Transcrição Diálogos Nacionais

PEC-65/12 – Apresentação: Carlos Bocuhy
Gostaria de dizer da minha satisfação de podermos trabalhar esta questão no ponto de vista de buscar estratégias. A primeira questão que eu gostaria de colocar é que a discussão do licenciamento ambiental no Brasil começou no Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente – há três anos. Na época, a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, chamou todos os segmentos do Conama, o segmento empresarial, os ambientalistas, o Ministério Público, e ABEMA e o próprio Ministério do Meio Ambiente, representado pelo ex-ministro José Carlos Carvalho. Foram apresentados dados pelo Conama que, em tese, possui representação dos diversos setores e interesses da sociedade brasileira, e estes setores se manifestaram com relação aquilo que eles pretendiam para o licenciamento ambiental. O curioso é que nessa apresentação houve pontos comuns e absolutamente progressistas: todos concordavam que o licenciamento deveria ser feito de uma forma eficiente, eficaz e deveria ser o mais rápido possível diante desses preceitos de eficácia e eficiência. Bom, até aí os ambientalistas concordam também, até mesmo para não radicalizar. Vocês conhecem muito bem isso de tensionar, quando a vara está totalmente puxada para um lado, a gente segura de outro para ver se consegue chegar no equilíbrio, pelo menos na metade do processo.
Mas, nesse caso do Conama, ficou claro que haveria a possibilidade de se formar um amálgama com setores mais informados, inclusive do setor industrial. Só que, o que nós assistimos hoje, é outra realidade. São franco-atiradores dentro do Senado, dentro do Congresso, que apresentam projetos que, na verdade, representam projetos de interesse próprio. Esses que estão apresentando projetos, claramente, fazem lobby em prol do próprio negócio. Por exemplo, o senador Blaggi, hoje Ministro, é conhecido representante do agronegócio. O que o agronegócio é? Isso é importante nós colocarmos aqui. O agronegócio pretende uma saída para o Pacífico para exportar para a China. O grande projeto, em termos de agronegócio no Brasil, é facilitar a exportação de grãos, de commodities, via Pacífico para a China e isso possibilitaria abreviar milhares e milhares de km de transporte. O que acaba acontecendo é que para você fazer este transporte para a China, você tem que passar pelo Acre, por Roraima, pela Floresta Amazônica.
A proposta colocada hoje a seguinte: existe um trecho do IIRSA, que é a proposta da Integração Sulamericana, feita com o Peru e outros países também e que são três eixos que saem de Rio Branco indo até um porto no Peru, outro que vai até La Paz, na Bolívia, e outro que vai até Madre de Dios, também na Bolívia. Esses são os três eixos para a região sudeste da Amazônia. A estrada de ferro passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre, é um projeto dos chineses. O investimento total hoje dos chineses no Brasil é de R$ 55 bilhões e entre outros, seria o de um trem que levaria as commodities até a costa do Pacífico. Além disso, o senador Acir Gurgacz, que é um empresário da área de transportes, quer pavimentar as estradas da área amazônica e um dos projetos – e tem declarado que trabalha com transporte rodoviário nesta estrada, é fazer uma ligação entre Porto Velho e Manaus, asfaltada. Aí os chineses têm uma proposta de ligar por estrada Manaus ao Suriname, no norte do Amazonas. Então, quando a gente fala dos projetos no Senado fica claro que eles têm um objetivo sobre a Amazônia – e é importante a gente pensar sobre o licenciamento no Brasil, porque qualquer alteração no licenciamento vai recair sobre tudo quanto é obra pública e de infraestrutura no país, inclusive as hidrelétricas. Neste momento, a encomenda parece ser a Amazônia, especialmente a transpacífico rodo-ferroviária, que é o nosso Canal do Panamá para o Pacífico.
