Por Ricardo Prado Pires de Campos*
15/06/2023 | 05h00

Notícia recente dá conta que uma empresa de apostas online que oferecia operação com Bitcoin e criptomoedas já acumula mais de cinco mil reclamações e processos na Justiça. A empresa teria sido recomendada por personalidades conhecidas como um jogador da seleção brasileira de futebol e um conhecido influencer com grande número de seguidores (Cassio Gusson, Cointelegraph Brasil).

Notícias envolvendo fraudes em apostas e investimentos em criptomoedas têm sido frequentes no país. As duas questões não guardam relação obrigatória, mas circunstancialmente ambas têm sido utilizadas para enganar os menos precavidos.

Não é de hoje que se sabe que a vontade de enriquecer move o ser humano. Textos da antiguidade já registraram o apego da humanidade pela riqueza; mas as histórias daqueles que terminaram pobres são em maior número.

É certo que a humanidade tem enriquecido ao longo dos séculos e de forma muito significativa. Todavia, a maior parte da riqueza permanece concentrada em mãos de poucas pessoas ou de poucas famílias ou grupos econômicos, depende de como se olha a questão.

As pessoas sempre querem mais. É da natureza humana certa insatisfação permanente, o que nos leva a uma busca constante por mais riqueza. Nesse contexto, os sites de apostas e os investimentos em criptoativos (Bitcoin é o mais conhecido) têm sido dois instrumentos utilizados na busca do enriquecimento rápido.

Estamos na fase da banda larga, as pessoas têm pressa, inclusive para enriquecer. O problema é que isso tem sido altamente eficiente, não para os apostadores ou investidores e especuladores, mas sim para as casas de apostas e os estelionatários.

O volume de fraudes pela internet é gigantesco. Notícias de investidores em criptomoedas que não conseguem resgatar seu dinheiro viraram corriqueiras. E as notícias sobre fraudes envolvendo jogos e apostas, então, nem se fale.

É impressionante, também, a credibilidade das pessoas. A fé que possuem de que ficarão ricas sem a necessidade de trabalhar, bastando acertar os números da sorte ou descobrir um investimento milagroso.

A probabilidade de uma pessoa acertar a Mega-Sena é infinitamente pequena, mas como, em muitos sorteios, há algum ganhador, isso mantém a esperança dos apostadores sempre viva.

Pirâmides financeiras vivem explodindo, afinal, os investidores sempre estão em busca de uma grande jogada, de uma dica quente, de fazerem dinheiro rapidamente, assim, se a narrativa do estelionatário fizer algum sentido, a chance dos investidores caírem numa cilada não é pequena.

Criptoativos ou criptomoedas, ainda, são bastante desconhecidas das pessoas. Poucos sabem como isso efetivamente funciona, mas quase todos já ouviram falar em Bitcoin e altcoins. E ouviram falar, principalmente, dos ganhos vertiginosos que elas deram a seus possuidores. Ou seja, narrativas que estimulam a ganância dos seres humanos.

A maioria das pessoas não faz pesquisa profunda antes de realizar um investimento, se satisfaz com as informações dadas pelo gerente do banco, pelo assessor de investimentos, por um amigo, ou pior por uma “dica quente” que está correndo no mercado.

É óbvio que, muitos desses investimentos acabarão mal. Aliás, muitos sequer eram investimentos, mas apenas golpes, fraudes, estelionatos.

Colocar um endereço, um site para funcionar na internet é muito fácil. Abrir contas bancárias no Brasil utilizando laranjas ou documentos falsos também. Quando a polícia vai investigar as contas bancárias para onde foi transferido o dinheiro do investimento, muita vez, se depara com fraude documental. Os estelionatários não costumam usar seus próprios nomes para fazerem negócios ilícitos, como já entram mal-intencionados, usam documentos de terceiros (furtados ou falsificados); quando a polícia ou a justiça chega nas contas bancárias, eles já resgataram todos os valores.

Alguns golpistas com criptomoedas até foram identificados, mas o dinheiro “investido” já havia sido gasto. As vítimas, em sua grande maioria, não conseguiram recuperar.

Sites prometendo grandes vantagens financeiras facilmente, não deveriam receber a credibilidade que as pessoas lhes devotam. Há muitos sites inclusive que sequer são nacionais, embora possam fazer propaganda em nosso idioma. Se o autor do golpe for estrangeiro ou estiver no exterior, a Justiça brasileira terá dificuldades para dar andamento ao processo e buscar recuperar o dinheiro perdido.

Criptomoedas são reconhecidas como moeda internacional, pode-se convertê-la em muitos lugares do mundo. Uma vez que saiu de seu domínio, pode não mais voltar. Aliás, muitos dos pedidos de extorsão, encaminhados pela internet, outro crime que cresceu muito, exige o pagamento do resgate em criptomoeda (usualmente bitcoin), exatamente pela facilidade de desaparecer sem deixar vestígios.

Assim, é importante que as pessoas estejam alertas. Não é porque uma personalidade pública fez um determinado anúncio (ela muita vez está ganhando para isso, ou pode estar enganado também), que devemos acreditar e colocar nossos recursos nesse investimento. É preciso saber quem será o gestor de seus recursos, no que será investido, e onde você poderá encontrá-lo, principalmente se algo der errado.

No mundo atual, estamos nos acostumando a tratar com máquinas, com aplicativos, a fazer nossas atividades pelo celular ou computador, sem contato pessoal. Todavia, isso gera maior dificuldade na avaliação dos riscos envolvidos na operação. Ofertas relâmpagos espetaculares que iremos perder se não clicarmos imediatamente, pode ser uma fraude.

Golpistas inteligentes descobriram na internet formas bastante sofisticadas de ganharem dinheiro, ou melhor, de tomarem o dinheiro alheio.

O crime de estelionato é definido como a obtenção de vantagem ilícita, mediante fraude (artifício ou ardil), em prejuízo alheio. É delito comum que acompanha a nossa história, mas que ganhou uma explosão fantástica com o advento da internet. O fato do estelionatário não mais ter de ficar cara a cara com a vítima (proximidade física), lhe garante mais segurança para aplicar o golpe e maior probabilidade de ficar impune. Além de haver aumentado exponencialmente os lucros dado o maior número de vítimas.

O Mundo ficou mais rico com o advento da internet, mas os estelionatários também.

É preciso estarmos alertas, pois, depois que o dinheiro sai de nossas mãos, a polícia e a Justiça podem encontrar dificuldades em recuperá-lo das mãos de criminosos internacionais ou em outros países. Criminosos nacionais, com identidades falsas, podem ser identificados, mas o dinheiro costuma desaparecer rapidamente.

Precisamos redobrar nosso cuidado em negócios onde não conhecemos a outra pessoa com quem estamos negociando.

*Ricardo Prado Pires de Campos é professor convidado na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, foi promotor e procurador de Justiça, e ex-presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica