Idealizadora do Estatuto da Vítima (PL 3890/2020), gestora do projeto Avarc e presidente do Instituto Brasileiro de Atenção e Apoio a Vítima (Provítima). É doutora pela USP, mestre pela PUC-SP e promotora de Justiça integrante do Movimento do Ministério Público Democrático, Celeste Leite dos Santos, escreveu um artigo para o Congresso em Foco, publicado quinta-feira (28), intitulado “As diferentes faces da vulnerabilidade”.  

A vulnerabilidade social e individual tem sido sistematicamente ignorada pelos operadores do Direito, reproduzindo-se padrões de dominação sem que existam avanços efetivos em prol da equidade ou a também denominada justiça social. Suas condições de existência prática, representações, diferenças de gênero, origem e classe social são alheias ao direito posto e, portanto, ao uso da violência legítima, estejam estas ocupando o logos de vítima ou ofensor em determinado processo.

Sequer há consciência humanitária das violências diárias praticadas pelos operadores do Direito contra vítimas, ofensores e os próprios integrantes do sistema de Justiça. Vivemos um continuum de violência que se retroalimenta por ausência do estabelecimento de caminhos viáveis e consensuados de fazer justiça. Os benefícios do uso da conferência vítima-ofensor em relação a soluções meramente negociadas, por exemplo, são absurdos. Ao mesmo tempo contempla o resgate da dignidade da vítima violada e a reeducação e ressocialização do ofensor, pela assunção de responsabilidade ativa pelos erros cometidos, negando a infantilização imposta pela fórmula processual em nome de suposta presunção de inocência. Em nome dela processos penais são protelados por anos, os danos causados não são reparados e os índices de violência aumentam exponencialmente sem que ninguém pare para indagar – se há duzentos anos são utilizadas fórmulas processuais como fonte de garantias do cidadão em face do Estado, as razões que motivaram a sua criação ainda se mantém em uma Sociedade do Bem-estar social?

As vulnerabilidades sócio existenciais possuem como caminho legítimo de acolhimento pela redução precária processual ou é chegado o tempo de que a gestão intersetorial da justiça, segurança pública, saúde pública e assistência social é caminho irrevogável de aplicação sistemática dos saberes sem que uma Ciência pretenda fazer valer suas teorias e premissas em detrimento da outra?.

Não basta que a Vitimologia e a Criminologia desenvolvam extensos tratados de como o sistema de justiça está despreparado para fazer frente a vulnerabilidades, sem que também se aponte formas de enfrentamento a esse modelo dominante. O mito do homem médio e seus arquétipos materiais e simbólicos demonstram que para além de suportar a sua suposta existência e aplicação prática se faz necessário transformar esse caminho, apontando soluções viáveis e empáticas que permitam trabalhar tanto o eixo da vítima e, por conseguinte, seu ciclo de vitimização, formas de apoio e desvitimização, quanto o eixo do ofensor, que passa a adquirir autonomia e poder de decisão sobre o seu futuro e das vítimas, diretas, indiretas e coletivas afetadas pelas suas ações.

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