E eu volto a afirmar que essas iniciativas são iniciativas de franco-atiradores com lobbys que pretendem fazer isso num local inadequado. Aí a gente entra na grande questão do licenciamento. É empreender onde, de que tamanho e para quê? A grande questão do licenciamento ambiental repousa sobre alternativas locacionais, dimensões de projetos e a qualidade dessas iniciativas. E aí nós pensamos: se o Brasil precisasse de uma saída para o Pacífico, talvez fosse interessante fazer alguma coisa mais planejada, sem impactar uma vertente na Amazônia e empreender isso, talvez, mais ao sul, criando uma alternativa bem menos impactante – se é que seria interessante fazer isso do ponto de vista ambiental, tendo que ver quais impactos isso geraria. Então, essa questão dos projetos do Senado, das PECs, para mim, tem um direcionamento claro para a Amazônia, não só de infraestrutura ferroviária, rodoviária e hidroviária, além de grandes projetos hidrelétricos – e isso implica na destruição de uma das maiores biodiversidades do Brasil, implica também na perda da Floresta Amazônica, na sua característica de ecossistema de transposição de água (umidade aérea) para toda América do Sul, inclusive para a formação de chuvas e vida das nossas bacias hidrográficas. E a influência maior da Amazônia, é também sobre a região do Pantanal, área úmida de enorme biodiversidade.
Dito isso, eu gostaria de colocar outra questão sobre o aprimoramento do licenciamento ambiental. Nós vivemos uma fase que é a do Antropoceno. O Antropoceno significa uma fase em que a humanidade adquiriu uma capacidade de gerar impactos ambientais tão intensos e sinérgicos, com grande capacidade de alteração dos ecossistemas ambientais – que chegou ao ponto comprovado que hoje nós somos o grande fator transformador deste planeta. Isso pode ser comprovado, por exemplo, na questão do aquecimento global, e hoje já se tem certeza científica sobre esse fato. Então, qualquer iniciativa, principalmente no Brasil, por conta das condições ambientais e para o aprimoramento do licenciamento ambiental, teria que levar em conta as condições do atual estágio civilizatório e seu potencial de alteração drástica e que já ultrapassa os limites aceitáveis da capacidade de recomposição dos ecossistemas.
A questão é essa: dimensionar o licenciamento ambiental para o seu aprimoramento seria levar em consideração essa conjuntura e essa fragilidade e aí nós temos compartimentos ambientais e naturais que estão no seu limite. Primeiro, o que todos nós sabemos, a geração de gases do efeito estufa. A destruição da Amazônia, hoje, representaria um forte desequilíbrio para essa situação específica e também para a biodiversidade. Outra questão seria a acidificação dos oceanos. Tem vários quesitos ameaçados, e isto tem-se desenvolvido especialmente na escola científica sueca, sobre as limitações planetárias e daquilo que a nossa era civilizatória deveria se preocupar – e não abusar, ultrapassando limites. Então, eu diria que o aprimoramento do licenciamento ambiental no Brasil deveria levar em consideração exatamente essa intensificação da capacidade da sociedade de gerar impactos. E aí nós temos que considerar que licenciamento ambiental deve ter clareza técnica, científica, com participação social – e ouvir a sociedade para sacramentar o saber ambiental, que não é somente o saber técnico-científico, mas o ato de absorver a percepção da própria comunidade envolvida.
O que se pretende nessas alterações legislativas é basicamente duas coisas. Primeiro, eliminar os aspectos de avaliação técnica. É transformar o licenciamento numa peça burocrática onde você protocola um estudo de impacto ambiental e imediatamente isso sacraliza o licenciamento. A PEC-65 diz, por exemplo, diz que você não pode nem judicializar. É claramente inconstitucional, mas ela revela, além da sua inconstitucionalidade, a sua intenção. Intenção de se empreender de forma autoritária porque nem o órgão ambiental poderia avaliar. Na verdade, basta você protocolar o documento, o Eia-Rima. Eu sempre digo para o pessoal da imprensa que é a mesma coisa que, se eu tirasse uma licença para dirigir, e protocolasse meu pedido de carta de habilitação, já poderia sair dirigindo um caminhão. Sem a mínima consequência que isto poderia acarretar. Então, sobre a razoabilidade desses projetos do Senado, não só a do Jucá, o PLS 654, mas também a PEC 65, do Gurgacz – elas trazem as mesmas características absurdas.
