O Dia Internacional da Mulher cada vez mais deixa de ser uma data para os homens entregarem flores e chocolates e se torna um momento de reflexão sobre a desigualdade de gênero que alcança a sociedade em todos os seus níveis.

No Ministério Público não é diferente. A promotora de Justiça no Maranhão, Martha Helena Costa Ribeiro, diretora do MPD, ressalta que estudo do Conselho Nacional do Ministério Público mostra que os quatro ramos do Ministério Público e as 27 unidades nos estados contam com uma proporção de 39% de mulheres para 61% de homens.

Além disso, Martha lembra que, atualmente, apenas 39% das mulheres ocupam cargos de poder no Ministério Público. Para a promotora, um modo de superar essa desigualdade crônica é por meio das cotas de gênero no serviço público.

“Considerando as disparidades que se desenvolvem ao longo do tempo e que as tornam, na maioria das vezes, imperceptíveis, resta evidente estimular a implementação de política de cotas por gênero, no serviço público em geral, como forma de quebrar paradigmas patriarcais da nossa sociedade”, afirma em entrevista ao site do MPD.

Mas a diretora do MPD não se restringe a falar apenas de medidas legais ou administrativas. Martha ressalta a necessidade de mudança cultural, que só pode vir por meio da educação na qual escolas e universidades tenham real comprometimento de romper com a cultura da desigualdade de gênero.

“Por outro lado, não se pode abstrair desse processo o papel da família, no sentido de que haja um equilíbrio dinâmico nas funções desempenhadas por homens e mulheres dentro do núcleo familiar, abrindo-se um maior espaço para o protagonismo masculino no contexto parental”, complementa.

Leia abaixo a entrevista:

MPD — Quando decidiu que seria Promotora de Justiça e por quê?

Martha Helena — Desde que ingressei na faculdade de Direito já almejava exercer uma carreira pública como operadora do Direito. Concluída a faculdade, fiz meu primeiro concurso público para o cargo de Delegada de Polícia, cargo este que exerci com muita honradez, durante sete meses. Todavia, a carreira de membro do Ministério Público sempre me fascinou, era um desejo manifesto tornar-me Promotora de Justiça, pois considero uma das funções mais representativas do Direito. Prestei o concurso e, uma vez aprovada, optei por ingressar no Ministério Público Maranhense.

MPD — Qual a sua área de atuação e como é a rotina de uma Promotora?

Martha Helena — Atualmente sou titular da 16ª Promotoria de Justiça Cível – 6ª Promotoria de Justiça das Famílias. A rotina de uma Promotora de Justiça, especificamente no meu caso, que tenho atribuição na seara familiarista, não se resume apenas em oficiar nos processos judiciais ou efetuar audiências nos feitos onde haja interesse do Ministério Público.  Vai mais além! Somos verdadeiros agentes de transformação social e, na nossa senda laboral, nos deparamos com questões que fogem o simplório rigor legalista para adentrarmos em situações mais profundas que envolvem laços afetivos e emocionais. Hodiernamente, o Promotor de Justiça deve ter como princípio basilar, no exercício do seu mister, a sensibilidade e a empatia. Só assim poderemos contemplar um direito humanizado e com aplicação eficaz.

MPD —Quais são os maiores desafios e a maior satisfação dessa profissão?

Martha Helena — Os maiores desafios eu diria que são o enfrentamento de estruturas políticas que tentam coibir a atuação e a autonomia dos membros do Ministério Público com expressa afronta as nossas prerrogativas e as nossas atribuições. Acredito que a maior satisfação que advém do exercício do cargo de Promotor de Justiça é ocupar uma posição única na sociedade, influenciando e melhorando a vida social dos cidadãos, seja na proteção de direitos difusos e coletivos importantes, seja como fiscal do ordenamento jurídico ou seja, ainda, como defensor do regime democrático. Corroborando essa relevância, a Constituição Federal eleva o Ministério Público à condição de função essencial à Justiça.

MPD — Como o Ministério Público cumpre seu papel no combate a violência contra a mulher e a desigualdade de gênero?

Martha Helena — No que se refere à violência doméstica e familiar contra a mulher, o Ministério Público desempenha uma ação multifacetada no combate, prevenção e erradicação a esse tipo de crime.

Além de realizar a persecução penal do agressor, o Ministério Público é responsável por receber e encaminhar a demanda das vítimas; solicitar abertura de inquérito policial nos casos de comprovados indícios de violência ou de novas diligências para a comprovação do crime; realizar a fiscalização da atuação policial; requerer medida protetiva de urgência ao Judiciário; requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros, que visem proteger a vítima; fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis referente a quaisquer irregularidades constatadas; cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher; acompanhar, fiscalizar e monitorar os serviços de atendimento multidisciplinar voltados ao agressor.

No tocante à desigualdade de gênero, apesar de a representatividade feminina ter alcançado patamares expressivos, a segregação entre gêneros ainda é uma realidade recorrente no cenário atual. Trabalhar a equidade de gênero, não é tarefa das mais fáceis, pois como amplamente discutido, o diagnóstico factual perpassa por um sistema maléfico onde predomina a discriminação e o preconceito em desfavor da população feminina.

No âmbito interno do próprio Ministério Público Brasileiro, nos deparamos com as mazelas da segregação de gênero. O Conselho Nacional do Ministério Público, em estudo recente, intitulado “Cenários de Gênero”, concluiu que os quatro ramos do Ministério Público e as 27 (vinte e sete) unidades nos estados contam com 5.114 (cinco mil cento e quatorze) Promotoras e Procuradoras e 7.897 (sete mil oitocentos e noventa e sete) Promotores e Procuradores, na proporção de 39% de mulheres para 61% de homens.

