MARIA FÁTIMA VAQUERO RAMALHO LEYSER 14 MARÇO 2024 | 11min de leitura

Atualmente, há situações concretas decorrentes de abusividades efetuadas à aposentados e pensionistas do INSS, eis que concedidos empréstimos consignados (cartão de crédito consignado) sem qualquer solicitação ou autorização do consumidor.

Como sabido, a Carta Magna, no artigo 127, destinou ao Ministério Público o caráter de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Desde que os estudos doutrinários dos interesses difusos e coletivos converteram-se em lei, o Ministério Público tornou-se seu destinatário natural. Assim, a atuação do Ministério Público, no que se refere à defesa dos interesses metaindividuais é realizada a partir da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), que se aplica subsidiariamente ao sistema de outras normas legislativas destinadas à proteção desses interesses (Leis 7.853/89; 7.913/89, 8.069/90, 8.078/90 e 8.884/94).

A partir da legislação vigente, o Ministério Público tem legitimidade para intentar ação civil pública na defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 1º, inciso IV da Lei da Ação Civil Pública).

O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 82, conferiu legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores[1].

A legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações fundadas em direitos individuais homogêneos deve se restringir àquelas demandas em que se verifique o interesse social, pelo que se infere da atuação do Parquet no exercício de sua função institucional (art. 127 da Constituição Federal)[2]. Nesse sentido, foi editada a Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo[3].

Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 601, consolidando o entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviços públicos.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui posicionamento firme e pacificado, valendo destacar precedente:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. CONSUMIDOR. SERVIÇOS DE INTERNET.

  1. O objeto da Ação Civil Pública é a defesa dos direitos dos consumidores de terem o serviço de acesso à internet por banda larga (VELOX), a preços uniformes em todo o Estado do Rio de Janeiro. 2. O direito discutido está dentro da órbita jurídica de cada indivíduo, sendo divisível, com titulares determinados e decorrente de uma origem comum, o que consubstancia direitos individuais homogêneos.
  2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido da legitimidade do Ministério Público para “promover ação civil pública ou coletiva para tutelar, não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, inclusive quando decorrentes da prestação de serviços públicos. Trata-se de legitimação que decorre, genericamente, dos artigos 127 e 129, III da Constituição da República e, especificamente, do artigo 82, I do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)” (REsp 984.005/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011, DJe 26/10/2011). Precedentes.
  3. Incidência da Súmula 83/STJ.
  4. Agravo regimental a que se nega provimento[4].

Ressalte-se que o Ministério Público é legitimado ativo para propor ação civil pública tutelando direitos transindividuais, notadamente quando as vítimas das relações de consumo são hipervulneráveis ou de vulnerabilidade agravada, como o são os idosos (aposentados e pensionistas do INSS).

Não se descura que a legitimidade do órgão ministerial decorre não somente do Código de Defesa do Consumidor (arts. 81 e 82, inciso I), mas em especial do Estatuto da Pessoa Idosa (art. 74, I, da Lei nº 10.741/2003), competindo-lhe promover a ação civil pública “para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos da pessoa idosa”.

Como sabido, o empréstimo consignado é modalidade de crédito que desconta as parcelas desse serviço bancário diretamente da remuneração do consumidor.

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A matéria é regulamentada pela Lei n° 10.820, de 2003. Além dessa lei, é fundamental que sejam observados os direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor, por ser pacífico o entendimento de que a instituição financeira é fornecedora de serviços (artigo 3°, § 2º do CDC), a rigor da aplicabilidade da Súmula 297 do STJ.

O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, constitui direito básico do consumidor à facilitação de sua defesa e essa garantia visa proteger a parte mais fraca da relação de consumo.

A norma é baseada no princípio da vulnerabilidade que é inerente ao consumidor na relação de consumo, razão pela qual é cabível a inversão do ônus da prova. É cediço que as instituições financeiras devem promover o direito à informação do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso III do CDC.

Sobre o assunto, cabe realçar que o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, recentemente pacificou o entendimento no sentido de que recai sobre a instituição financeira o ônus da prova da veracidade da assinatura nos instrumentos bancários (Tema 1.061):

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO PROFERIDO EM IRDR. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DOCUMENTO PARTICULAR. IMPUGNAÇÃO DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA. ÔNUS DA PROVA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

  1. Para os fins do art. 1.036 do CPC/2015, a tese firmada é a seguinte: “Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II).”
  2. Julgamento do caso concreto.

2.1. A negativa de prestação jurisdicional não foi demonstrada, pois deficiente sua fundamentação, já que o recorrente não especificou como o acórdão de origem teria se negado a enfrentar questões aduzidas pelas partes, tampouco discorreu sobre as matérias que entendeu por omissas. Aplicação analógica da Súmula 284/STF.