Agora, eu queria chamar atenção para outras iniciativas que também estão ocorrendo e que são mais sutis. São as iniciativas de simplificação, porque, se as primeiras são bizarras, são grotescas – no primeiro olhar, o jurista já diz que é inconstitucional por isso, por aquilo – e é fácil de se identificar a inconstitucionalidade devido a ousadia descabida. A ousadia é tamanha que chega a ser completamente absurda. Agora, no Conama, iniciou-se um processo de discussão para simplificação. E essa é tão danosa quanto à outra porque, na verdade, você acaba promovendo a fragilização do instrumento de licenciamento ambiental só que de uma forma mais sutil, mais palatável. E aí a gente tem que ser perspicaz para perceber o que está acontecendo nesta situação.
O que está acontecendo é basicamente o seguinte: o sistema nacional do meio ambiente ele é formado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é o órgão maior – o Ministério fica na cabeça deste sistema e, abaixo disso, ficam os órgãos ambientais dos estados e, hoje, nós temos o empoderamento dos municípios através da Lei Complementar 140 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp140.htm), que estende aos municípios como entes federados a possibilidade de exercer o licenciamento ambiental, etc.. Ocorre que os setores interessados nessa descentralização – e eu chamo a atenção aqui que descentralizar não é democratizar, porque quando você joga a pressão, a área de decisão mais próxima da pressão econômica, mais perto da base, você pode provocar, por exemplo, que o gabinete de um prefeito licencie qualquer coisa de interesse regional. Então, descentralizar não significa democratizar se você não tomar os devidos cuidados para isso.
Mas, o que ocorre agora no Sisnama, a partir da Lei Complementar 140, é o ataque por parte dos estados e dos municípios que querem ter a mesma competência que o órgão maior, que a diretriz maior que é estabelecida pelo Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Então o objetivo é tirar a tutela, tirar o arcabouço maior de diretrizes que são do Conselho Nacional do Meio Ambiente, revogando a 01/86 (http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html)
e a 237/97 (http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html), que são as resoluções que tratam do licenciamento – e permitir aos estados que façam seus próprios critérios para normatização.
Então, essa falta do grande guarda-chuva federativo é uma situação preocupante e muito interessante, porque o Brasil consegue ter uma unicidade em termos de normas ambientais porque ele traz, desde sua formação, de sua gênese, um processo federativo. Eu conheço o sistema de licenciamento da Argentina e de outros países, onde as prefeituras, os cabildos, têm muito poder e eles anseiam muito por um sistema federativo que consiga trazer uma unicidade para o sistema de gestão. E nós temos esse processo construído no Brasil. Nós estamos caminhando no sentido contrário, é o efeito portenho. Então, o que acontece, na prática, com relação às essas outras iniciativas? Quer se tirar a grande área de decisão do Conama, remeter isto aos estados e colocar na cabeça do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, outros agentes que não o Ministério do Meio Ambiente e o Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Agora, imaginem o seguinte: o Conselho Nacional do Meio Ambiente retrata o máximo de gestão participativa que a gente pode ter na área ambiental brasileira com a representação de todos os setores da sociedade num conselho maior, que tem inclusive a prerrogativa de aconselhar o Conselho de Governo. Nós podemos, por uma deliberação do Conama, aconselhar o Conselho de Governo. Ou seja, ele é apenas consultivo neste aspecto – e aí há uma limitação do próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente, que já não funciona agora e deveria ser aprimorado. Então imaginem se você fragmentar este processo numa miríade de pequenos conselhos despreparados, sem capacitação técnica e sem o operacional necessário para o exercício eficaz das suas funções e pior, estabelecendo critérios próprios. E aí há outra questão que está por detrás de toda essa discussão que é a necessidade de aprimoramento do sistema de gestão para o licenciamento ambiental brasileiro.
Temos que saber claramente qual é a viabilidade de gestão do sistema nacional do meio ambiente. Qual é a capacidade técnica instalada dos órgãos ambientais? Qual é a capacidade técnica e operacional dos estados e qual é a dos municípios? Essa falta de habilidade e capacidade para implementar a gestão ambiental no Brasil está levando as discussões em relação ao licenciamento a um efeito contrário. É oficializar o caos do despreparo e transformar o licenciamento ambiental em algo adaptável à insuficiência que temos de gestão ao invés de procurarmos o aprimoramento e aperfeiçoamento da gestão do sistema nacional de meio ambiente. Então, para fazer uma revisão do licenciamento ambiental no Brasil, é preciso que o Governo apresente, e isso o Ministério do Meio Ambiente pode fazer, um diagnóstico da capacidade de gestão instalada do sistema nacional do meio ambiente, senão qualquer norma que eu produza, qualquer norma que eu queira rever, ela não vai ter sua viabilidade de implantação. E eles fogem disto como o diabo foge da cruz.
Eles não querem apresentar, eles se recusam a apresentar a capacidade instalada atual no sistema. Por quê? Porque se você pensar que nós teríamos uma situação ideal, um sistema nacional do meio ambiente com uma capacidade instalada de forma técnica, científica e operacional, o licenciamento seria bem mais ágil, muito mais ágil. Muito mais eficiente, mas aí nós teríamos uma capacidade muito maior também de ter rédeas para domar uma economia cujas iniciativas vem, quase sempre, do grupo mais retrógrado.
A questão ambiental trabalha basicamente com duas questões. A primeira é que existe um ritmo biológico do planeta – nós todos estamos aqui, somos organismos funcionando, nós crescemos, fomos bebês um dia, evoluímos – isso é algo natural e os ecossistemas trabalham nesta linha natural. E não se compreende muito bem um processo que é muito simples: a natureza tem o seu tempo, tem o seu ritmo. E a economia é um ritmo artificial para a satisfação dos investimentos dos empreendedores num tempo muito curto, muito rápido e, portanto, a economia é voraz, ousada, ousada ao extremo, ousada a ponto de ignorar a própria base onde ela se estabelece e da qual depende, que é o ritmo biológico, o ritmo da natureza.
Então, essa questão da sustentabilidade, de nós adaptarmos o ritmo biológico ao ritmo da economia, passa por um esclarecimento da economia – e ela tem uma responsabilidade como agente financiador de tudo o que se empreende. A responsabilidade socioambiental como grande diferenciador do papel da economia, não está clarificado hoje. Então, vejam a posição de um empresário dentro de uma empresa. Vou exemplificar aqui com o nosso caso da Sabesp. O empresário Sabesp tem ações no mercado, na bolsa de Nova York, e vai naturalmente procurar que a Sabesp seja uma empresa que tenha lucratividade porque ela deve satisfação aos seus acionistas – e a água, o que representa a água? A água é um direito de todos, é um produto que é bem comum e, então, nós temos uma agência que não é estatal, é privatizada, é híbrida, e ela tem por objetivo gerenciar a questão da água sendo uma empresa que possui um viés absolutamente econômico gerenciando água que é um bem público, um direito fundamental. Então, é impossível que você consiga fazer administração de bem público através de uma lógica de sistema econômico, privado, que tem apenas um ritmo rápido, de curto prazo.
Essa grande dificuldade da adaptação da economia para a questão ambiental é exatamente o que estamos assistindo hoje no licenciamento. São iniciativas de economia, da área de economia, dos investimentos, que ainda não incorporaram a perspectiva de pensar de forma adequada nos impactos que isso gera e que são reconhecidos apenas como externalidades – e a externalidade acaba batendo em todos nós. Uma avaliação do Banco Mundial feita há dois anos e meio por um advogado e jornalista amigo nosso, Bruce Rich, que trabalha junto ao Congresso Americano, fez uma avaliação sobre para onde ia o dinheiro do Banco Mundial. E ele concluiu que 65% do dinheiro ia para insustentabilidade e apenas 35% para a sustentabilidade. E isso porque ia para combustíveis fósseis e todas essas áreas que combatemos em termos de transformação. Então, eu queria compartilhar com vocês a minha preocupação de que a economia ainda não atingiu esse patamar porque os representantes do setor econômico, os lobistas – isso é uma impressão que eu tenho trocado com nossos jornalistas,a impressão que eu tenho é que quando a gente olha o Congresso, a gente tem que olhar o bastidor. A gente precisa perceber o que está acontecendo atrás dos bastidores, aquilo que já foi decidido políticamente por influência da economia.
Como no Conselho Nacional do Meio Ambiente, aquilo que já foi decidido vem para votação. É preciso buscar essa intencionalidade. A gente fica lutando numa situação em que nós somos minoria, 10% do conselho, os ambientalistas esperneando junto com o Ministério Público. Mas, na verdade, o que conseguimos foi apenas informação, transparência, mobilização social e isso é uma coisa que nós sabemos fazer bem. Então, eu penso que, neste momento, nós temos que ter uma iniciativa política forte, que é a questão que está sendo trabalhada pela Abrampa, que soltou uma nota de repúdio ontem, o Ministério Público de São Paulo, que conduziu esse processo, soltou também uma nota técnica. Nós temos uma nota técnica também do processo que tramita na Câmara dos Deputados pelo PROAM, e temos um parecer também do Ministério Público Federal. Quer dizer, do ponto de vista jurídico, já existe uma boa massa crítica analisando isso.
Eu penso que um dos pontos que nós temos que explorar nesse processo é a questão internacional. Se o Brasil acatar essas propostas como a PEC, ataca a Amazônia, ataca a biodiversidade e ataca as questões do acordo climático brasileiro. Nós temos que dizer claramente para o mundo, para os outros países, para os outros países signatários que o Brasil está, através de sua casa legislativa, tentando um processo que é contrário aos acordos internacionais assumidos pelo Brasil em relação à biodiversidade, mudanças climáticas – e muitas outras áreas também.
Eu acho que isto é uma questão fundamental porque quando o Ministério das Relações Exteriores recebe um clipping, ele se reporta ao Ministério do Meio Ambiente e há sempre uma pressão positiva. Neste caso, temos outra coisa a fazer Nós temos que fazer uma visita ao Ministro Sarney Filho e dizer para ele: “olha ministro, o Ministério do Meio Ambiente perdeu seu protagonismo no Brasil. Nós não temos um interlocutor da sociedade para a proteção ambiental. Isso acabou. Acabou há vários anos”. Quando a Marina Silva abandonou o Ministério brigando com o pessoal que queria a devastação da Amazônia, eu acho que naquele momento se rompeu realmente a questão e todos aqueles ministros que vieram depois da Marina não tiveram protagonismo algum. A Marina politicamente não tinha muita força e os outros muito menos, mas é preciso hoje afirmar essa posição de que ou o Ministério do Meio Ambiente representa os interesses da questão ambiental brasileira ou nós vamos ter que criar um outro sistema que o faça – como também é o caso da Sabesp para a gestão da água. Ou seja, você tem um Ministério do Meio Ambiente que não tem protagonismo, que tem assessores que estão na Câmara Federal e esses assessores não se manifestam, não reportam e não fazem nada, o Ministério se faz de morto, não serve para nada nessa discussão. Entrou tardiamente na questão do Código Florestal. Só entrou depois que a questão estava consolidada. Então o que defende o Ministério do Meio Ambiente? É só uma fachada para desenvolver “programetes” de educação ambiental no Brasil?
O Ministro Sarney Filho tem tido uma atuação ligada ao setor ambientalista no Congresso Nacional, mas eu acho que falta uma cobrança para essa independência, essa proatividade. A gente precisa pontuar desde o início. O que nós temos que pedir para ele é o seguinte: o MMA tem que ser ativo e tem que ter características reais de protagonismo. Eu sempre tive problemas com secretários do Estado de São Paulo – até fui processado. Disse a um deles que ele não era do ramo, teve um secretário que era da agricultura e a primeira declaração que eu dei foi essa – “ele não é do ramo, é do agronegócio”. Aí o que aconteceu? Ele provocou um mal terrível na Secretaria do Meio Ambiente, desmontando o Conselho Estadual do Meio Ambiente. É preciso que essas instâncias funcionem a favor do meio ambiente.
Eu acho que a questão da judicialização é o melhor argumento para lidarmos com essas propostas de licenciamento. Se o setor privado, permitir esse absurdo que está acontecendo hoje, vai ter um grau de judicialização enorme nas suas empresas. A insegurança jurídica me parece um grande trunfo e nós temos que bater forte para dizer para o setor empresarial que não adianta ele andar com as obras dessa forma porque ele vai ter questões judicializadas. Agora, essa discussão ocorre porque você tem uma solução mal posta para a sociedade. Vocês do Ministério Público, da área técnica, têm tido a necessidade de contrapor frequentemente prefeitos e empreendedores que não têm essa preocupação. Agora, grande parte disso se deve ao órgão ambiental que acabou permitindo essas licenças e assim nós temos essa preocupação com a Cetesb também.
Então, vocês imaginem os níveis de conflitos que temos com a Cetesb em termos de licenciamento – e é órgão do Brasil mais equipado e historicamente o melhor. Então imaginem o que nós vamos fazer com os cantos do Nordeste e os órgãos ambientais de lá, diante de um maior abrandamento do licenciamento. Só para ter uma ideia sobre a implantação da Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, São Paulo equacionou cerca de 80% dos aterros sanitários e eliminou lixões porque tem uma capacidade econômica maior e o Piauí ainda tem 400 focos de irregularidades em lixões. Significa que não tem dinheiro e também não tem fiscalização, nem judicialização – e nem o Ministério Público funciona a contento. Então é essa a questão que temos que pensar. Dessas estratégias, eu acho que sinalizar a insegurança jurídica, a judicialização, é um ponto positivo muito bom.
Porque, na verdade, as empresas maiores não querem, diante do risco de manchar a imagem institucional, perder a certificação, o mercado. Vejam o caso da Samarco, de Mariana, o que gerou para as empresas que têm sua imagem institucional ligadas ao caso. Houve um arranhão forte internacional e elas foram cobradas duramente no exterior. Eu gosto muito dessa estratégia de mexer com o institucional porque é muito importante para nós demonstrarmos que as empresas têm um discurso, mas a prática é outra. Para que haja um melhor esclarecimento sobre a real imagem das empresas, a gente precisa colocar isto às claras.
Só que também é importante falar que nós passamos os últimos três ou quatro anos com um Ministério Ambiente fazendo discurso retórico, totalmente descolado da realidade. Eu acompanhei isto nos últimos anos. Eu fui ao encontro de Paris e o que o Brasil disse na Conferência de Paris ele não está cumprindo. Estou acompanhando o licenciamento das usinas termoelétricas do Rio Grande do Sul, com capital chinês, e a usina vem pronta, até o parafuso vem da China. E nós estamos queimando carvão brasileiro aqui e, lá na Conferência de Paris, o Brasil tinha um discurso que liderava a questão, de um ponto de vista progressista. Então, tem que acabar com essa retórica, com esse discurso da imagem descolada da verdade. Ou seja, da mentira. Também tem que acabar com a mentira da imagem verde da empresa porque, ao longo do tempo, o setor produtivo se apropria do discurso ambiental e criou uma estratégia de marketing que é uma estratégia de esverdeamento da imagem.
Basicamente é isso. Nós estamos trabalhando com movimentação social. Nós fizemos um abaixo-assinado contra essa iniciativa de alterar o licenciamento ambiental também no Conama. Nós abandonamos o grupo de trabalho do Conama porque ele tinha uma condução coercitiva – houve uma consulta pública no período de Carnaval, para saber a opinião dos brasileiros. Foi a consulta confete e serpentina. Nós abandonamos e 343 entidades brasileiras assinaram apoio à nossa retirada do Conselho Nacional. Isso foi muito bom porque foi um ato de desobediência civil absolutamente necessário que foi apoiado por todo movimento brasileiro – e portanto estamos num momento feliz, apesar de toda a ousadia dessas propostas de retrocesso.
A sociedade também está respondendo e eu percebo que há movimentação ambientalista, o Ministério Público está respondendo, vocês também do Ministério Público Democrático estão respondendo, a imprensa tem dado cobertura razoável, lá fora existe um pouco de confusão porque eles dizem “com Dilma, sem Dilma”. Não existe essa coisa porque, na verdade, esse processo vinha com a Dilma e continua porque é tudo uma coisa só. O acordo econômico e político foi difícil com o PT, vai continuar difícil agora e talvez seja mais difícil agora porque a influência desses políticos hoje ligados ao agronegócio se tornou muito forte. Nós mudamos a Kátia Abreu pelo Blairo Maggi. Então eu sempre acho que não vai piorar, mas infelizmente, às vezes, a gente tem que admitir esta realidade.


Baixe aqui a íntegra do texto.

Imagem: Arquivo/USP Imagens