Por: Adriana Barrea e Ivan Carneiro Castanheiro

A era disruptiva pela qual passa a sociedade – que migrou do analógico ao digital – deve ter o homem como o centro do conhecimento científico, bem como o desdobramento de suas ações para a garantia de sua existência.

Com a primeira grande revolução industrial, as máquinas a vapor transformaram o modo de viver em sociedade. A seguir, a descoberta da eletricidade trouxe o desenvolvimento das cidades e, por consequência, a migração do homem do campo aos centros urbanos.

A humanidade contina a avançar em suas conquistas, como não poderia deixar de ser. A internet se consagrou como o campo de circulação de informações de toda sorte, com impressionante rapidez e capilaridade. Fez explodir o fenômeno da globalização e, por conseguinte, a ampliação dos grandes mercados de produtos e serviços. Paralelamente, trouxe às pessoas, sejam elas integrantes do mercado de trabalho ou do mercado de consumo, grandes desafios e inovações.

Na atualidade, a humanidade vive a era da web, em que os dados produzidos são a grande riqueza para a existência de um novo modelo de negócios, o qual se consagra nas plataformas digitais. Inagura-se a sociedade da informação, permeada pelo Big Data.

Nesse meio digital, nasce a disrupção[1], a vinda do inesperado e/ou do imprevisível, em que os processos tecnológicos se tornam cada vez mais rápidos e assustadores. De modo que, tendo como centro o ser humano, o conhecimento científico, as novas modalidades de negócios e de relacionamentos pessoais, afetivos e de trabalho, abrem possibilidades até então não pensadas e estudadas.

Max Fischer anuncia que: A tecnologia das redes sociais exerce uma força de atração tão poderosa na nossa psicologia e na nossa identidade, e é tão predominante na nossa vida, que transforma o jeito como pensamos, como nos comportamos e como nos relacionamos uns com os outros. O efeito, multiplicado por bilhões de usuários, tem sido a transformação da própria sociedade”.[2]

Aliada ao surgimento deste fenômeno, o avanço de novas tecnologias faz-nos pensar sobre outras questões a serem enfrentadas pela sociedade da informação.

Merece destaque a Inteligência Artificial Generativa, tecnologia que, a partir de modelos pré-estabelecidos, gera criações produzidas pelas máquinas, com o desenvolvimento de novas imagens, textos e vídeos. O exemplo mais conhecido é o “Chat GPT”, o qual tem base de dados limitada e passível de conferência pelos usuários das informações produzidas, permitindo-se o rastreamento e a responsabilização civil, penal e administrativa de desvios. Daí a importância da regulação da inteligência artificial, em nível nacional e global, o que no Brasil ainda está em curso[3].

Dentre as várias questões para a humanidade enfrentar, o enfoque neste artigo está no impacto da Inteligência Artificial nas relações sociais e de trabalho e no campo psicológico, todos como fontes de stress.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que 27% dos empregos dos países da OCDE são de profissões com alto risco de automatização pela inteligência artificial.[4]

Segundo estimativa do Word Economic Forum, 83 milhões de empregos serão extintos, frente a 69 milhões que serão criados.[5] Vale dizer, haverá redução de 14 milhões dos postos de trabalho. Por conseguinte, 23% dos empregos sofrerão mudança.

O mesmo relatório do Word Economic Forum aponta que 44% das habilidades de um profissional podem mudar nos próximos cinco anos e precisam de atualização, “devido ao avanço tecnológico, o que torna importante desenvolver e aprimorar as habilidades em alta demanda para se manter competitivo no mercado de trabalho.” Serão mais importantes habilidades profissionais como “pensamento criativo e habilidades de autoeficácia, como resiliência, flexibilidade, agilidade, motivação e autoconsciência, e aprendizagem ao longo da vida lideram na sequência”.[6] De 2023 a 2027, estima-se que 43% das tarefas desenvolvidas por humanos serão automatizadas.

Portanto, há premente necessidade de adequação dos profissionais ao movimento digital e disruptivo, no que tange às suas habilidades, aprimorando a capacitação, bem como reciclando suas aptidões (upskilling e reskilling).

A importância do tema é tamanha que o citado relatório elenca as top 10 habilidades no ano de 2023, além das mencionadas habilidades ainda relaciona: curiosidade, aprendizado contínuo, letramento tecnológico, empatia e escuta ativa, bem como controle de qualidade. Vale dizer, todos devemos nos preparar para os novos desafios, descabendo pensar em retrocessos diante do movimento disruptivo.

