Música, do estímulo ao combate à violência contra mulher
13/10/2016
Por Fabíola Sucasas, diretora do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) e promotora de Justiça do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid-MPSP); Silvia Chakian e Valéria Scarance, promotoras de Justiça do Gevid-MPSP; Thiago Sabatine, educador; Marília Taufic, publicitária e Rick Bonadio, produtor musical
Toda mulher tem o direito de viver livre da violência, de ser reconhecida plenamente como pessoa e cidadã, bem como ter assegurada a proteção de todos os direitos humanos e liberdades. Os mesmos consagrados em instrumentos legais internacionais e nacionais, a exemplo da Lei 11.340/06, chamada Lei Maria da Penha e que completa dez anos em 2016. Considerada a terceira lei mais importante no mundo no enfrentamento à violência de gênero, tem como diretriz a promoção de ações educativas. Isto para que um dia, todas as mulheres vivam libertas de questionamentos, condicionantes e, claro, não sofram toda e qualquer forma de violência. Isto para que se disseminem, perante a sociedade, valores éticos de irrestrito respeito à dignidade ao ser humano com a perspectiva de gênero e etnia.
É necessário, portanto, utilizar-se de todos os recursos e instrumentos que possam colaborar para que estes objetivos sejam alcançados. Uma perspectiva que deve trazer a música como meio eficaz de concientizar a sociedade. Entende-se que, por meio da música, é possível estimular a reflexão sobre a violência contra a mulher na intenção de previnir a ocorrência de novos casos. A linguagem musical traduz sentimentos, atitudes e valores culturais. É comumente usada como instrumento de sensibilização e ajuda a desenvolver novas percepções além de influenciar no processo de aprendizagem. Infelizmente, nem sempre a música é utilizada para estes fins e igualmente serve para mobilizar a discriminação, incitar o preconceito, bem como acionar a ignição da violência.
A indicação disto é a quantidade de vezes nas quais se ouvem composições que acabam por alavancar dúvidas e questionamentos sobre os verdadeiros sentidos e significados atribuídos às relações de gênero nas letras. Os exemplos não são poucos e sob o abrigo das músicas, que supostamente falam de amor, naturaliza-se na cultura social as respostas mais negativas que expressam submissão das mulheres, o desejo de vingança e as violências física, moral e sexual. Enquanto milhares de músicas misóginas são tocadas repetidamente e por vários anos, mostra que os impactos da circulação desses valores podem ser ainda mais agressivos. No Brasil, um longo repertório de músicas inferioriza, desqualifica e oprime mulheres, colocando-as costumeiramente no mesmo patamar significante de objeto sexual.
São músicas que influenciam, invisibilizam e perpetuam aquilo conhecido como “cultura do estupro”. “Todo homem que sabe o que quer pega o pau pra bater na mulher” proclama a música ”Silvia”, da banda Camisa de Vênus. Uma visão lastimável da realidade enquanto milhares de Silvias são impostas a uma submissão legitimada por tantas outras vozes entoadas nos cinco cantos do paí. Na contramão, surgem movimentos que respondem NÃO a este tipo de letra. Registra-se que o famigerado funk “Tapinha não dói” foi reconhecido pela Tribunal Regional Federal, em 2015, como canção que estimula a violência contra a mulher e a sentença condenou a produtora a pagar indenização de R$ 500 mil ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos da Mulher.
Em resposta a “Baile de Favela”, de MC João, uma verdadeira ode ao estupro, a jovem cantora Mariana Nolasco publicou vídeo, que já alcançou mais de 9 milhões e 500 mil visualizações no YouTube. Ela mandou seu recado e diz que “Pode ir quente ou fervendo; Mas respeita o seu par porque um dia a chapa que você ferveu pode ser a mãe dos filhos do destino que escolheu. Vocês sabem a situação que vão encontrar? Então pensa no menor e onde isso vai levar. Vamos pensar! Será que vai ajudar? Será que essa letra vai mostrar o valor a dar?” Com grande diferença de repercussão, “Baile de favela” tem mais de 140 milhões de visualizações e é ouvida e cantada repetidamente pelos jovens. Felizmente, há algo a se destacar com uma nova sensibilidade sobre as relações de gênero, a recepção dessas músicas têm sido cada vez mais motivo de estranhamento e problematização.
Foi exatamente esse universo que inspirou o concurso Vozes pela Igualdade de Gênero para falar sobre enfrentamento à violência e respeito à mulher com jovens e adultos de forma lúdica. A iniciativa do Ministério Público do Estado de São Paulo e a Secretaria de Estado da Educação envolve estudantes das 13 Diretorias de Ensino da capital paulista. Os estudantes deverão compor uma música que valorize o respeito à mulher. Espera-se que essas vozes cantem práticas éticas, sejam experimentadas e refletidas no comportamento de cada brasileiro e brasileira, bem como o protagonismo destes adolescentes na construção de uma sociedade na qual se abre espaço de compreensão sobre as relações de gênero. Por fim, que se amplie o alcance dos direitos e não se aceite qualquer forma de violência contra a mulher.