12 de março de 2018
Por Roberto Livianu e Martha Helena Costa Ribeiro
Os primeiros agrupamentos humanos, no estado selvagem, tinham por objetivo a segurança dos indivíduos. A delimitação dos núcleos familiares sobreveio mais tarde. Inúmeras são as teorias que estudam a ascensão da família. Por uma questão meramente subjetiva, opta-se, nesta sucinta abordagem, pela Teoria de Friederich Engels que divide a evolução da estrutura familiar em quatro etapas: família consanguínea, família punaluana, família pré-monogâmica e família monogâmica.
A família consanguínea é a primeira fase da organização familiar, historicamente falando. É uma família unilinear, ou seja, os laços sanguíneos são a base principal de parentesco entre os membros.
Em seguida, exsurge a família punaluana, que excluiu a união sexual entre seus membros. Abolido o modelo familiar punaluano, desponta a família pré-monogâmica. A mulher era propriedade de um só homem, enquanto assegurava-se ao varão manter relações simultâneas com várias mulheres.
O estereótipo familiar abrigado por longo período transmudava-se definitivamente, fazendo nascer o instituto do casamento, já que essa era a única forma do homem ter para si uma esposa. Eis que se origina a família monogâmica, fulcrada no matrimônio e na procriação.
Dentro desse contexto, onde se busca demonstrar a evolução da estrutura familiar, imperioso, ainda, delinear importantes fases históricas, com o fito de interpretar os efeitos que emergiram da progressiva mutação da entidade familiar que constituem contributo inegável para a construção do arcabouço positivo que, atualmente, regulamenta a matéria.
Nessa linha de raciocínio, complementa-se esta pesquisa, compilando, em sumárias considerações, a influência do Direito Romano e do Direito Canônico para ilustrar a história da evolução da família.
É incontroverso afirmar que o Direito Romano tinha característica patriarcal e serviu de sustentáculo para o Direito de Família. A entidade familiar consolidava-se por meio do casamento e da obrigatoriedade de perpetuar a espécie. O autoritarismo masculino deu origem ao instituto do pátrio poder, expressão esta reconhecida contemporaneamente por poder familiar.
A análise da família, sob a ótica do Direito Canônico, destoa sensivelmente do conceito jurídico-social imposto à entidade familiar pelo Direito Romano.
O Direito Canônico, além de instituir a família por meio exclusivamente do casamento religioso, elevou o instituto à condição de sacramento, assegurando a indissolubilidade do matrimônio.
Após breve incursão no cenário histórico do sistema familiar primitivo, chega-se ao modelo contemporâneo de família, destacando-se dois períodos: a modernidade e a pós-modernidade.
A modernidade foi caracterizada pela autonomia da razão. Da ruptura com a era moderna, adveio o pós-modernismo, alicerçado na visão sentimentalista e romântica.
Com suporte axiológico nessa visão sentimentalista, a família desnuda-se de todos os laços de conveniência protetiva, econômica e religiosa, que mantinham o núcleo familiar primitivo, para reconhecer a relevância da afetividade como pilar essencial na construção do novo modelo familiar.
Esse processo histórico de transformação embutiu nuances profundas na esfera jurídica. Destarte, o advento da Constituição da República de 1988 — assinalada acertadamente de Constituição Cidadã — apenas positivou valores outrora sedimentados em uma comunidade interdependente, ampliando, reconhecendo e protegendo o conceito de família por meio de uma visão mais equânime e eudemônica.
O texto constitucional trouxe, à época, uma codificação voltada para os anseios da sociedade, visando o mais extenso sistema de proteção jurídica àquelas situações já solidificadas pelo costume e corporificou os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana.
Com essa visão, o legislador constituinte reconheceu a isonomia entre homem e mulher e a plena igualdade entre os filhos. Estendeu tratamento igualitário aos filhos havidos ou não na constância do casamento, aos filhos adotivos e aos filhos havidos de inseminação heteróloga. Instituiu a união estável como entidade familiar, o que veio desmistificar a concepção de que a família só pode ser identificada por meio do casamento civil.
O processo de transformação social, entretanto, é progressivo, contínuo e ininterrupto. O Direito Positivo sempre terá que se adequar a essas mudanças, sob pena de configurar lei não aplicável à espécie à qual se destina.
No alvorecer de quase três décadas da promulgação da Carta Magna, conclui-se que a tão aplaudida inovação no Direito de Família, consubstanciada no artigo 226, e seus parágrafos, carece de adequação do arcabouço normativo, visando o mais amplo sistema de proteção diante do corolário de novas situações surgidas ao longo desse tempo, como, por exemplo, as relações homoafetivas.
Nesse toar, embora a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais não tenham pacificado o assunto, o Ministério Público, especialmente na condição de fiscal da lei, para cumprir sua missão constitucional de defensor da ordem jurídica, tem procurado afirmar o pluralismo familiar encampado no texto constitucional, utilizando-se de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com os quais tem conseguido garantir tutela jurisdicional respeitosa ao princípio da igualdade, com lastro na Lei Maior, procurando resguardar os grupos representativos de minorias de qualquer natureza, dos resquícios de conteúdos discriminatórios.
Roberto Livianu é promotor de Justiça em São Paulo e doutor em Direito pela USP. É presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e ex-presidente do Ministério Público Democrático (MPD).
Martha Helena Costa Ribeiro é promotora de Justiça de Família em São Luís e associada ao Ministério Público Democrático (MPD).
Clique aqui e leia o original no Conjur.
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