Lava Jato —e uma evidência de que o país assistirá a uma onda de ações semelhantes a partir deste semestre.
“Haverá um desdobramento gigantesco de operações, inclusive nos âmbitos estaduais e municipais, que vai perdurar ao menos cinco anos”, prevê o advogado e ex-presidente da OAB do Paraná, Juliano Breda, que defende investigados na Lava Jato.
O fenômeno, que já é chamado de “novo normal” pelo cientista político Christopher Garman, diretor da Eurasia (maior consultoria americana para risco em mercados emergentes), se apoia num novo padrão de atuação.
O modelo, desenvolvido para “imunizar” as investigações contra o fracasso de operações passadas, se apoia em forças-tarefa com membros de quatro instituições (Ministério Público, Polícia Federal, Corregedoria-Geral da União e Receita Federal) e no trabalho de grupos especializados anticorrupção.
Assim como na Lava Jato, a Greenfield recrutou especialistas —neste caso, em mercado financeiro e fundos de pensão—, que agilizam a obtenção de documentos e a análise das provas obtidas.
GARANTIAS EM RISCO

Mas também replicou o que advogados de defesa chamam de “ataques surpresa” —conduções coercitivas, prisões e apreensões que, segundo eles, põem em risco o direito de defesa.
No balanço mais recente divulgado pela Justiça Federal do Paraná, foram determinadas na Lava Jato 177 conduções coercitivas, 87 prisões temporárias e 79 preventivas –das quais 31 ainda vigem.
No total, foram investigadas até agora 331 pessoas desde março de 2014.
No último dia 5, a Greenfield cumpria 7 mandados de prisão temporária, 106 de busca e apreensão e 34 de condução coercitiva.
Há motivo para se preocupar, opina o professor de ciência política da UFMG, Leonardo Avritzer.
“Há certa autonomização da força-tarefa, sinalizando a outros grupos que é possível agir dessa maneira.”
Para ele, investigadores estão propondo medidas que “claramente subvertem as garantias fundamentais no país”.
“O Brasil corre o risco de um apagão de legalidade”, diz o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Fábio Tofic Simantob, defensor de executivos da empreiteira Engevix.
Os defensores dizem que prisões preventivas são feitas sem que haja provas de que os investigados podem prejudicar o processo.
Para Alberto Zacharias Toron, defensor do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, um dos motivos é forçar delações e punir antes do julgamento. “A pretexto de conferir maior eficácia à investigação, atropelam-se garantias do investigado”, afirma.
Procurados desde terça-feira (6), representantes da força-tarefa não falaram com a Folha. Em resposta a críticas de teor semelhante feitas por advogados em manifesto em janeiro, afirmaram que eram “acusações vagas”.
Para o promotor e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Roberto Livianu, as reclamações ocorrem porque “a lei agora alcança os detentores do poder”.
“Muita gente não conseguiu se acostumar ainda, mas vai precisar, porque o novo paradigma será adotado pelos Ministérios Públicos do Brasil todo.”
NOVO EQUILÍBRIO

Na avaliação de Garman, da Eurasia, isso ocorre também porque a Lava Jato inverteu “o equilíbrio anterior, em que o investigado apostava na morosidade da Justiça, e provocou uma corrida às colaborações.”
A possibilidade de usá-las como ferramenta para aprofundar investigações pode incentivar o uso de medidas como as prisões.
Já para a procuradora regional da República Silvana Batini, professora da FGV-RJ, as prisões são importantes para mudar a expectativa dos investigados. “O colaborador só se anima a falar se tiver medo da punição. E o medo só chega se as prisões ocorrem e são mantidas pelos tribunais superiores.”
Garman, Breda e Toron acreditam que a tendência, porém, é que o Judiciário assuma um papel cada vez maior para corrigir “excessos de zelo”.
Até o mês passado, 54 apelações chegaram ao Supremo Tribunal Federal, que deu 6 decisões favoráveis à defesa.
A mais citada por advogados foi a do ministro relator da Lava Jato, Teori Zavascki, ao revogar a prisão preventiva de nove executivos.
JOGO PARA A PLATEIA

Zavascki não viu motivos suficientes para mantê-los presos, mas tocou em um ponto sensível: o de que a revogação da prisão pudesse ser incorretamente vista como sinal de impunidade.
Apoiadores da força-tarefa incluem essa simbologia em seus cálculos. “O Brasil vive um problema gravíssimo de impunidade, portanto é preciso usar os instrumentos para mostrar efetividade”, diz Livianu, que também integra o Movimento Ministério Público Democrático.
“Talvez não haja condições para repetir o sucesso da Lava Jato com a opinião pública, mas haverá uma corrida dos agentes de investigação para pegar essa onda”, afirma Garman, da Eurásia.
Para a procuradora Batini, é papel dos investigadores dar transparência aos resultados. “Antes, a pressão ficava só do lado da advocacia. É legítimo, mas a opinião pública precisa saber como trabalha o Ministério Público, para que possa se mobilizar.”
INSTITUIÇÕES

A popularidade alcançada pela força-tarefa e pelo juiz Sergio Moro é apenas um dos gatilhos das novas operações.
Alterações legais recentes, como na lei de lavagem de dinheiro —que facilitou o bloqueio de bens— e a lei de organização criminosa —que regulamentou a delação premiada— fortaleceram instrumentos de investigação, diz o advogado Pierpaolo Bottini, que defende Dalton Avancini (ex-presidente da Camargo Corrêa e réu da Lava Jato), entre outros.
Acordos internacionais de colaboração também foram fundamentais, diz Batini, porque elevaram o número de provas documentais.
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