Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, dispõe que “a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios…I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo…”.
O artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, constitui direito básico do consumidor à facilitação de sua defesa e essa garantia visa proteger a parte mais fraca da relação de consumo.
A norma é baseada no princípio da vulnerabilidade que é inerente ao consumidor na relação de consumo.
O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor veda as práticas abusivas[1].
As práticas abusivas são condutas que causam um maior desequilíbrio existente entre o fornecedor e consumidor na relação consumerista e não podem, sob hipótese alguma, ser afastadas pela livre vontade das partes.
Para DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES e FLÁVIO TARTUCE[2], as práticas abusivas encerradas pelo artigo 39 são assim conceituadas:
“Deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer conduta ou ato em contradição com o próprio espírito da lei consumerista. Como bem leciona Ezequiel Morais, “prática abusiva, em termos gerais, é aquela que destoa dos padrões mercadológicos, dos usos e costumes (incs. II e IV, segunda parte, do art. 39 e art. 113 do CC/2002) e da razoável e boa conduta perante o consumidor”. Lembre-se de que, para a esfera consumerista, servem como parâmetros os conceitos que constam do art. 187 do CC/2002: o fim social e econômico, a boa-fé objetiva e os bons costumes, em diálogo das fontes. Há claro intuito de proibição, pelo que enuncia o caput do preceito do CDC, a saber: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas”. Na esteira do tópico anterior, a primeira consequência a ser retirada da vedação é a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou prestador de serviços. Além disso, deve-se compreender o art. 39 do CDC como em um diálogo de complementaridade em relação ao art. 51 da mesma norma. Deve haver, assim, um diálogo das fontes entre as normas da própria Lei Consumerista. Nesse contexto de conclusão, se uma das situações descritas pelo art. 51 como cláusulas abusivas ocorrer fora do âmbito contratual, presente estará uma prática abusiva. Por outra via, se uma das hipóteses descritas pelo art. 39 do CDC constituir o conteúdo de um contrato, presente uma cláusula abusiva. Em suma, as práticas abusivas também podem gerar a nulidade absoluta do ato correspondente.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990, no art. 6°, incisos VI e VII), igualmente, estabelece como direito básico do consumidor, a título de direito individual e coletivo, a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, bem como o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à sua prevenção e reparação.
A prática conhecida por “embutec”, consistente em embutir/disponibilizar, nas faturas dos cartões de crédito dos consumidores serviços de seguros sem prévia anuência deles tem potencialidade de lhes causar prejuízo.
Curial ressaltar que a conduta perpetrada pela empresa, nessa situação, implica quebra de confiança que se estabelece entre o consumidor e as próprias relações de comércio, inclusive com reflexos para aqueles estabelecimentos, que se pautam pelo rigor na venda de seus produtos. Aliás, esses últimos, além de tudo, sofrem concorrência desleal por vender suas mercadorias sem “embutir” seguros nas faturas de cartões de crédito e terão a sua honestidade confundida com incompetência comercial, dado que caso aquele que efetuou essa prática comercial saiu-se apenas com algo próximo de mera advertência. Daí a imposição do reconhecimento do dano moral.
O dever em indenizar o dano moral coletivo configura-se com as condutas ilícitas praticadas pelo fornecedor, em desrespeito aos princípios da informação e boa-fé, bem como dispositivos legais que norteiam as relações de consumo, expondo a risco a saúde e integridade do consumidor, difusamente considerado.
Na doutrina, há vários pronunciamentos pela pertinência e necessidade de reparação do dano moral coletivo.
JOSÉ ANTÔNIO REMÉDIO, JOSÉ FERNANDO SEIFARTH e JOSÉ JÚLIO LOZANO JÚNIOR[3] informam a evolução doutrinária:
“Diversos são os doutrinadores que sufragam a essência da existência e reparabilidade do dano moral coletivo: Limongi França sustenta que é possível afirmar a existência de dano moral “à coletividade, como sucederia na hipótese de se destruir algum elemento do seu patrimônio histórico ou cultural, sem que se deva excluir, de outra parte, o referente ao seu patrimônio ecológico”. Carlos Augusto de Assis também corrobora a posição de que é possível a existência de dano moral em relação à tutela de interesses difusos, indicando hipótese em que se poderia cogitar de pessoa jurídica pleiteando indenização por dano moral, como no caso de ser atingida toda uma categoria profissional, coletivamente falando, sem que fosse possível individualizar os lesados, caso em que seria conferida legitimidade ativa para a entidade representativa de classe pleitear indenização por dano moral. A sustentar e esclarecer seu posicionamento, aponta Carlos Augusto de Assis, a título de exemplo: “Imagine-se o caso de a classe dos advogados sofrer vigorosa campanha difamatória. Independente dos danos patrimoniais que podem se verificar (e que também seriam de difícil individualização) é quase certo que os advogados, de uma maneira geral, experimentariam penosa sensação de desgosto, por ver a profissão a que se dedicam desprestigiada. Seria de admitir que a entidade de classe (no caso, a Ordem dos Advogados do Brasil) pedisse indenização pelo dano moral sofrido pelos advogados considerados como um todo, a fim de evitar que este fique sem qualquer reparação em face da indeterminação das pessoas lesadas. Carlos Alberto Bittar Filho leciona: “quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico”.
Assim, tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos) ensejam reparação.
Doutrinariamente, citam-se como exemplos de dano moral coletivo aqueles lesivos a interesses difusos ou coletivos: “dano ambiental (que consiste na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade), a violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica etc.) através de publicidade abusiva e o desrespeito à bandeira do País (o qual corporifica a bandeira nacional)”.
E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ).
Por certo, a fixação do quantum indenizatório fica ao arbítrio prudente do julgador, subjetivamente adotado. Em se tratando de dano extrapatrimonial coletivo, o Magistrado deve ainda levar em consideração, as características próprias aos direitos difusos, devendo a reparação imposta representar para a sociedade o reconhecimento aos seus valores essenciais, dentre eles a proteção ao consumidor e à dignidade da pessoa humana.
[1]”Artigo 39 do CDC: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.
[2]Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 276.
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[3]Dano moral. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 34-5
*Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, procuradora de Justiça / Ministério Público do Estado de São Paulo e associada do Movimento do Ministério Público Democrático – MPD
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica
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