Em relação aos impactos humanos, estudiosos divergem quanto à proximidade da era da Superinteligência Artificial (Artificial Superintelligence – ASI), cuja tendência caminha no sentido de que as máquinas poderão decidir por todas as áreas do conhecimento de domínio do ser humano. Outros, porém, argumentam que levará tempo para que a humanidade transponha o atual estado da arte, em que as máquinas desempenham parte das tarefas cabentes ao ser humano, deixando de integrarem somente a automatização de processos como vem ocorrendo na atualidade.

Ressalta Luciano Floridi:

“Em um mundo cada vez mais composto de 0s e 1s, (…). As tecnologias digitais fazem cada vez mais sucesso nesse mundo, porque, como os peixes no mar, elas são os verdadeiros nativos da infosfera[7]. Elas são mais capazes do que nós de realizar um crescente número de tarefas, porque os humanos são organismos analógicos tentando se adaptar a um habitat cada vez mais digital, assim como os mergulhadores de águas profundas.”[8]

Entretanto, ainda resta a preocupação com a transparência do processo. Explicamos: uma vez inseridos os dados pelos desenvolvedores de sistemas de IA (inputs), qual o caminho pelo qual a máquina envereda durante o processo de machine learning[9] (aprendizado de máquina) para entregar os resultados programados (em tarefas executórias ou preditivas)?

Em comparação ao processo cognitivo do cérebro humano, qual será o processo percorrido pelas máquinas, a fim de se chegarem aos resultados para os quais foram treinadas?

Em recente reportagem, manchete do Estadão, consigna “A inteligência artificial não entende o ‘não’ nas conversas com humanos e intriga a ciência”. Remanesce a discussão: ora, sendo a linguagem de máquina entre “0′ e “1″, como compreender a existência de espaço para “juízos de valoração” feitos pelas máquinas para além da programação desenvolvida pelos programadores? Como as máquinas farão para terem pensamento crítico, motivação e flexibilidade, exemplos de atributos próprios dos seres humanos?

Além de não haver respostas prontas a tais discussões, some-se o fato de que, com o avanço das tecnologias, há necessidade de enfrentamento de novos desafios, ânsia por informações atualizadas em tempo real, busca constante pelos dados e informações mais atuais em todos os campos do saber. Esses desafios serão as novas e, quiçá, as principais formas de stress.

O “stress” ou estresse poder ser definido como “resposta do organismo a determinados estímulos que representam circunstâncias súbitas ou ameaçadoras. Para se adaptar à nova situação, o corpo desencadeia reações que ativam a produção de hormônios, entre eles a adrenalina. Isso deixa o indivíduo em “estado de alerta” e em condições de reagir”.[10]

O momento disruptivo em que vivemos, em boa parte decorre de mudança de padrões ou estilo de vida, influenciado pelos hábitos e costumes, ora pelo natural evolução do ser humano, ora pelo surgimento de novas tecnologias, gera diferentes reações físicas e psíquicas. Esse acelerado processo de transformações tem potencial de influenciar em vários campos, mas especialmente em nossos comportamentos e oportunidades de obtenção, perda e/ou adaptações quanto às oportunidades profissionais (empregos). Natural que essas ameaças e/ou incertezas provoque(m) certa perplexidade nas pessoas, até porque incertas as consequências da inteligência artificial nesse contexto.

Entretanto, essas mudanças, acompanhadas de enormes desafios, podem vir em benefício do crescimento pessoal e profissional, com reflexos positivos na saúde e no lazer, tornando as pessoas com tempo disponível para usufruírem de atividades mais prazerosas, ao se desvencilharem-se de atividades repetitivas e da necessidade de cálculos, projeções e comparações (simulações de cenários), condicionantes para planejamento e tomada de decisões.

Até atingirmos esse momento de estabilização das relações do homem com as novas tecnologias, certamente levaremos algum tempo. Enquanto sociedade, não poderemos prescindir, no transcorrer desse processo, oferecer capacitação em todos os níveis, especialmente para os mais necessitados e desprovidos de acesso à tecnologia, visando a inclusão no mercado de trabalho e/ou preservação de empregos. Também será fundamental implementar a regulação da inteligência artificial para evitar abusos concorrenciais e infrações éticas.

A Inteligência Artificial pode ser um aspecto ou negativo para a evolução do indivíduo, no campo pessoal e/ou profissional, a depender da forma como se manejar instrumentos, superar entraves e tirar proveito dos benefícios.

Será necessário, ainda, reservar ao homem, enquanto ser pensante e com sensibilidade insubstituíveis pela máquina, o poder de decisão e de dar comandos verossímeis, lícitos e moralmente defensáveis (“imputs”) para as máquinas exercerem seu trabalho automatizado de processamento de dados, com fornecimento de adequados diagnósticos e de cenários para a tomada de decisões pelo seres humanos, seja na condição de pessoa física, seja na condição de pessoa jurídica (âmbito empresarial ou corporativo).

Resumindo, apesar das inúmeras incertezas em torno do futuro com a ampliação da Inteligência Artificial, ela já gera “stress”, pelo menos nesta fase de transição, o qual poderá ser positivo ou negativo, em todas as facetas da vida humana, a depender de como se encarar e lidar com essas adversidades do mundo tecnológico. Na seara profissional, é bem possível que, apesar da retração inicial dos postos de trabalho, os profissionais não sejam substituídos pelas ferramentas tecnológicas e sim por profissionais capazes de manejarem adequadamente as ferramentas tecnológicas.

[1] O significado para o termo disrupção: Ato ou efeito de romper(-se); disrupção, fratura; Quebra de um curso normal de um processo. Disponível em < https://infinicio.com/blog/ruptura-de-mercado-como-evitar>. Acesso em 02.

[2] Disponível em . Acesso 08.mai.2023

[3] A respeito os Projetos de Lei 5.051/19, 5.691/19, 1.872/21, 21/2020 e, mais recentemente, o PL 2.338/2023, ao qual os demais foram apensados.

[4] Inteligência artificial pode substituir 27% dos empregos dos países da OCDE. Disponível em https://exame.com/inteligencia-artificial/inteligencia-artificial-pode-substituir-27-dos-empregos-dos-paises-da-ocde/. Acesso em 02.out.2023.

[5] Estas são as 10 profissões do futuro, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial. Disponível em < https://exame.com/carreira/estas-sao-as-10-profissoes-do-futuro-segundo-estudo-do-forum-economico-mundial/> acesso em 02.out.2023.

[6] Essas são as habilidades profissionais para desenvolver até 2027. Disponível em https://www.guiadacarreira.com.br/blog/habilidades-profissionais-para-desenvolver-ate-2027. Acesso em 02.out.2023.

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[7] neologismo criado pelo filósofo da informação Luciano Floridi e que faz referência a um complexo ambiente informacional constituído por todas as entidades informacionais, suas propriedades, interações, processos e demais relações. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Infosfera>. Acesso em 03.out.2023.

[8] Por um futuro humano verde e azul. Disponível em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/612147-por-um-futuro-humano-verde-e-azul-artigo-de-luciano-floridi. Acesso em 03.out.2023

[9] Disciplina da área da Inteligência Artificial que, por meio de algoritmos, dá aos computadores a capacidade de identificar padrões em dados massivos e fazer previsões (análise preditiva). Disponível em < https://www.iberdrola.com/inovacao/o-que-e-machine-learning#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20′machine%20learning’%20e%20para%20o%20que%20serve,fazer%20previs%C3%B5es%20(an%C3%A1lise%20preditiva). Acesso em 03.out.2023.

[10] Disponível em https://www.saude.go.gov.br/biblioteca/7598-estresse#:~:text=Descri%C3%A7%C3%A3o%3A%20%C3%89%20a%20resposta%20do,e%20em%20condi%C3%A7%C3%B5es%20de%20reagir.. Acesso em 03.out.2023.

*Adriana Barrea, juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nas Varas Cíveis de Campinas. Cursando especialização em Direito Digital pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Juíza Auxiliar no DIPO – Departamento de Inquéritos Policiais – SP – de julho 2020 até abril 2022. Graduada em Letras pela UNIP. Graduada em Direito pela Universidade Vale do Paraíba. Formação em Justiça Restaurativa pela Escola Paulista da Magistratura e pela ENFAM. Especialista em Serviço Social, Ética de Direitos Humanos pela Faculdade Unylea. Integrante do Convênio de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher – UNIARAS e Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo – 2017-2019. Coordenadora do Grupo de Estudos de Justiça Restaurativa e Implementação do Polo Irradiador na Comarca de Leme – 2018 e 2019

*Ivan Carneiro Castanheiro, promotor de Justiça – MPSP (GAEMA PCJ-Piracicaba). Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor de Direito Ambiental e Urbanístico na ESMP-SP. Membro da Associação “Movimento do Ministério Público Democrático” (MPD). Professor Direito Ambiental, Administrativo e Constitucional, na UNIP/Limeira. Membro do Conselho Consultivo do Projeto “Conexão Água” (MPF). Coordenador do 17º Núcleo da ESMP (Piracicaba). Diretor de Publicações da ABRAMPA – Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público. Autor de capítulos de livros e artigos jurídicos na área ambiental e urbanística. Membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAM)

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica