Por Ricardo Prado Pires de Campos*

“Há apenas duas certezas na vida: a morte e os impostos”, frase atribuída a Benjamin Franklin.

Recentemente, o Governo encaminhou a medida provisória nº 1.184 e o projeto de lei nº 4173, ambos de 28/8/2023, visando modificar regras de tributação em fundos de investimento e em investimentos no exterior.

Segundo as notícias publicadas pela imprensa, a tributação sobre os fundos exclusivos renderá mais de 3 bilhões por ano, podendo trazer um extra de 13 bilhões em razão de um desconto para antecipação de tributos; e a tributação sobre investimentos no exterior tem previsão de entrada de mais 7 bilhões anuais para os cofres públicos. A arrecadação extra desses tributos visa compensar a mudança realizada no imposto de renda das pessoas físicas que tiveram algum alívio tributário após anos sem correção da tabela do IR.

Em síntese, as medidas visam cobrar imposto de quem tem muito para aliviar um pouco para quem tem menos.

O sistema tributário nacional, além de caótico, é altamente injusto. A tributação sobre os salários é muito maior que a tributação sobre ganhos de capital. E mesmo nas rendas decorrentes do trabalho, as disparidades são enormes.

O trabalhador comum não possui alternativas. Seu imposto vem descontado na fonte e ele só pode deduzir gastos com educação e dependentes, em valores previamente limitados, mais as despesas de saúde.

Já o investidor possui uma série de fundos e investimentos que são isentos de tributação, ou possuem a tributação diferida, o que permite prorrogar indefinidamente o pagamento dos impostos.

Claro que ninguém gosta de pagar impostos, mas eles são imprescindíveis para a manutenção dos bens e serviços públicos. As vias públicas e parte do sistema de transportes, o SUS, as escolas públicas, as universidades federais e estaduais, todo o sistema de segurança pública e de Justiça, além de uma infinidade de outros serviços públicos são mantidos com os recursos oriundos dos tributos. Não existe possibilidade de existência da sociedade atual sem eles.

Os impostos, ou melhor, os tributos são a nossa taxa condominial obrigatória por vivermos em sociedade. Rodoviárias, portos e aeroportos, corpo de bombeiros, serviço público de ambulâncias, tudo isso e muito mais dependem desses recursos.

Pois bem, se todos são beneficiados por esses serviços é absolutamente natural que paguemos por eles. A injustiça está no fato de alguns pagarem pouco ou quase nada, enquanto outros pagam muito.

Não comungo do ódio que muitas pessoas têm aos milionários ou bilionários. Vejo isso com naturalidade, a ampla maioria adoraria ser milionário ou bilionário, e não há qualquer problema nisso. Creio que os impostos deveriam, sim, ser limitados por disposição constitucional. Eles estão previstos na Constituição Federal, possuem algumas limitações constitucionais (necessidade de prévia lei, princípio da anualidade, noventena e outras disposições), mas não há um teto sobre o quanto o Governo possa cobrar.

Os 27,5% de imposto de renda sobre os salários constituem padrão exagerado. É verdade que, há países com tributação ainda maiores, mas isso produz efeito contrário, a saída dos bilionários para outros países com menor tributação. Foi destaque, na época, a polêmica entre o conhecido ator Gerard Depardieu e o governo francês que pretendia tributar suas rendas com alíquotas estratosféricas de cerca de 70%.

Impostos em excesso afastam os grandes empreendedores, estimulam a sonegação e as fraudes, e acabam destruindo a economia, pois, inviabilizam a iniciativa privada.

O ideal é que os tributos fiquem no menor patamar possível, mas também é preciso que todos deem a sua contribuição. Na medida de suas possibilidades, mas sem salgar a mão em quem quer que seja. Todavia, não é possível aceitar como natural que alguém ganhe verdadeiras fortunas sem pagar nenhum centavo em impostos. A imprensa noticiou que conhecido investidor, no mercado de ações nacional, chegou a receber um milhão em dividendos por dia. É um exemplo a ser copiado, ele e sua filha têm procurado ensinar as pessoas a como fazer. Todavia, que os dividendos sejam isentos de impostos é uma anomalia do sistema tributário brasileiro.

