Ricardo Prado Pires de Campos*

22 de março de 2019

O discurso governamental em defesa da reforma da Previdência contrasta de forma muito significativa com suas reais consequências, se for aprovada. O governo alardeia ser proposta boa para o país, com economia de trilhões de reais ao longo dos anos, e meio de combate à desigualdade de rendas. Portanto, justa para a maioria da população. E os prejudicados são pequeno grupo de privilegiados. Além disso, o sistema seria inviável economicamente, o que tornaria a reforma inadiável e imprescindível.

Inicialmente, frise-se, o criador do “déficit contábil” foi o governo quando desviou, por anos, recursos da Seguridade Social, através da DRU (art. 76 das disposições transitórias da Constituição Federal). Depois, os recursos previstos nos orçamentos Fiscal e da Seguridade, segundo Lei de 2019, somam mais de 2,502 trilhões de reais, enquanto os gastos da Seguridade, o que inclui Previdência, Saúde (SUS) e Assistência Social, somam 1,056 trilhão; portanto, há dinheiro para o pagamento das dívidas na atualidade.

Tem mais. Ao invés de ir atrás dos recursos desviados, da cobrança aos devedores, e da redução das isenções, o governo preferiu o caminho mais fácil de cobrir o déficit com o dinheiro do trabalhador, do aposentado e do pensionista.

Mas “isso é bom para o País, é fundamental para a economia e o mercado”, bradam os defensores da reforma.

Talvez, seja bom para os gestores da previdência privada e para quem vive de juros da dívida pública, esses, sim, uma pequena minoria; mas para quem vive do trabalho, para quem contribuiu a vida inteira com o sistema e não vai receber seu direito, impossível dizer que a proposta traga algum benefício.

Falar em combate à desigualdade de rendas, na motivação da proposta, para justificar alíquotas confiscatórias de até 22% na contribuição do trabalhador, é de uma ousadia ímpar. Basta ver a redação do art. 37 § 10 que continua a permitir a parlamentares, ministros e assessores do alto escalão que recebam a aposentadoria mais a remuneração do cargo; para os demais, que não estão ressalvados, isso é proibido.

As grandes fortunas do País não têm suas rendas advindas da Previdência Social, mas de ganhos de capital, dividendos, aluguéis, juros da dívida e outros; sem falar dos beneficiários do desvio de dinheiro público. Estão todos fora da reforma.

Quem pagará pela má gestão dos recursos públicos são os trabalhadores, aposentados e pensionistas; e não os maus gestores, e nem aqueles que se locupletaram ilegalmente. Não parece ter sido essa a vontade expressa nas urnas.

Se o Estado brasileiro confiscar o dinheiro da previdência, como promete a referida proposta de Emenda à Constituição (alguma semelhança com o confisco da poupança no início do governo Collor), seguramente, teremos empobrecimento generalizado e mais desigualdade social, com seu subproduto que é o aumento da criminalidade e da insegurança.

A China, quando tem problemas, aumenta seu investimento. Os Estados Unidos, na crise de 2008, injetou muito dinheiro no mercado para que a economia voltasse a andar e as pessoas recuperassem seus empregos e suas rendas. No Brasil, agimos ao contrário, quando estamos em crise: cortamos investimentos, cortamos empregos, reduzimos renda; e depois, reclamamos que a situação ficou pior.

*Ricardo Prado Pires de Campos, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) e mestre em Direito

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