Em decorrência dessa conjuntura, há de se implementar instrumentos que possam propiciar um efetivo debate institucional e o desenvolvimento de políticas estratégicas de enfrentamento de desigualdades de gênero para restabelecer a imanência do direito feminino, estendendo-se as diretrizes com o objetivo de aplicar métodos e iniciativas preventivas, de cunho pedagógico e conscientizador para todos os setores da sociedade, visando uma mudança comportamental e cultural para conquistar o tão sonhado empoderamento feminino.

MPD — Quais as barreiras que as mulheres encontram e que não existem para os homens na carreira do Ministério Público?

Martha Helena — Existe um viés ontológico por parte expressiva da sociedade que dificulta o desempenho de mulheres em suas atividades laborativas, seja porque alimenta, ainda, crenças limitantes acerca da capacidade feminina de executar determinadas funções que, historicamente, encontram-se associadas ao trabalho masculino, seja em razão de construção social baseada na diferenciação biológica dos gêneros, expressa por meio de relações de poder e subordinação. Refiro-me a essas barreiras não só no exercício da função de Promotora de Justiça, mas em todas as categorias profissionais. A questão cultural, firmada em uma estrutura patriarcal severa, é a grande responsável pela discriminação de gênero que faz acrescer os entraves para o desempenho profissional. Para desconstituir essas barreiras, nós mulheres, precisamos adotar uma postura de segurança no exercício de nossas atividades, aliada a posturas de seriedade, iniciativa e criatividade.

MPD — Como vê uma política de cotas para mulheres não só no Ministério Público, mas em outras áreas da sociedade?

Martha Helena — As políticas de cotas também intituladas de “ações afirmativas” nasceram da necessidade de inserir determinados grupos vulneráveis (considerados por fatores como sexo, raça, cor ou origem) na educação ou no mercado de trabalho. Urge destacar que, no serviço público, as mulheres representam a maioria do funcionalismo (federal, estadual e municipal), entretanto ganham 24% menos que os homens, segundo estatística apresentada pelo Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea). Embora no setor público o número de mulheres  se sobreponha ao número contemplado no setor privado, a desigualdade de gênero é elucidativa ao se analisar a média salarial no funcionalismo público, bem como a ocupação de cargos menos relevantes, não obstante ostentarem grau superior de escolarização. No mundo inteiro, as mulheres estão em desvantagem no percentual de cargos de chefia. No Ministério Público, o contexto  não padece de exceção. A segregação hierárquica, alcunhada pela literatura de “teto de vidro”, demonstra acentuada discrepância entre homens e mulheres que ascendem aos cargos superiores de chefia, comando e gestão do Ministério Público Brasileiro. Atualmente, apenas 39% das mulheres ocupam cargos de poder no Ministério Público. Sobre essa ótica, considerando as disparidades que se desenvolvem ao longo do tempo e que as tornam, na maioria das vezes, imperceptíveis, resta evidente estimular a implementação de política de cotas por gênero, no serviço público em geral, como forma de quebrar paradigmas patriarcais da nossa sociedade.

MPD — Quais as conquistas dos últimos anos na luta pela igualdade de direitos?

Martha Helena — O dia 08 de março é celebrado mundialmente como um marco na luta pelos direitos humanos e é utilizado para gerar reflexão sobre o longo caminho percorrido pela busca de igualdade entre homens e mulheres. O Fórum Econômico Mundial, no final de 2018, concluiu que serão necessários mais de dois séculos para haver igualdade entre os gêneros no trabalho e em outras áreas como educação, saúde e representação política; as disparidades entre homens e mulheres precisarão de 108 (cento e oito) anos para serem exterminadas da nossa estrutura social. Como ilustrativo da trajetória pela equidade e respeito na sociedade, na garantia do direito das mulheres, destaco as seguintes conquistas: o direito ao voto; criação do Estatuto da Mulher Casada; criação da Lei Maria da Penha; aprovação da Lei do Feminicídio; criminalização do assédio sexual praticado contra mulheres; cotas na política; direito ao aborto de anencéfalos, etc.

MPD — Quais as grandes mudanças que precisam ocorrer para haver igualdade de gênero?

Martha Helena — É necessário promover mudanças de paradigmas para combater a cultura do preconceito. Entendo que essa mudança cultural só é possível por meio da educação, com um real comprometimento das escolas e das universidades para formarem cidadãos capazes de romper a cultura da desigualdade de gênero, fomentando o respeito e a oferta de oportunidades às diversidades. Por outro lado, não se pode abstrair desse processo o papel da família, no sentido de que haja um equilíbrio dinâmico nas funções desempenhadas por homens e mulheres dentro do núcleo familiar, abrindo-se um maior espaço para o protagonismo masculino no contexto parental.

MPD — O que levou a se filiar no MPD e qual a importância de ser associada?

Martha Helena — Fui apresentada ao MPD pelo Dr. Roberto Livianu, um entusiasta das causas sociais. Vislumbrei no MPD um canal aberto para discussão de temas jurídicos relevantes e situações factuais que impactam a sociedade e merecem ser trazidas à baila para um debate audaz, respeitando-se, é claro, as divergências de opinião entre seus membros. Vejo no MPD uma oportunidade de fomentar e implementar uma metamorfose social por meio da conscientização dos cidadãos.

MPD — Se você pudesse dar um conselho para uma jovem, formada em Direito, e que pretende ingressar numa carreira pública, como o Ministério Público, qual seria?

Martha Helena — Não imponha limites aos seus sonhos. Tenha foco, fé e determinação. Lugar de mulher é aonde ela quiser.