De forma que, as iniciativas governamentais no sentido de trazer maior coerência e justiça para nosso combalido sistema tributário são absolutamente necessárias. Além de simplificação, precisamos de alíquotas razoáveis para todos os negócios. Beneficiar alguns em detrimentos de outros causa disfunção no funcionamento do sistema econômico.

É verdade que excesso de tributação é muito pior para a atividade econômica do que a ausência de tributos. A ausência de impostos estimula grandemente a atividade econômica, mas causa injustiça na medida que alguns passam a ter tratamento diferenciado, são beneficiados em detrimento de outros.

Claro que, enquanto houver isenções, as pessoas sempre irão procurá-las. As igrejas são beneficiadas por elas, o papel de imprensa goza de isenção, as Letras do Câmbio do Agronegócio e muitos outros são beneficiários dessas isenções tributárias. Aí, claro, os demais pagam a diferença.

A sociedade pode se dar ao direito de isentar determinadas atividades, quanto mais rica a sociedade for, maior seu poder de renunciar a recursos desnecessários; mas quando as rendas são insuficientes, toda isenção precisa ser discutida para ser legítima.

E tão importante quanto discutir quem deve ter direito a isenções e quem vai pagar a conta, também, é preciso discutir, sim, limites – em termos de alíquota – para a tributação governamental. Nesse ponto, ressalto as decisões do Supremo Tribunal Federal que estão definindo limites para as multas aplicadas pelo Fisco contra os contribuintes, as quais chegam a atingir 200 ou 300%; o que se constitui em enorme aberração.

Essas são decisões a serem comemoradas pelos contribuintes. Salvaguardas contra a sanha arrecadatória do governo são importantíssimas. A Justiça tributária a ser perseguida deve levar em conta a capacidade contributiva do contribuinte, não deve beneficiar exageradamente determinados grupos econômicos em prejuízo em outros, mas também, não pode inviabilizar os negócios legais e a vida financeira de quem quer que seja.

Os tributos são a contribuição dos membros da sociedade para a vida em comum, quanto mais sofisticada e rica a vida social, maior, obviamente, serão os tributos. No entanto, é preciso preservar a capacidade das pessoas decidirem por si próprias o que fazerem de seus recursos. O Estado não pode ficar com a maior parte. Escolher prioridades de gastos é direito das pessoas. Cada cidadão deve ter o poder de escolher no que quer usar seus recursos, o Estado não pode sugar tudo, por melhores que sejam seus argumentos.

Segundo as estatísticas publicadas, a maioria dos Governos arrecada cerca de um terço do PIB (produto interno bruto do país) em tributação direta e indireta. É bastante dinheiro, precisam devolver excelentes serviços para a população pelo preço que cobram.

Assim, como pagamos impostos mais de uma vez no mês, pois, pagamos Imposto de Renda sobre os salários, pagamos IPTU sobre os imóveis, IPVA sobre os carros, pagamos ISS sobre os serviços e ICMS e IPI sobre os produtos que compramos, seria conveniente que, em algum momento, o legislador limite na Constituição, as alíquotas máximas a serem cobradas. Essa questão começa a ser discutida na Reforma Tributária no que tange ao novo IVA, imposto sobre valor agregado, o qual deve substituir alguns tributos atuais (IPI, PIS, COFINS, ICMS E ISS).

Nem isenções, nem exageros, precisamos de ajustes no sistema tributário que o torne simples, mais fácil, compreensível, menos injusto e mais eficiente para a sociedade, para os contribuintes e até para o governo.

O sistema atual foi sendo criado ao longo de décadas, criou uma série de benefícios e muitos deles já não se justificam mais. Podiam fazer sentido em determinado momento da história, mas atualmente a realidade é outra. A renda de salários está em nítida diminuição, enquanto as rendas passivas aumentam a olhos vistos. O sistema precisa ser atualizado, aperfeiçoado e se tornar mais eficaz, além de mais justo.

*Ricardo Prado Pires de Campos é mestre em Direito das Relações Sociais, foi promotor e procurador de Justiça e ex-presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático, associação de membros do Ministério Público brasileiro

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica