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09.03.2023 17:01

Tramita com requerimento de urgência na Câmara dos Deputados o Estatuto da Vítima (PL 3890/2020). O projeto reconhece a importância do papel da sociedade do bem-estar social e a necessidade de sua interação contínua com um modelo de estado de bem estar social, ante a vitimização histórica, coletiva e estrutural vivenciada nacional e internacionalmente.

Art 2°. As disposições deste Estatuto aplicam-se às vítimas de infrações penais, atos infracionais, calamidades públicas, desastres naturais e epidemias, independentemente de sua nacionalidade e vulnerabilidade individual e social.
§1°. As disposições desta lei aplicam-se às vítimas indiretas no caso de morte ou de desaparecimento diretamente causados por infração penal, ato infracional, calamidade pública, desastre natural ou epidemia, a menos que sejam os responsáveis pelos fatos.
§2° No caso de vitimização coletiva causada pela prática de infração penal, ato infracional, calamidade pública, desastre natural ou epidemia, serão adotadas medidas especiais de proteção, apoio e desvitimização.

As categorias da vítima direta (infrações penais, atos infracionais, desastres naturais, calamidades públicas e epidemias), indireta (órfãos da covid-19, desastres naturais como o do Capitólio, feminicídios, latrocínios) e coletiva (direitos à moradia causado pela mudança dos fatores de vulnerabilidade individual e social, saúde pública, meio ambiente, sentimento religioso, consumidor, fé pública) são fruto de construção social e a forma como é percebida a vitimização em nossa sociedade. Não se trata de categorias estanques, mas que interagem mutuamente. Um mesmo evento traumático pode dar origem a essas três categorias. Ad argumentandum, a tragédia em Petrópolis que vitimou 178 munícipes, assim como a tragédia no litoral paulista que até o momento vitimou 57 moradores da região geraram ao mesmo tempo vitimização direta, indireta e coletiva. Por vítimas diretas podemos apontar aqueles que vieram a óbito ou que foram afetados diretamente pelas chuvas que assolaram a região (v.g. aqueles que perderam sua moradia). Os órfãos ou familiares de pessoas desaparecidas que certamente não contribuíram para os fatos ocorridos podem ser definidos como vítimas indiretas da calamidade pública. Ainda temos as vítimas coletivas que são todos os residentes de Petrópolis e do litoral paulista ou, que de alguma forma sofreram o impacto do trauma causado pelas chuvas torrenciais. As estratégias de desvitimização a serem encetadas de forma compartilhada pelo poder público e sociedade devem perpassar pelo reconhecimento ao luto, auxílios imediatos como alimentação e moradia, revisão do próprio plano diretor da cidade identificando áreas de risco ou implementando planos de contingenciamento de riscos para eventos semelhantes futuros, acolhimento emocional, espiritual e jurídico as vítimas da tragédia, auxílio financeiro, dentre outros.

A vulnerabilidade social e individual tem sido sistematicamente ignorada pelos operadores do Direito, reproduzindo-se padrões de dominação sem que existam avanços efetivos em prol da equidade ou também denominada, justiça social. Suas condições de existência prática, representações, diferenças de gênero, origem e classe social são alheias ao direito posto e, portanto, ao uso da violência legítima.

Há que se apontar, ainda, que o ambiente vitimogênico, possui papel decisivo no grau de vitimização individual ou coletiva. Em cidades de pequeno e médio porte o sentimento de pertencimento a uma comunidade possui o viés positivo de facilitar a criação de redes de apoio e de solidariedade pelo reconhecimento da interdependência entre aqueles que pertencem ao mesmo grupo. Por outro lado, a experiência vitimizatória é experimentada e percebida em maior grau, tendo o condão de impactar coletivamente um grupo social mais extenso do que se o mesmo fato ocorresse em grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, dentre outras.

Nesse sentido, a Fundação Instituto de Vitimologia já destacava o sentido mais amplo da vítima, tal qual como empregado no Projeto de Lei de Estatuto da Vítima (Projeto n. 3890/2020):

Toda pessoa afetada por um evento traumático, entendendo por isso: acidentes, desastres naturais e agressões deliberadas entre pessoas. As agressões podem ser agudas ou crônicas, físicas ou psicológicas (cf. LÓPEZ, María Amaya Fernández. La Mediación em Procesos por Violencia de Género. Pamplona: Aranzadi, 2015. p. 207).

Com o novo cenário advindo da crise mundial causada pela covid-19, as enchentes no litoral paulista (2023), na Bahia (2022), Petrópolis (2022), os desastres geológicos no Capitólio (2022), o aumento exponencial da população em situação de rua nas grandes cidades, as invasões de terras indígenas, temos que se acentuará a nova concepção de sociedade voltada ao bem estar coletivo. O reconhecimento de direitos materiais e processuais figuram como mínimo essencial a tutela da dignidade da pessoa humana. Não se trata da simples constatação de medidas destinadas a legitimar a ingerência estatal por intermédio do processo judicial, mas apesar deste. Em outras palavras, serão necessárias medidas concretas preventivas à ocorrência da vitimização coletiva e estratégias concretas de desvitimização visando assegurar para além da paz social, a equidade.

A sociedade anseia pela aprovação do marco legal regulatório dos direitos das vítimas. No último dia 2, foi lançada na Câmara Municipal de São Paulo o Instituto Brasileiro de Atenção e Apoio às Vítimas (provitima.org). Busca-se fomentar o reconhecimento dos direitos das vítimas e colaborar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A entidade tem dentre as suas finalidades a cobrança de avanços legislativos e administrativos sobre o tema.

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