2.2. O acórdão recorrido imputou o ônus probatório à instituição financeira, conforme a tese acima firmada, o que impõe o desprovimento do recurso especial.

  1. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido”[5].

É essencial pontuar, também, que as ações repetitivas que justificaram a admissão do IRDR na origem envolviam consumidores pessoas idosas, aposentadas, de baixa renda e analfabetas, os quais, em sua maioria, foram vítimas de fraudes ou práticas abusivas.

É necessário lembrar que é dever de toda instituição financeira prestar minuciosas informações ao consumidor sobre o empréstimo consignado, de maneira que este saiba quais são as obrigações das partes e – principalmente – os direitos que protegem a parte mais fraca da relação de consumo, ou seja, o consumidor.

Outrossim, o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor estatui que “a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, extensiva, em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia e prazo de validade de origem, entre outros dados”.

Portanto, o dever de informar é fonte de obrigações civis, com base na responsabilidade pré-contratual e não um simples controle sobre a enganosidade ou abusividade da informação e traz, assim, como elemento de grande importância para que o consumidor esteja habilitado para conhecer a qualidade do bem ofertado pelos seus próprios meios, exercendo a livre escolha do que lhe é assegurado.

Além disso, para a validade do negócio jurídico, o consumidor deve ter plena ciência do pactuado, sendo vedada práticas abusivas, de acordo com o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor[6]. Ainda, o artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor estatui que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

É de se registrar que foram inseridas no Código de Defesa do Consumidor novas práticas quando do fornecimento de crédito pela Lei nº 14.181/2021, devendo o fornecedor ou o intermediário, dentre outras condutas, informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido e sobre todos os custos incidentes.

Ademais, é vedado ao fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas, realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação.

Por fim, ainda, é vedado ao fornecedor de produto ou serviço, impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.

[1]”Assim agindo, a lei infraconstitucional (CDC) agiu em conformidade com a Constituição Federal, porque a defesa do consumidor, além de garantia fundamental (art. 5º, n. XXXII, CF) é matéria considerada de interesse social pelo art. 1º do CDC. Como é função institucional do Ministério Público a defesa dos interesses sociais (art. 127, caput, CF), essa atribuição dada pelo art. 82 do CDC, obedece ao disposto no art. 129, n. IX, CF, pois a defesa coletiva do consumidor, no que tange a qualquer espécie de seus direitos (difusos, coletivos ou individuais homogêneos) é, ex vi legis, de interesse social. Pode o Ministério Público ajuizar qualquer demanda coletiva, na defesa de qualquer direito que possa ser defendido por meio de ação coletiva (difuso, coletivo ou individual homogêneo – CDC 81, par. ún.). O que lhe é vedado é agir na defesa de um interesse individual puro, determinado” (Nelson NERY JÚNIOR, “O Ministério Público e as Ações Coletivas” in Ação Civil Pública (Lei 7.347/85-Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, pp. 358/359).

[2]”A defesa de interesses de um grupo determinado ou determinável de pessoas pode convir à coletividade como um todo. Isto, geralmente, ocorre em diversas hipóteses como quando a questão diga respeito à saúde ou à segurança das pessoas; ocorre, também, quando haja extraordinária dispersão de interessados, a tornar necessária ou pelo menos conveniente sua substituição processual pelo órgão do Ministério Público (p. ex., v. art. 1º da Lei nº 8.913/89; arts. 91 e 92 da Lei nº 8.078/90); ocorre, ainda, quando interessa à coletividade o zelo pelo funcionamento correto, como um todo, de um sistema econômico, social ou jurídico. Mais especificamente quanto ao âmbito da atuação ministerial na defesa dos chamados interesses individuais homogêneos, cremos deva firmar-se interpretação de caráter finalístico. O art. 129, III da CR comete ao Ministério Público a defesa de interesses difusos e coletivos. Quanto aos difusos, não há distinguir; por coletivos, entretanto, até estão os interesses da coletividade como um todo. O referido dispositivo deve ser examinado em harmonia com a destinação institucional do Ministério Público (CR, art. 127, caput)” (Hugo Nigro MAZZILLI, Funções institucionais do Ministério Público, São Paulo, APMP, 1991, pp. 66/67).

[3]”Súmula 7 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo: O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária”.

[4]STJ, AgRg no AREsp nº 209779/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, j. em 05.11.2013.

[5]STJ, REsp nº 1.846.649/MA, Segunda Seção, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze j. em 24.11.2021. Embargos de Declaração acolhidos, por erro material, par alterar a menção ao artigo 368 do CPC/2015, quando deveria ter constado, na verdade, o artigo 369 do CPC/2015.

[6]”Artigo 39 do CDC: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica